SEMANA DA MULHER

Meu espaço é aqui: a luta de mulheres goianas que atuam em profissões consideradas masculinas

A reportagem mostra os desafios diários de mulheres que ocupam cargos e profissões cujos cargos são ocupados predominantemente por homens

Marileuza Rosa Ramos, 49 anos, pedreira, eletricista e diarista. Joyce Escobar Gonzaga, 27 anos, piloto de avião. Fernanda Vilarinho, 37, diretora comercial da DiCastro Invest. Além do fato de serem mulheres e goianas, elas têm em comum o desafio diário de estarem em cargos e profissões vistos pela sociedade como ‘locais para homens’. Na semana do 8 de março, o Mais Goiás ouviu como é ser mulher e estar em ambientes com predominância masculina. 

“Pau para toda obra”. Assim Marileuza Rosa se define. Há mais de 15 anos ela atua em profissões ‘masculinas’. Precisou de pedreira, eletricista, encanadora, diarista ou motorista? Chama que ela vai! Precisou assentar cerâmica ou de serviços de jardinagem? Ela também está dentro!

Desempenhar tais funções nem sempre foi fácil. A inserção dela no meio também não foi nada planejada. A curiosidade e a necessidade fizeram com que Marileuza aprendesse “de tudo um pouco”. 

“Muitas vezes precisei de determinados serviços e não tive condições de pagar. Como sempre fui curiosa, perguntava para um e outro como fazia tal coisa. Foi assim que aprendi tudo que sei. Se precisava levar parede, eu levantava. Se precisava arrumar uma tomada, eu arrumava. Com o tempo, quando vi que estava bem e sabia fazer, comecei a pegar serviços aqui e ali”, disse. 

A mãe de sete filhos conta que, apesar de não ter enfrentado situações extremas de preconceito, já sentiu que os clientes não confiavam no trabalho dela pelo fato de ser mulher. “No começo, as pessoas me olhavam meio desconfiadas, mas não falavam nada. Eu ia lá fazia o meu melhor. Sempre fui muito elogiada”, lembrou.

No Brasil, dos 1.069.137 milhões de profissionais cadastrados no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) em 2020, apenas 210.131 eram mulheres, isto é, menos de 20%. Apesar disso, dados do Painel da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Previdência apontaram crescimento de 5,5% de trabalhadoras com carteira assinada no país, no referido ano. 

Para Marileuza, mesmo que devagar, as mulheres estão conseguindo acesso à área. “Trabalhamos com a mesma capacidade dos homens ou até mais, pois somos mais detalhistas e cuidadosas. Sempre tento incentivar minhas amigas, dizer que elas são capazes. Quero ver todas as mulheres capacitadas, ocupando mais espaços. Quando é preciso, ensino tudo. Não cobro nada. É necessário para que sejamos mais independentes”, comentou.

Foto: Jucimar de Sousa

Voando contra o preconceito

Aos 14 anos, depois de voar pela primeira vez em uma viagem de família, Joyce já sabia que aquela seria a profissão de sua vida. Hoje com 27 anos, ela é a única mulher piloto da Brasil Vida Táxi Aéreo, empresa especializada no transporte de pacientes em ambulâncias aéreas. Ao alçar voos altos no trabalho, ela também contribui para quebrar paradigmas em uma função que é marcada pela presença maciça de homens. 

Segundo dados de 2019 divulgados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), das 14.380 licenças para voar, apenas 428 eram de mulheres, o que representa apenas 3% de profissionais femininas no setor. 

Apesar dos números serem pouco animadores, a piloto não se intimida e tem boa expectativa sobre a inserção de mulheres na área. “Por mais que seja uma profissão em que a maioria é do sexo masculino, está crescendo a quantidade de mulheres pilotos no mercado, sempre muito bem aceitas”, disse. 

Para ela, ocupar uma função composta majoritariamente por homens é de uma responsabilidade e inspiração gigantescas. “Com frequência recebo mensagens de outras mulheres que se sentem inspiradas por mim. Isso me deixa muito feliz. Procuro sempre incentivar, afinal, não só nós mulheres, todos nós somos capazes de alcançar nossos sonhos se nos dedicarmos a isso.”

Arte: Niame L.

Missão de salvar vidas

Como co-piloto de King Air, modelo de avião bimotor, Joyce já voou mais de 700 horas e atuou em diversos estados brasileiros no transporte de todos os perfis de pacientes, de recém-nascidos a idosos com as mais diversas necessidades.

“Houve o caso de um bebê que me tocou bastante, pois ele só tinha duas horas da medicação que precisava para sobreviver até chegar ao destino. Esse voo me fez ver o quanto o meu trabalho, em uma UTI aérea, é importante para encurtar distâncias e salvar vidas”, relembra.

Das dificuldades da carreira, a piloto goiana menciona o alto custo da formação, além da exigência de muita determinação e foco nos estudos. “É uma carreira muito difícil e desafiadora, com um mercado de trabalho extremamente exigente, e com oportunidades escassas. Apesar das adversidades, me sinto realizada por atuar em uma frente de trabalho tão importante para salvar vidas”, concluiu.

Foto: divulgação

Joyce não é a primeira

Apesar de ser a única piloto na Brasil Vida Táxi Aéreo na atualidade, Joyce não é a primeira profissional a voar pela empresa de transporte aeromédico. Antes dela, outras seis mulheres atuaram na função. 

“Encaramos como missão criar um ambiente de trabalho que dê oportunidades para mulheres e as acolham em suas carreiras”, afirmou Mariana Bernardes, psicóloga do departamento de Recursos Humanos da empresa.

Escritório só de mulheres 

Se por um lado o mercado imobiliário tem a presença predominante de homens, um escritório localizado em Goiânia tem trabalhado para romper com a ideia de que o ramo não é para mulheres. Instalada na capital há quase um ano, a DiCastro Invest, empresa de investimentos imobiliários, conta com a presença maciça de trabalhadoras. São 25 consultoras lideradas pela diretora Fernanda Vilarinho, de 37 anos.

Ao Mais Goiás, ela revelou que foi convidada para gerir um projeto de expansão na empresa, em abril de 2022. Segundo o Vilarinho, desde o início, havia a preferência pela presença de profissionais femininas.

A preferência, porém, não significava exigência. Tanto que alguns homens chegaram a integrar a equipe. No entanto, de forma natural, eles saíram e as mulheres continuaram, pois, segundo a diretora, elas se sentiam acolhidas e se destacavam.

De acordo com Fernanda, o rendimento da equipe composta apenas por mulheres tem sido “espetacular” e tem impressionado. “Desde o primeiro lançamento que participamos no ano passado, época que a equipe tinha 10 profissionais, vendemos 25% do empreendimentos. Fomos a empresa que mais vendeu dentro desse lançamento, o que chamou muito a atenção no mercado imobiliário. Depois disso, todos os empreendimentos que nós lançamos, tivemos participação muito relevante e expressiva”.

Ela ressalta que o fato de a equipe ser 100% feminina chama atenção nos eventos e lançamentos dos quais a empresa participa. “Os resultados impressionantes também são destaque no mercado. Isso demonstra que as mulheres têm um jeito diferente de olhar as coisas, de negociar, socializar e se relacionar. Isso tudo tende a contribuir com o ambiente de negócios”, afirmou.

Foto: Jucimar de Sousa

Baixa presença em cargos de liderança

Em Goiás, de acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgado nesta semana, 1,6 milhões de mulheres possuem emprego formal. Apesar de estarem cada vez mais presentes no mercado de trabalho, elas ainda recebem 30% menor que os homens, conforme aponta a pesquisa. O estado figura em segundo lugar no Brasil em relação à desigualdade salarial entre gêneros. 

De acordo com Fernanda, apesar da predominância masculina, as mulheres estão conseguindo se inserir no mercado imobiliário. “As profissionais femininas estão ganhando espaço. Estão sendo cada vez mais atraídas para esse meio. Acredito que pela flexibilidade de horário, autonomia, progressão de carreira, alta remuneração. Isso tudo tem atraído mulheres para o mercado”, disse.

Mesmo com a inserção e o destaque crescentes das mulheres na área, um problema existente é a baixa presença feminina em cargos de liderança. “A gente vê poucas mulheres com cargos de liderança dentro das empresas, mas acredito que isso será mudado aos poucos não só no mercado imobiliário, mas em outras áreas também”.

E finalizou: “A mulher pode e deve ocupar todos os lugares que ela desejar. Temos direito e capacidade para isso”.

Foto: Jucimar de Sousa