CABE RECURSO

Justiça nega proteção a terreiros invadidos nas buscas por Lázaro

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou, na noite de quarta-feira (24), proteção a…

Casa religiosa vítima de invasão ilegal da polícia em Águas Lindas de Goiás (Foto: Arquivo Pessoal)
Casa religiosa vítima de invasão ilegal da polícia em Águas Lindas de Goiás (Foto: Arquivo Pessoal)

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou, na noite de quarta-feira (24), proteção a terreiros e outros territórios religiosos de religiões afro-brasileiras que estão sendo alvo de incursões ilegais e sem mandado judicial nas buscas pelo fugitivo Lázaro Barbosa, no Entorno do Distrito Federal. A decisão foi proferida pelo desembargador Fábio Campos Faria, que indeferiu a solicitação de liminar do Instituto em Defesa das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro). A entidade, que pedia que a Polícia não realize nenhuma incursão aos templos religiosos sem estarem amparados por mandados judiciais, vai recorrer da decisão.

Na decisão, o desembargador diz que não há comprovação de associação das casas e templos citados no documento ao Idafro. Segundo o magistrado, em virtude da proporção que o caso Lázaro Barbosa tomou, existem “fundadas razões” para o ingresso em qualquer moradia particular, órgão público, estabelecimento comercial, templo religioso de qualquer culto, inclusive no período noturno, sem a necessidade de mandado judicial.

O coordenador do Idafro, advogado Hédio Silva Júnior, afirma que vai recorrer da decisão, pois acredita que as provas anexadas aos autos foram desconsideradas pelo desembargador. Além disso, acrescenta que o indeferimento foi guiado por motivações à margem da legislação.

“Quando se trata de pobres, pretos e macumbeiros, a Lei se torna mero aconselhamento e o Estado pode agir com arbitrariedade e truculência. Esse tipo de “autorização” nunca aconteceria em um bairro de elite. Mas nós continuamos  a acreditar que a Lei é uma coisa séria. Não é a gravidade do crime que vai revogá-la”, defendeu.

Truculência

Hédio Silva Júnior explica que entrou com a ação judicial após receber mais de uma dezena de denúncias de ações ilegais da polícia em terreiros de religiões afro-brasileiras do Entorno do Distrito Federal. “Os relatos, inclusive amparados por Boletins de Ocorrências são de mais de uma dezena de incursões da polícia desprovidas de mandado judicial, arrombamentos, agressões físicas e verbais e tortura”, declarou.

Hédio explica que há relatos de invasões policiais dentro de templos religiosos, inclusive no período noturno e durante a madrugada, que é vedado mesmo quando há mandado judicial. “Mesmo se a polícia estiver amparada por mandado judicial, ela não pode atuar em buscas residenciais depois das 18h. Há casos em que as invasões de policiais às casas religiosas foram feitas depois das 22h”, pontuou.

A ação relata também crimes de ameaça; destruição de símbolos religiosos; dano ao patrimônio cultural; inspeção ilegal de mobílias, computadores e celulares; captação de imagens e toda sorte de humilhações, constrangimentos e abusos. Na segunda-feira (21), os Governos de Goiás e do DF receberam documento com mais de 300 assinaturas cobrando respostas às invasões.

Boatos sobre “rituais satânicos”

O advogado conta que as primeiras invasões das casas religiosas foram motivadas pela divulgação da imagem de objetos religiosos fotografados em um terreiro da região que associava os crimes de Lázaro à “rituais satânicos”.

“O que chamou a atenção foi a divulgação da foto de um assentamento, dissociada dos locais dos homicídios, como sendo da casa de Lázaro e vinculando os artefatos religiosos a supostos rituais ‘satânicos’. Depois soubemos que essa foto foi resultado de uma das primeiras incursões ilegais da polícia nos terreiros de Águas Lindas”, afirmou.

Assentamento fotografado dentro de templo de religião afro-brasileira divulgado como "ritual satânico" (Foto: Divulgação/Polícia Civil de Goiás)

Assentamento fotografado dentro de templo de religião afro-brasileira de Águas Lindas de Goiás divulgado como “ritual satânico”

O coordenador do Idafro, que advoga em causas de intolerância religiosa contra religiões afro-brasileiras há mais de três décadas, afirma que a associação das práticas religiosas do Candomblé e da Umbanda com crimes e rituais maléficos não é novidade. “É um comportamento de intolerância religiosa e ignorância que pretende atribuir um comportamento criminoso às religiões afro-brasileiras”, conclui.

O Mais Goiás pediu respostas à Secretaria de Estado de Comunicação de Goiás e Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), mas não obteve resposta até o fechamento da matéria. A Secretaria de Estado de Comunicação do Distrito Federal respondeu que os questionamentos sobre as operações policiais deveriam ser enviados à SSP-GO. Sobre o abaixo assinado, o GDF respondeu que o documento foi enviado às Secretarias de Estado de Relações Institucionais (SERINS) Segurança Pública (SSP) e Extraordinária da Família (SEFAM).

Outras medidas

De acordo com parecer jurídico emitido pela jurista Mariana Guimarães, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil e colunista de Direito do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), o Habeas Corpus é é o meio jurídico mais rápido, gratuito e que deve proteger líderes religiosos ameaçados

Mariana ressalta que a entrada forçada, sem mandado judicial, só é lícita quando amparada em fundadas razões que indiquem situação de flagrante – e é preciso cuidado para não confundir isso com intolerância religiosa. Caso contrário, os agentes policiais poderão responder disciplinar, civil e penalmente.

“Caso a atuação não respeite o que manda a lei, cabe denúncia a Corregedoria da respectiva polícia, ao Ministério Público, representação cível para garantir indenização e ainda representação criminal por violação de domicílio, racismo religioso, abuso de autoridade, lesão corporal, depredação de símbolos religiosos, crimes contra a honra, dano ao patrimônio cultural e outros”, afirma a jurista.