RACISMO AO LADO

“Me esfrega até ficar branco?”: Em livro, professora de Aparecida conta caso de racismo na escola

Renata Damasceno decidiu colocar em um livro o caso de racismo que a chocou, e garante: é mais comum do que se pensa

Renata Damasceno decidiu colocar em um livro o caso de racismo que a chocou, e garante: é mais comum do que se pensa (Foto: Jucimar de Sousa - Mais Goiás)

“Mamãe, passa bombril em mim pra eu ficar branco?”. Essa frase foi dita por um menino de cinco anos para a mãe após ouvir dentro da escola, em Aparecida de Goiânia, que ele era “fedido” e “sujo” por conta de sua cor negra. O caso de racismo tomou grandes proporções, indo parar na Justiça e até num livro infantil de autoria da professora Renata Damasceno, de 41 anos, que garante que esse tipo de situação é mais comum do que se pensa.

“A história do menino preto que queria descolorir-se” é o titulo do livro ilustrado de pouco mais de 80 páginas. A obra conta a história de Aldo, um menino que sofre racismo dentro da sala de aula. Em um trecho, o garoto chega em casa e pede que sua mãe “tire sua cor preta” durante o banho e que o esfregue “até que ele fique branco e limpo”. A situação, que já impacta nas páginas coloridas do livro, fica ainda mais chocante pelo fato de ter acontecido no mundo real.

Ao Mais Goiás, Renata Damasceno conta que a ideia do livro surgiu em novembro do ano passado, mês da Consciência Negra. Segundo ela, durante as discussões sobre o assunto num grupo de pais, uma mãe relatou que o filho, à época com cinco anos, havia sido vítima de racismo na escola onde estudava, em 2019. E essa situação  provocou trauma profundo na criança.

“Ela contou que o filho dela chegou em casa muito triste, pedindo que ela tirasse a cor dele. Pediu isso chorando, porque a coleguinha não queria brincar com ele, dizendo que ele era ‘sujo’ e ‘fedido’ por causa da cor”, relembra.

A professora Renata Damasceno, Silvia Natalino e seu filho, o pequeno Aurélio (Foto: Jucimar de Sousa – Mais Goiás)

O racismo na estrutura

Renata conta que a mãe, inconformada com o ocorrido, foi até a escola e solicitou uma reunião de pais. Em uma tentativa de conversar com os pais da menina, a mulher descobriu que a criança nada mais era do que reprodutora do racismo da mãe, que disse que não aceitaria que a filha se “misturasse com negros”.

Segundo a professora, o caso a ajudou a abrir os olhos para casos de racismo cotidiano na escola e a se aprofundar nas pesquisas sobre o tema. “Tem 20 anos que sou professora e sempre trabalhei essas causas de inclusão, mas eu via o racismo como bullying e nao como racismo. Não o percebia na estrutura“, expõe.

Capa do livro A História do Menino Preto que Queria Descolorir-se, de Renata Damasceno (Foto: Divulgação)

Capa do livro A História do Menino Preto que Queria Descolorir-se, de Renata Damasceno (Foto: Divulgação)

O livro “A história do menino preto que queria descolorir-se” não traz somente a história do menino Aldo. Por meio de um QR Code, a pessoa pode acessar dezenas de dados sobre os tipos de racismo e como identificá-los, assim como a legislação em vigor hoje para combatê-los. De acordo com Renata, a intenção é disponibilizar o livro on-line em breve, para que chegue ao máximo de pessoas possível.

“É um alerta também para os outros professores. Muitos nao percebem que o racismo está na estrutura e precisa ser tratado todos os dias”, conclui.

“Eu grito por ele, por mim, por todos”, diz mãe de criança vítima de racismo

A situação envolvendo o filho foi um dos motivos para transferi-lo de escola. É o que conta a jornalista Silvia Natalino, de 42 anos, mãe do pequeno Aurélio que enfrentou a situação de racismo. A mulher recorda ter ouvido do garoto, hoje com sete anos, que ela “não sabia o quanto o racismo doía nele”.

“Ele é muito comunicativo, mas depois disso ele passou até a ter problemas de aprendizagem”, relata, fato que a levou a colocar o filho na terapia.

Aurélio, que sempre foi uma criança comunicativa, chegou a ter problemas de aprendizagem após a situação de racismo (Foto: Jucimar de Sousa – Mais Goiás)

Ao Mais Goiás, Silvia falou do seu choque ao perceber o quanto do racismo da mãe da menina que ofendeu Aurélio era repassado para a criança. “Na época, ela me disse que não queria contato com gente da minha raça, porque eles [família da menina] eram ‘higiênicos’ e limpos'”. A jornalista decidiu ingressar com uma ação na Justiça por injúria racial contra a mãe da menina, e já obteve uma decisão favorável em primeira instância.

Antes de acionar a Justiça, Silvia revela que foi desencorajada por muitos, mas decidiu seguir em frente. Hoje, a mulher diz que o filho está bem melhor e que os dois conversam abertamente sobre questões raciais. Porém, segundo ela, essa é uma luta contínua. “Eu estou fazendo isso pra mostrar que preto tem voz, tem posicionamento. Eu grito por ele, por mim, por todos”, conclui.

Vale destacar que o crime de racismo – discriminação por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional – é passível de dois a cinco anos de reclusão. Já o crime de injúria racial também é tipificado na Lei, com pena que pode chegar a três anos.

Prefeitura de Aparecida destaca projeto de combate ao racismo

Procurada pela reportagem do Mais Goiás, a Secretaria Municipal de Educação de Aparecida de Goiânia declarou que os profissionais de Educação que hoje integram a rede municipal de ensino são “devidamente qualificados para lidar com questões relacionadas ao racismo”.

A pasta disse ainda que, em parceria com a Coordenadoria de Igualdade Racial realiza neste ano um projeto de “valorização dos sujeitos” e combate ao racismo na rede. Veja:

“A Secretaria Municipal de Educação de Aparecida de Goiânia (SME) esclarece que sua rede de escolas, CMEIS e entidades conveniadas é constituída de profissionais devidamente qualificados para lidar com questões relacionadas ao racismo. As unidades escolares, por sua vez, respeitando cada etapa educacional, trabalham a questão numa perspectiva transversal e interdisciplinar.

A SME informa ainda que, em parceria com a Coordenadoria de Igualdade Racial, órgão ligado à Secretaria Municipal de Articulação Política, está realizando neste ano de 2021 o projeto “Conhecendo a Nossa História: da África ao Brasil”. A ideia do projeto é promover o conhecimento histórico e a valorização dos sujeitos, combatendo o racismo e fortalecendo aspectos identitários.”