Crise

Trabalhadores do Hugo continuam paralisados, denunciam atraso de pagamento e assédio moral

Mais de mil trabalhadores contratados direta e indiretamente pelo Instituto Gerir, Organização Social (OS) responsável…

Mais de mil trabalhadores contratados direta e indiretamente pelo Instituto Gerir, Organização Social (OS) responsável pela gestão do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) estão sem salário há 16 dias. Com paralisação aprovada de forma unânime na segunda-feira (22) e iniciada nesta terça (23), funcionários afirmam que estão sem dinheiro para cobrir necessidades básicas, como garantir a alimentação da família e/ou para o deslocamento para o trabalho. No momento, cirurgias eletivas estão completamente suspensas e há priorização dos atendimentos para pacientes em estado grave.

De acordo com Júlia*, com medo de represálias, “várias famílias estão passando necessidade em casa”. “Muitos só tem gasolina para vir ao próximo plantão. Ontem mesmo fizemos vaquinha para ajudar um colega a vir trabalhar na sua próxima escala. Eu mesma estou nessa situação”.

Segundo ela, o marcador de combustível do seu veículo não sai da reserva e a situação em casa não é das melhores. “Só tenho gasolina para voltar para casa hoje. A minha energia foi cortada ontem. Para alimentação, ainda temos arroz e feijão, mas carne deixamos para comprar a cada dia. Se tiver R$ 5, vai isso. Se não tiver, fazemos farofa de ovo. Tenho filho e não estou tendo condições de comprar coisas de criança. Frutas e verduras também estão em falta. A geladeira está vazia”.

Outra funcionária da enfermagem, Joana*, reforça que, em sua casa, a situação é ainda pior. “Estamos sem condições e está começando a faltar comida. Meu marido está desempregado e temos um bebê de 11 meses para cuidar. Como ele não se alimenta mais diretamente do peito, preciso comprar leite especial. Comuniquei ontem minha chefia de que o combustível que tenho só dá para hoje. Do fundo do meu coração, só tenho arroz para mais três dias”. Segundo ela, também falta óleo, carne e açúcar.

Para a Júlia, o maior problema, entretanto, é lidar com a falta de informação sobre os pagamentos. “A gente pergunta e o pessoal só responde que não tem previsão. Apesar de estar atrasado, a gente tem direito de saber quando receberemos para podermos organizar nossas vidas”. Segundo ela, até o momento, nenhum vale, ajuda de custo ou cestas básicas foram entregues aos trabalhadores.

Lúcia*, técnica de enfermagem, afirma que são muitos os problemas que a categoria está enfrentando. “Nosso salário está sem reajuste há três anos, não temos plano de saúde. Hoje um colega não virá trabalhar porque não tem dinheiro para pagar ônibus.”, alertou.

Júlio Cesar, uma das lideranças do movimento dos trabalhadores, informou que a paralisação vai continuar até que a OS realize o pagamento. “A Gerir prometeu, sem nenhuma garantia, que o governo irá repassar as verbas na quinta e que eles vão regularizar o pagamento dos salários atrasados. Nós realizamos uma assembleia e decidimos continuar paralisados até que a situação se resolva. Assim que pagarem a gente retorna ao trabalho”. Júlio também encaminhou cópia de documentação que comprova o atraso no pagamento desde o mês de junho:

Comprovantes dos meses junho, junho e julho mostra que pagamentos foram realizados em atraso | Fotos: Arquivo pessoal

Perseguição

Como se as dificuldades não bastassem, técnicos e enfermeiros denunciam ainda casos de perseguição por parte de supervisores contra quem aderiu ao movimento. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores(as) do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde/GO), Flaviana Alves, revela que recebeu, apenas nesta terça, cerca de 30 denúncias de assédio moral e ameaças sofridas por funcionários da unidade que aderiram ao movimento. “Vamos denunciar a situação no Conselho Regional de Enfermagem (Coren) e no Ministério Público do trabalho (MPT)”, reforça Flaviana.

Uma das ameaçadas de suspensão foi Joana. Segundo ela, nomes de partícipes estão sendo anotados para posterior penalização. As ordens viriam da chefia. “Minha chefe disse que se a gente parasse de trabalhar ia dar suspensão para quem saísse. Só do Centro Cirúrgico, sete pessoas desceram. Ela pegou o nome de todos. A coordenação está alegando que não recebeu comunicação formal dos sindicatos sobre a paralisação e, por isso, estão agindo dessa forma”.

Outra pessoa, que não aderiu ao movimento, confirma a situação. “Te passaria o contato de uma menina que teve o nome anotado, mas ela está com muito medo e não autorizou. Todos têm medo, é muito assédio”. A referida supervisora, cujo nome será preservado, afirmou ao Mais Goiás que as denúncias “não procedem”. “Essa é uma decisão a nível de diretoria. Enquanto coordenação não estamos tendo qualquer problema ou resistência com relação ao movimento”.

Em nota, o Instituto afirmou repudiar “qualquer tipo de conduta desrespeitosa” e ressaltou os resultados positivos em auditorias realizadas pelo Ministério do Trabalho. “A OS tem cumprido a legislação e prova disso é que nenhum tipo de situação irregular nesse sentido foi constatada”. Ainda, a entidade alega se solidarizar com o momento de crise, mas frisa que depende dos repasses integrais de recursos que ficaram pendentes para a regularização das atividades na unidade.

*Júlia , Joana e Lúcia são nomes fictícios. As enfermeiras pediram para terem seus nomes preservados, com medo de represálias.