Crítica

Death Note: tudo de errado em uma adaptação

Adaptação cinematográfica significa adaptar uma narrativa de outro formato ou mídia para um roteiro cinematográfico…

Adaptação cinematográfica significa adaptar uma narrativa de outro formato ou mídia para um roteiro cinematográfico padrão. Porém, muita coisa pode acabar perdida nesta tradução. É o caso do recém lançado Death Note, da Netflix, filme em versão americana baseado no anime e mangá japonês de mesmo nome.

Em toda adaptação, localizações, modificações e concessões são esperadas, mas o caso do novo Death Note é quase tão crasso quanto o de Ghost in the Shell, lançado no primeiro semestre. As versões americanas não são bons filmes por si só e não se sustentam; se comparadas ao material original, elas se tornam verdadeiros desastres de grande orçamento.

Death Note conta a história de Light Turner (Nat Wolff), um inteligente e extrovertido adolescente de Seattle que encontra um caderno sobrenatural. O objeto possui um poder macabro: todo nome escrito em suas páginas irá morrer, mas para isso acontecer Light precisa escrever o nome tendo em mente o rosto da sua vítima, entre outras dezenas de regras.

O caderno lhe foi dado por Ryuk (Willem Dafoe), um shinigami, um deus da morte que estava entediado e resolveu disseminar o caos na Terra usando o caderno sinistro. Logo, Light percebe que pode fazer mais do que vinganças mesquinhas e embarca em uma jornada para se tornar Kira, uma espécie de deus da vingança, que quer limpar o mundo de criminosos e pessoas ruins.

Assinando os seus assassinatos e criando um padrão, Kira chama a atenção de L, o excêntrico maior detetive do mundo, que dá início a um jogo de gato e rato.

O bom

Na batida de trem que é esta versão de Death Note, três coisas se destacam como sendo boas e duas são atuações. O L deste filme está excelente e grande parte disso não é graças ao roteiro e sim à atuação de Lakeith Stanfield.

O ator de CORRA! se entregou ao papel e ao comportamento inquieto e estranho do detetive. Mais pro final do filme, a trama descaracteriza L (e todos os outros personagens), mas até nestes momentos Stanfield consegue entregar um L convincente.

Vale mencionar que, com 1h40 de filme, todos os personagens nesta adaptação são muito unidimensionais, então Stanfield ganha pontos extras por conseguir adicionar algum sal à L em um mar de mediocridade.

A outra boa atuação é a de Willem Dafoe como Ryuk. O ator veterano novamente surpreende, me lembrando sua encarnação do Duende Verde em Homem-Aranha (2002): não há papel ruim para um grande ator.

Tendo apenas sua voz como material de atuação, as poucas cenas em que Ryuk aparece são facilmente as melhores do filme. Ele consegue fazer com que o shinigami seja traiçoeiro e assustador usando apenas a sua voz e isso é uma habilidade e tanto.

Mais ainda quando a produção optou por manter o monstro constantemente nas sombras ou em segundo plano. Dessa forma, a voz de Dafoe tem trabalho dobrado de se impor como algo aterrorizante e de outro mundo.

Por fim, temos o diretor Adam Wingard. Ele fez algumas escolhas estranhas no filme, notavelmente a trilha sonora que fica cada vez pior conforme o filme passa, mas que começa bem, com uma série de sintetizadores.

Mas fora isso, por tomadas e cortes fora da caixa, transições legais e outras invencionices estéticas, fica claro muito rápido que o diretor estava tentando botar um pouco de tempero e uma refeição bem sem sal. Por sua direção, fica visível quão esquelético era o material que ele tinha pra trabalhar e como ele se esforçou para engordar um pouco o resultado final.

O ruim

Há chances consideráveis deste filme enterrar a carreira do iniciante Nat Wolff. Além de entregar uma atuação macarrônica e, em dados momentos, amadora, Wolff ainda teve que lidar com um personagem péssimo.

Death Note terá grande capacidade de irritar e ultrajar fãs do material original com muito mais força e propriedade do que Ghost in the Shell. Especialmente porque o personagem título, Light/Kira, não tem nada, repito, nada a ver com o da versão original.

O Light japonês é um gênio e um psicopata que vê em Kira e no seu poder a possibilidade megalomaníaca de se tornar um deus e estabelecer uma nova ordem mundial. Nem por um segundo você pensa no protagonista como herói ou torce por ele.

Na versão do Netflix, Light é um adolescente comum, um pouquinho acima da média, e há uma tentativa constante do roteiro em justificar os seus atos ou senão de passar a sua responsabilidade para outros personagens.

Mia, vivida por Margaret Qualley, é outro desastre de adaptação. A fã número 1 de Kira que possui seus próprios planos para o Death Note é substituída nesta versão, literalmente, pelo clichê da líder de torcida atraente. Na verdade, Light apresenta o Death Note pra ela como uma forma de conquistá-la (?) e depois a personagem manifesta muito mais traços do Kira original do que Light.

A tudo isso se junta um roteiro muito ruim que se dedica quase integralmente no drama de casal entre Mia e Light. Parece que a Netflix não sacou o que fez Death Note um sucesso em primeiro lugar.

O veredito

Tanto o anime quanto o mangá atraíram as pessoas por apresentar uma tradicional história de detetive, uma disputa entre Sherlock e Moriarty com toques e reviravoltas de terror sobrenatural. Nada, de novo, nada disso está aqui: este Death Note é basicamente um filme adolescente bobo com um romancezinho ainda mais bobo e que por acaso tem Willem Dafoe e um caderno da morte nele.

Por sorte, a Netflix possui o anime em seu catálogo. Se você achou a premissa interessante, ignore completamente o filme americano e vá direto para o original.