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Evangelion completa 20 anos

Os desenhos animados de mecas (ou mechas), conhecidos como robôs gigantes, são dos mais populares…

Os desenhos animados de mecas (ou mechas), conhecidos como robôs gigantes, são dos mais populares do Japão a ponto de virar quase uma marca registrada ao se pensar a cultura pop do país, bem ao lado dos kaijus, os monstros gigantes, como Godzilla. São tantos animes de meca que apenas alguns acabam sendo lançados no Ocidente, como a série Gundam e Macross (Guerra das Galáxias). O dia 27 de março de 1996 marca a estreia do episódio final de Neon Genesis Evangelion, um anime de apenas 26 episódios que virou um divisor de águas do gênero nos anos 1990. Sob uma roupagem de robôs gigantes, a série era muito mais que isso ao ponto que as lutas de robô viraram quase um detalhe decorativo.

Profundamente pessimista, experimental e existencialista, a série gastava seu tempo discutindo filosofia e se aprofundando em simbologia cristã e temas como a alma, a morte e a vida eterna. Não é à toa que ela logo foi elevada a clássico cult e se tornou um sucesso mesmo no Brasil em que muita gente só ouvia falar dos episódios através de revistas especializadas ou baixando ilegalmente os episódios através de internet lenta e programas hoje em dia arcaicos como o Kazaa.

A trama se passa 15 anos depois que um cataclisma conhecido como Segundo Impacto quase destruiu a Terra. Para impedir o fim do mundo, uma agência governamental japonesa chamada NERV recruta três crianças que são as únicas capazes de pilotar robôs gigantes conhecidos como EVAs. Eles são as únicas armas contra a força alienígena que ameaça destruir o mundo: monstros misteriosos conhecidos como Anjos. O enredo se desenvolve especialmente ao redor de Shinji Ikari, um adolescente que além de enfrentar vários problemas emocionais e familiares também sobre de depressão profunda. Como se as coisas já não fossem ruins, ele é arrastado para tudo isso e obrigado a pilotar um EVA porque ele é o único capaz disso.

Na NERV, ele conhece e desenvolve relações com as outras duas crianças: Rei Ayanami, uma garota de cabelo azul que parece sofrer de uma estranha apatia e a nipo-alemã Asuka Langley que também sofre de problemas emocionais e mentais, sendo sua principal característica a necessidade de ser a melhor em tudo para esconder sua profunda insegurança. Ao contrário da maior parte dos animes, estrelados por heróis naturais, Evangelion tinha protagonistas quebrados, deprimidos e suicidas. Muito disso tem a ver com seu criador, Hideaki Anno. Ele escreveu a série como forma de ele mesmo superar uma profunda crise de depressão e como resultado a série é até hoje conhecida por retratar de forma inteligente pessoas que sofrem de depressão e outras doenças mentais.

 

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Pedro Lobato e sua coleção

 

O advogado Pedro Lobato é um dos que ficou sabendo do anime por revistas e recorreu aos primeiros torrents para matar a curiosidade: “Eu conheci Evangelion quando era garoto, uns 13 anos (2003), e eu comprava em bancas de jornal algumas revistinhas que falavam de animações japonesas. Herói, Ultra Jovem, revistas do tipo. Foi em revistas do gênero que eu fiquei sabendo de vários animes e mangás de sucesso, mas que nós não tinhamos acesso no país. Nessa época estava começando a despontar os downloads p2p e eu tentei baixar todos os episódios de Evangelion pelo Kazaa. Eu assisti tudo em uma resolução extremamente baixa. O player do vídeo ficava com uns 6cm de comprimento por 6cm de largura, pra voce ter ideia”.

 

Mais tarde, a série foi refeita em forma de mangá, se aprofundando mais na trama, e aí Lobato colecionou os gibis: “Com o tempo eu também estava crescendo e comecei a absorver mais do que a série tinha a oferecer, as nuances psicológicas dos personagens, os simbolismos religiosos, a complexa narrativa. E o fato de o mangá ter um andamento diferente do anime me empolgava porque eu sabia que aquela mídia me daria mais ‘respostas’, digamos assim, sobre as grandes questões que circundavam a série”.

 

A diretora de arte Carolina Carvalho também ficou sabendo por revistas e levou um bom tempo até poder assistir: “o primeiro contato que eu tive com Evangelion foi a partir de uma entrevista do dublador Fábio Lucindo para a revista Herói, em que ele falava sobre Evangelion. Sempre fiquei super curiosa para assistir”. Seu primeiro contato real acabou sendo pelo mangá e por uma história um tanto trágica: “Um dia eu estava na aula, no ensino fundamental, e um colega meu, que era especialmente tímido, de repente me entregou o mangá. Este meu amigo me levou outro volume no dia seguinte…. eu li e devolvi. Retornei no outro dia, com a esperança de levar outro volume, mas meu amigo chegou cabisbaixo, dizendo que o pai dele tinha rasgado todos os volumes dele”. Meses depois, o garoto cometeu suicídio.

 

“Foi o primeiro amigo meu que morreu…”, conta Carolina, “e de alguma forma, isso ficou pra sempre marcado pra mim como relacionado a Evangelion. Fui finalmente assistir quando adolescente. E todos os anos eu reassistia. E passei a ‘evangelizar pessoas'”. Por formação, ela é psicóloga, o que só aumenta seu fascínio pela história: “Evangelion simplesmente faz parte de mim. Eu tenho uma grande empatia por todos os personagens, como se conseguisse sentir tudo o que eles sentem. Neste sentido, acredito que a direção do anime foi impecável”.

 

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Carolina Carvalho e suas miniaturas

 

Lobato conta que ficou movido pela abordagem profundamente psicológica da série: “em relação a questão da depressão/doença mental, acho que isso é um pedaço importante da história de Evangelion. Primeiro porque temas como esses aproximam demais os personagens com a fragilidade do ser humano real né. Veja, o próprio protagonista sofre de depressão. Não apenas ele, mas a Asuka mostra sinais de depressão e histeria paranóide em alguns momentos da série, entre outros personagens adultos que se mostram bastante humanos, com questionamentos e dilemas morais reais”.

 

Já o analista de conteúdo Rafael Rigues entrou em contato com a série através de fitas piratas de amigos: “eu assistia em encontros aos sábados no Museu da Imagem e do Som em Curitiba. Acho que em 1997, eu ia com amigos da faculdade. As fitas eram cópias das cópias, mas foi o suficiente pra chamar a atenção. Eu estava redescobrindo o anime na época, e foi uma das primeiras séries que me fisgou”. A pegada mais adulta imediatamente conquistou Rigues, então com 19 anos: “A ação e o visual foram a primeira coisa, claro, mas com o desenrolar da série as intrigas e mistérios começaram a prender a atenção. Não era aquela coisa preto no branco dos animes antigos, ‘vamos salvar o mundo’ e pronto”.

 

Um dos pontos mais polêmicos da série é seu final: o final original foi tão controverso que apenas um ano depois o criador lançou um filme, The End of Evangelion (1997), mudando-o. Como se isso não fosse o bastante, o final do mangá também é diferente. A partir de 2007, ele começou a refazer a série toda em quatro filmes (Rebuild of Evangelion) dos quais 3 já foram lançados e que já são completamente diferentes da série original. Ou seja, quando o quarto filme sair, será mais um final diferente. Rigues está entre os que ficaram perdidos com o final original: “Acho que eu não estava preparado para o final original, é uma coisa muito introspectiva, mas pra mim é o que vale. Uma coisa que me incomoda é que o Hideaki Anno tem síndrome de George Lucas, e cada vez que toca em EVA muda a história. E você nunca sabe qual vale”.

 

Rebuild

Rebuild of Evangelion é uma tetralogia de filmes que reconta toda a história da série animada e do gibi

 

A opinião sobre os finais é bem controversa mesmo. Dos fãs que conversamos, cada um prefere um. Já Carolina gosta mais do segundo final, o do filme de 97: “Os remakes são legais, mas o The End pra mim é melhor”. E pra fechar, Lobato gosta do caminho dos remakes: ” Eu gostei (e gosto, já que o último filme da série ainda não foi lançado) demais de Rebuild of Evangelion porque, primeiro, é um anime completamente novo, com uma animação atualizada e extremamente maravilhosa (não que a antiga fosse feia, mas a série atual obviamente é mais moderna) e, segundo, mais lenha na fogueira pros fãs da franquia. então no momento eu realmente só to maluco esperando o final de Rebuild pra poder juntar os finais e poder decidir o que pensar (risos)”.

 

De qualquer forma, ao longo de 20 anos, a série já rendeu US$ 1.32 bilhão. O último filme lançado foi Rebuild of Evangelion 3.0 – You Can (Not) Redo, lançado no Japão em 2012 e que só estreou nos Ocidente em fevereiro deste ano. O quarto e último filme, que supostamente trará um final definitivo para a coisa toda, ainda não possui nome oficial nem previsão de lançamento. Enquanto isso, infelizmente a melhor fonte para assistir à série original continua sendo os downloads ilegais, mas dois dos remakes foram lançados no Brasil em DVD. O mangá também acaba de terminar uma republicação pela editora JBC.