PÓS-PANDEMIA

Goiânia 88 anos: população está mais deprimida e ansiosa, dizem psicólogos

Afetados pela pandemia do coronavírus, seus efeitos econômicos e vestígios de uma sociedade que cobra por imagem, o goianiense anda triste

Goiânia 88 anos: população está mais deprimida e ansiosa, dizem psicólogos
Afetados pela pandemia do novo coronavírus, seus efeitos econômicos e vestígios de uma sociedade que cobra por imagem, o goianiense nunca esteve tão necessitado de acolhimento psicológico

A jovem Bruna da Silva Souza tem 22 anos e uma rotina cheia. Além de empresária e cuidadora de idosos, a goianiense estuda Administração de Empresas e está concluindo um curso de confeitaria – com o que sonha trabalhar. Um cotidiano turbulento como o de Bruna é semelhante ao de milhares de pessoas em Goiânia, assim como os problemas que ela enfrenta: há vezes em que a ansiedade bate forte, a ponto de atrapalhar suas atividades diárias.

Ao Mais Goiás, Bruna relata que já tinha sintomas de ansiedade quando mais jovem, mas foi somente em 2018, após sofrer uma grande desilusão amorosa, que seu quadro se agravou e fez com que sua família procurasse ajuda profissional. “Foram dias sem comer, dias chorando e me perguntando o porquê. Devido à falta de maturidade sobre o acontecimento, um simples fim [de relacionamento] se tornou uma porta para algo bem pior”, recorda a jovem, que foi diagnosticada com depressão e transtorno de ansiedade.

Hoje, após passar por tratamentos psicológico e psiquiátrico, Bruna conseguiu dar a volta por cima e afirma ter se encontrado e descoberto coisas boas sobre ela mesma que até então desconhecia. “Graças ao privilégio de ajuda profissional eu me sinto bem melhor hoje, pra não dizer curada”, comemora. No entanto, a jovem ainda é pega às vezes por sentimentos de tristeza e ansiedade causados por fatores que têm mexido com a saúde mental de todo o ser humano atualmente.

Para Bruna, recuperação na saúde mental está ligada diretamente à ajuda profissional que recebeu (Foto: Arquivo pessoal)

Para Bruna, recuperação na saúde mental está ligada diretamente à ajuda profissional que recebeu (Foto: Arquivo pessoal)

Profissionais e órgãos ligados à psicologia e saúde mental de Goiás apontam ter havido um aumento considerável de goianienses com sintomas de ansiedade, estresse e “tristeza profunda” nos últimos anos. Tais transtornos ganharam ainda mais força no ano passado, com a chegada da pandemia do novo coronavírus, que por sua vez desencadeou uma crise econômica que afetou milhões de brasileiros.

Mais pessoas precisando de ajuda, mais profissionais na área

Para se ter uma ideia, no início de 2020, havia 9.435 psicólogas e psicólogos ativos no estado de Goiás. Em 2021, esse número já é de 11.315 profissionais ativos. Ao Mais Goiás, o presidente do Conselho Regional de Psicologia 9ª Região (CRP09) , Wadson Arantes Gama, justifica o aumento substancial de novos inscritos e de reativação de registros profissionais: não só Goiânia, como o estado e o país tiveram um crescimento de casos de pessoas com ansiedade e depressão.

Conforme o psicólogo, houve, inclusive, um aumento expressivo de pacientes do sexo masculino em seus atendimentos. “Antes os atendimentos para homens eram de cerca de 30%. Hoje, eles já correspondem a 60%. A queixa principal é essa, de que estão cansados, nessa situação de não conseguir ter a governabilidade da vida. E também tem as pessoas que chegam com a ansiedade mais alta, em situações relacionadas ao medo do futuro”, detalha.

Em suas consultas, o psicólogo afirma ter observado também casos de pessoas com a chamada “síndrome da cabana”, transtorno ligado à experiência do ser humano de ficar longos períodos de tempo em isolamento social. Segundo ele, muitas pessoas têm dificuldade de “sair da cabana” e têm “os sintomas parecidos com a síndrome do pânico, mas percebe-se que é aquela dificuldade de ir pra vida”.

O peso da despesas na saúde mental

Em 2021, o índice de inflação de Goiânia medido pelo IPCA teve a maior variação para um mês de agosto desde o ano de 2000. Foi o que apontou o IBGE, que mostrou que o IPCA da capital goiana subiu para 1,05% em agosto deste ano. O índice foi de 0,66% no mesmo mês do ano passado. E com os produtos nas prateleiras mais caros, as preocupações e consequentemente sentimentos de ansiedade e tristeza também pesaram sobre os goianienses.

Com dois empregos, um jornalista de Goiânia de 27 anos, que não quis se identificar, revela que sua jornada de trabalho chega a 11 horas por dia. Segundo ele, os dois empregos são necessários para pagar as despesas que possui. “Hoje, tudo está mais caro. A gente precisa ter dois empregos e quem não tem, está se virando como pode. Tentamos viver um pouco melhor e acabamos trabalhando demais, e isso o corpo cobra”.

Índice de inflação de Goiânia em agosto deste ano foi o maior em 20 anos. Preço de produtos contribuem no aumento da ansiedade (Foto: IBGE)

Nos últimos dois anos, o rapaz diz ter notado uma intensa perda de cabelo. Segundo ele, a calvície masculina é algo presente em sua família. No entanto, o problema parece ter se agravado paralelamente ao aumento de suas atividades profissionais. E esses não são os únicos sinais de alerta de seu corpo. “Eu vou tomar banho e perco muito cabelo. Cai demais. Além disso, também tenho muitas olheiras e um semblante de cansado”, conta.

O rapaz diz ter certeza que tais problemas decorrem de estresse e ansiedade, coisas que o levaram a começar psicoterapia. “Eu também tomo chás, faço exercícios de respiração e estou treinando também” como tentativa de descarregar os sentimentos e pensamentos que fazem seu corpo reagir de forma negativa.

“Pessoas estão desestruturadas”, diz psicóloga

Há 16 anos no ramo da saúde mental, a professora universitária e psicóloga clínica Tânia Correia de Paula afirma ter percebido um aumento vertiginoso na busca por ajuda para sofrimentos psíquicos nos últimos tempos. A profissional, responsável pelo Núcleo de Pesquisas e Práticas Psicológicas (NEP) da FacUnicamps, em Goiânia, e conhecida pela lida afetuosa com os alunos quando se trata de saúde da mente, revela ter havido um aumento de 80% na demanda dos estudantes por atendimento.

“As principais queixas que eu recebo são de pessoas com sintomas de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e depressão. Há um índice gigante de depressão e muitas pessoas nem sabem que é isso. Algumas pessoas já chegam com pensamentos e comportamento autolesivos”, revela.

Tânia explica que há protocolos específicos para os casos que atende. Situações em que a pessoa apresenta risco para sua vida ou para a de outras pessoas são as únicas em que há permissão para a quebra do sigilo profissional, que é quando a psicóloga entra em contato com a família do estudante .

A professora e psicóloga Tânia Correia atua com saúde mental há 16 anos (Foto: Jucimar de Sousa – Mais Goiás)

Para a professora, a sociedade atravessa uma época em que a fragilidade dos indivíduos está exposta, o que demanda atenção em dobro. “Muito mais do que médicos e psicólogos, as pessoas de um modo geral estão necessitadas de acolhimento, de amor, de alguém que as ouça e que seja verdadeiro com elas. Estamos passando por uma crise social e humanitária, onde as pessoas estão muito desestruturadas”, conclui.

É o que também afirma o psicólogo Marcelo Assis, membro da Rede de Psicologia, instituição acadêmica e profissional que realiza mais dois mil atendimentos ao mês. Segundo ele, o aumento da busca por atendimentos psicoterapêuticos está relacionado também à necessidade das pessoas de desenvolver um suporte para enfrentar essas situações de adversidades.

“Não foi só a ansiedade que motivou o goianiense a buscar a psicoterapia, mas esse olhar para a saúde emocional, para esse angústia que o goianisense enfrentou e talvez a inabilidade de lidar com esses aspectos”, diz Assis.

Durante o pico da pandemia, a psicóloga Tânia Correia afirma que chegou a atender 11 estudantes em Goiânia em um único dia (Foto: Jucimar de Sousa – Mais Goiás)

Quando buscar ajuda

Conforme Tânia Correia, é essencial que o indivíduo busque auxílio quando a mente e até o corpo emitirem os alertas – que podem ser vários. “Se a pessoa está sentindo uma tristeza profunda há mais de duas semanas, está com taquicardia, alteração no apetite, insônia, com pensamentos autolesivos, ela precisa procurar ajuda. Se não puder ser uma ajuda profissional, que seja para uma pessoa que possa conduzi-la a um profissional”, arremata.

Hoje, a Prefeitura de Goiânia mantém os chamados Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que são unidades específicas para atendimento a usuários com transtornos psiquiátricos e pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Além, várias instituições de ensino superior em Goiânia também oferecem atendimento psicológico gratuito, como a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a FacUnicamps, que por meio de parceria com a ONG Curados para Curar, também oferece acolhimento psicológico.

Há ainda, o disque-188 do Centro de Valorização da Vida (CVV), canal de atendimento que funciona 24 horas.