EDUCAÇÃO

“Quebra da gratuidade fere de morte princípio de universidade”, diz reitora da UFG sobre PEC 206

A possibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende alterar a gratuidade do…

"Quebra da gratuidade fere de morte o princípio de universidade", afirma reitora da UFG sobre a PEC 206 (Foto: Universidade Federal de Goiás)

A possibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende alterar a gratuidade do ensino público em universidades federais ir à plenário preocupa professores e estudantes. A chamada PEC 206/2019, em apreciação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, pode, na visão de educadores, prejudicar o acesso ao ensino superior, causar aumento da evasão escolar e promover espécie de segregação nos ambientes acadêmicos. “Somos absolutamente contra”, reforça a reitora da Universidade Federal de Goiás (UFG), professora Angelita Pereira de Lima.

A proposta feita pelo deputado federal general Peternelli (União-SP) considera apenas o aspecto educacional das instituições, de acordo com Angelita, e foi editada de modo a ignorar os vieses de pesquisa e extensão que são inseparáveis por definição para as universidades.

“[A PEC] quebra o princípio da gratuidade e fere de morte o princípio da universidade. [Universidade] não é só ensino. Ensino é apenas uma pauta, ao lado de pesquisa e extensão. Essa quebra, além de resultar em uma segregação interna na universidade – entre os que pagam e os que não pagam -, demonstra que desconsideram que a maior parte de pesquisas feitas pelo país são feitas em universidades públicas. Imagina você ter um sistema em que parte da comunidade terá um tratamento e outra parte, outro tratamento, tudo isso dentro de uma mesma universidade? Isso é ingovernável, inadministrável do ponto de vista da prestação de contas e do acompanhamento pedagógico. Isso não funcionaria na prática.”, afirma a reitora.

Evasão escolar

Os alunos também acreditam que a medida não funcionará na prática e ainda contribuirá para a evasão escolar, uma vez que alguns estudantes trabalham para manter ou auxiliar nas despesas da família. Com a emenda, a Educação se tornará mais um custo com o qual muitos não poderão arcar.

“Colocar preço na educação é retirar dos estudantes a possibilidade de ter um diploma que lhe possibilite crescer no mercado de trabalho, contribuindo para a evasão escolar e tornando-os cada vez mais marginalizados. Ações como essa vem acompanhadas do discurso da meritocracia, mesmo quando a realidade inclui limitar as possibilidades de uma pessoa com poucos recursos para atingir um objetivo profissional. Enquanto as pessoas com boa estrutura financeira continuarão se dedicando apenas aos estudos, os de baixa renda vão precisar trabalhar para sustentar a família e, agora, pagar a universidade pública”, afirma Célia Helena Gonçalves, estudante de Ciências Biológicas da UFG.

De acordo com a reitora, a PEC é preocupante no sentido que pode fazer com que menos pessoas acessem as universidades.“Em 2014, foi aprovado a Política Nacional de Educação (PNE) que prevê que até 2024, 30% da juventude terá acesso ao ensino superior. Estamos em 2022 e menos de 15% dos jovens brasileiros tem acesso a esse ensino, e desses 15%, menos de 5% estão nas universidades públicas. Isso quer dizer que ao invés de favorecer a ampliação do acesso ao ensino superior, uma medida como essa reduz ainda mais. Os filhos dos trabalhadores não vão conseguir se manter, se conseguissem estariam em uma universidade privada”, diz Angelita Pereira.

“Argumentos falaciosos”

Atualmente, o dinheiro administrado pelas reitorias é repassado pelos governos estaduais ou federais e nenhuma universidade pública do Brasil cobra mensalidade dos estudantes. A PEC propõe que a mensalidade seja cobrada a partir de critérios de renda e classe social. No texto de justificativa da emenda, o general afirma que “os estudantes ricos ocupam as vagas disponíveis no vestibular em detrimento da população mais carente”, o que, para Angelita, é um argumento falacioso.

“Um dos argumentos falaciosos é de que os ricos entram nas universidades públicas, o que não é verdade. O filho de quem é rico mesmo estuda fora do país. Na UFG, por exemplo, mais de 70% dos nossos estudantes são considerados de baixa renda, até porque nós temos vários programas de ingresso que possibilitam a entrada deles na universidade. São filhos de trabalhadores no máximo de classe média”, afirma a reitora.

Além disso, Angelita ressalta que estipular uma mensalidade para alguns não resolverá problemas de manutenção das universidades e afirma que instituições privadas também necessitam de auxílios governamentais.

“Outra falácia é a que a cobrança de mensalidade vai resolver os problemas de financiamento e manutenção das universidades, o que também não é verdade. As instituições privadas de ensino também dependem de programas de financiamento, como o Prouni por exemplo. A mensalidade por ela mesmo não sustenta uma instituição. Então, para quê ter? A universidade é política pública de Estado, é ele quem tem que mantê-la e isso não é gasto, é investimento. Para nós, essa é uma tentativa de desmontar o sistema público de educação e abre portas para desmontar os demais sistemas públicos, como o da saúde e da segurança pública. O Brasil ainda está consolidando as suas políticas de estado e vem uma medida como essa”, diz a professora.

PEC 206 continua na CCJ

A PEC 206 segue na CCJ, onde será analisada sob critérios constitucionais e se causa dano à Carta Magna do Estado de alguma forma. Caso esteja de acordo com a Constituição, ela passará por votação, com presença obrigatória do relator do tema, e depois será encaminhada ao plenário.

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