Música

Angra domina Goiânia

São 22h30 de quinta-feira (11) e uma pequena multidão já se acumula do lado de…

São 22h30 de quinta-feira (11) e uma pequena multidão já se acumula do lado de fora do Bolshoi Pub, no Setor Bueno. Um pequeno estande vende camisetas e merchandising, mas a maior parte das pessoas troca de pernas enquanto aguarda em uma fila mais ou menos organizada, ansiosa para entrar. Quase todos vestem camiseta preta e ignoram um vento forte e frio típico de agosto que não consegue vencer o calor da empolgação. Comentários emergem: “será que ainda tem ingresso?”.

Infelizmente, não: “está tudo esgotado”, me conta a bilheteira, “quem chegou pra comprar agora vai ter que voltar”. Quem esgotou os ingressos e lotou a casa de shows em plena quinta-feira é a banda brazuca Angra, conhecida por seu metal melódico, solos elaborados e agudos penetrantes.

A banda não vinha à Goiânia desde 2007, atraindo fãs vorazes para a apresentação desta semana após quase dez anos de abandono. De lá pra cá, muita coisa mudou no Angra e em sua formação. A principal mudança foi a saída do vocalista Edu Falaschi e do baterista Ricardo Confessori.

Foi a segunda grande repaginação da banda desde 2000. Quem assumiu as baquetas foi o jovem Bruno Valverde e os vocais ficaram com o veterano e tenor por formação Fabio Lione, vocalista da banda de power metal sinfônico italiana Rhapsody of Fire. Juntos, eles fizeram uma turnê celebrando os 20 anos do primeiro disco do Angra, o Angel’s Cry, e lançaram um álbum novo, o Secret Garden. Agora estão em turnê celebrando os 20 anos do segundo disco, Holy Land, em um repertório que mistura clássicos e novidades.

 

Do lado de dentro, o público aguardava com a mesma expectativa – alguns até tentando capturar alguns Pokémon – pelo show que começou às 23h20 pontualmente. A banda decidiu abrir com Newborn Me, primeiro single do disco mais recente, Secret Garden. Mesmo sendo recente, os fãs sabiam a letra de cor e cantaram juntos com Lione toda a letra.

Essa foi só a primeira de várias músicas que o público acompanhou: Carolina IV, Holy Land, Nova Era, Make Believe, Time, Nothing to Say, Waiting Silence e muitas, muitas outras. A participação do público foi constante e encorajada pela banda, especialmente por Fabio e pelo co-fundador e guitarrista Rafael Bittencourt que conversaram muito com as pessoas.

“Desde 2007?”, reagiu Bittencourt surpreso após descobrir há quanto tempo não vinham aqui, “Nós precisamos vir mais vezes. Vocês são um público muito querido; sabe, são cheios de amor. É um amor… quentinho (risos, dele e do público). Já vejo a manchete amanhã: artista de metal fala ‘amor quentinho’ em cima do palco”.

 

Brincalhão, Bittencourt contou sobre uma das fãs na plateia que estava fazendo aniversário e sobre um casal de fãs que tinha um bebê com um nome muito especial: “A bebê de um ano e um mês se chama Angra! Imagina se ela cresce e não gosta? Ai, meus pais me deram o nome daquela turma ultrapassada e brega de heavy metal, nem pra ser funk”, brincou, arrancando mais risadas da plateia.

Já Fabio provocou: “Ouvi dizer que vocês gostam de agudo”, disse o tenor, constantemente conversando com os fãs na frente do palco. Ele até deu uma palhinha de uma ópera italiana e botou o público pra cantar junto com ele. O show foi um turbilhão de energia, com grande destaque para Marcelo Barbosa, guitarrista de Brasília que cumpre a árdua missão de substituir Kiko Loureiro enquanto o guitarrista toca com o Megadeth e o percussionista Dedé Reis que conferiu grande gingado brasileiro à apresentação.

O show só perdeu o pique perto do final quando Rafael assumiu o palco e tocou algumas baladas, o que quebrou o constante crescendo metaleiro até aquele momento. Além disso, ele assumiu os vocais em diversas canções, o que decepcionou um pouco os fãs: “Deixa o Fabio cantar!”, gritaram alguns pelo brasileiro não ter o alcance vocal do italiano.

Por fim, a banda encerrou o show com Nova Era e não cantou Carry On apesar dos pedidos insistentes dos fãs que até ficaram por mais alguns minutos na frente do palco com a esperança de que os músicos voltassem. Após o final, muito simpáticos, eles tiraram fotos e deram autógrafos e prometeram voltar em breve.

Antes do show, durante a passagem de som, em meio à correria nós conversamos com o baixista Felipe Andreoli e o guitarrista Marcelo Barbosa sobre a banda e a turnê. Confira a entrevista abaixo:

Primeira coisa: queria saber do repertório, como vocês estão fazendo esta turnê?

Felipe: É a turnê comemorativa dos 20 anos de Holy Land, estamos fazendo ele na íntegra em todos os shows, e um apanhado dos outros discos com ênfase no Secret Garden. Aí a gente acrescenta ou tira uma ou outra em cada show, sempre tentamos guardar uma surpresa entre um show e outro.

Essa pergunta é básica: 2015 foi um ano agitado, lançaram disco novo, terminaram a turnê dos 20 anos de Angel’s Cry e agora, estão conseguindo produzir material novo?

Felipe: a gente tá imaginando que vamos compor o novo disco no ano que vem ao mesmo tempo em que a banda completa 25 anos em outubro e também vamos fazer comemorações, então os planos para 2017 envolvem estas duas coisas.

E a turnê do Holy Land segue até o final do ano?

Felipe: Sim. Vamos agendar alguns shows em novembro e dezembro pra encerrar e já começar com novos planos no ano que vem.

 

Ela começou em abril?

Felipe: Na verdade não. A gente fez o Holy Land completo ano passado no ProgPower em Atlanta e daí surgiu a turnê depois e aí começamos no Brasil em abril e maio.

 

Essa ideia surgiu do sucesso da turnê no Angel’s Cry que rendeu até DVD?

Felipe: veio porque a gente recebeu esse convite do festival, eles perceberam que era os 20 anos do Holy Land e pediram pra gente fazer. Aí já que a gente já tinha o repertório todo tirado e o show em Atlanta foi muito bom, os produtores começaram a pedir esse show e a pedir datas e aí armamos a turnê dessa forma.

 

Mas daqui pra frente todos os discos vão fazer 20 anos…

Felipe: É uma tendência das bandas com mais de 20 anos conseguir intercalar um disco novo com uma turnê comemorativa ou algo assim e isso mantêm a banda ativa sem precisar ficar compondo tanto. O Angra é um grupo que não faz discos fáceis, são complexos, levam um tempo para serem feitos e é legal entre um disco e outro ter um tempo de descanso na composição pra ter ideias frescas e ir compondo dessa forma e fica bem interessante, mas não sei, por exemplo, se seria viável fazer uma turnê comemorativo do Fireworks

 

Você diria que este é o melhor momento do Angra em sua carreira? Atualmente a banda está com um enorme destaque internacional, com o Kiko no Megadeth, com o Fabio nos vocais. O Pellek, que é um grande yotuber norueguês gravou duas músicas de vocês, até arriscou cantar uma delas em português. Como você vê esse amadurecimento?

Felipe: Eu seria muito demagogo se dissesse que é o melhor momento total da banda. Estamos constantemente passando por renovações, mas certamente é o melhor momento interno na banda. Com o time que a gente montou e com a formação que a gente tem hoje a gente se sente muito confiante, temos uma relação excelente e temos muita vontade de fazer muita coisa, discos, e o que vier. Já o mercado é cada vez mais difícil e a gente tem que se adaptar para contornar os obstáculos. O Kiko no Megadeth, por exemplo, ao mesmo tempo que é muito legal, a gente vinha em um ritmo e aí quebra. Mas estamos superando todos estes obstáculos e neste sentido acho que é a melhor fase da banda, a gente não se abala por eles.

E em questões de agenda, o Fabio tem a Rhapsody of Fire, tá dando para encaixar?

Felipe: dá sim. O Fabio mora fora então fazemos os shows de forma bem compartimentada. Ele vem, a gente faz um número tal de datas e ele vai embora.

 

E rolaria uma dobradinha Angra/Rhapsody?

Marcelo: (risos) coitado do Fabio! Você quer acabar com o homem!

Felipe: Acho que ia ser muito pesado pra ele. Por nós não teria nenhum problema, mas tanto o Angra quanto o Rhapsody são bandas difíceis de cantar.

 

Vocês acham que a entrada dele influenciou de alguma forma no som da banda? Ele trouxe mais Power Metal com ele?

Felipe: Acho o contrário, acho que o Secret Garden foi o disco menos Power Metal da banda. Tem duas músicas e o resto é bem mais progressivo, experimental, músicas com tons bem mais graves, tem até uma com uma guitarra de quatro cordas. Acho que ele trouxe uma inflência sim, mas por esse lado progressivo, experimental.

E como vocês conheceram ele, foram se esbarrando em turnês ao longo dos anos?

Felipe: o Fabio é um nome que vem aparecendo em conversas da banda desde que o André (Matos, primeiro vocalista da banda) ameaçou sair da banda antes do Fireworks. Então sempre que um vocalista saía a gente pensava “e o Fabio? E o Fabio?”, mas ele veio cantar na banda quando fomos convidados pra tocar num cruzeiro, o 70.000 Tons of Metal, o Edu (Falaschi, segundo vocalista) tinha saído há seis meses e o próprio produtor, que sabia que a gente tava sem vocalista, sugeriu o Fabio. Deu tão certo que ele acabou ficando.

Até um mês atrás a discografia completa da banda não estava no Spotify…

Felipe e Marcelo: Agora está.

Tinha algum motivo que estava segurando isso?

Marcelo e Felipe se entreolham: Tinha sim.

Felipe: Não é que a gente não tinha vontade, claro, mas tínhamos assuntos burocráticos a ser resolvidos, não foi tudo resolvido, mas demos um jeito dos fãs terem acesso a essa discografia enquanto ainda vamos resolvendo isso.

No último Rock’n Rio vocês não ficaram no palco principal e muitos fãs ficaram furiosos com isso. Por que rolou isso?

Felipe: O Rock’n Rio tem um política em que eles possuem um palco das bandas nacionais e das misturas. Quem nos convidou foi a Mônica Cavalera e ela era curadora desse palco e o palco Mundo tinha uma curadoria e uma pegada completamente diferente.

Marcelo: é importante diferenciar também que o Rock’n Rio é um festival que engloba tanto Metal e lado B quanto bandas mainstream, diferente de um festival de Metal. Se fosse um festival de Metal, o Angra normalmente estaria fechando alguma noite. Quem fechou o Mundo naquele dia?

Felipe: Slipknot.

Marcelo: Então, não dá pra comparar.

Celebrando estes 25 anos de carreira, dá pra falar que o metal amadureceu no Brasil?

Felipe: Cara, eu acho que mudou tão pouco… desde que eu sou fã, que comecei a ouvir metal com 11, 12 anos, a mentalidade é exatamente a mesma, mas como as pessoas têm mais voz, nós temos um feedback maior da galera sobre o que estamos fazendo, mas infelizmente é uma forma de pensar muito mais desagregadora do que agregadora. Muitos fãs se comportam como se torcessem para times de futebol.

Marcelo: A única diferença que eu sinto é que nos últimos dez anos, com o dólar que tinha abaixado e tudo mais, hoje temos muito mais shows de Metal do que quando eu era moleque… Na época tinha o Rock’n Rio e talvez alguma outra coisa menor. Eu moro em Brasília. Quando vinha alguma banda, era só Rio e São Paulo, agora tem show lá todo ano, então quem curte possui mais opções.