Crítica

Godless: um faroeste imperdível

O faroeste é um gênero cinematográfico cada vez mais raro e há seus motivos para…

O faroeste é um gênero cinematográfico cada vez mais raro e há seus motivos para isso: uma certa saturação nos anos 1960, por exemplo, além de um custo de produção sempre proibitivo. Sendo assim, quando alguém se aventura a explorar o velho oeste, a história precisa valer a pena.

Este é o caso de Godless, minissérie da Netflix que bebe da fonte dos clássicos, com direito a chapéu preto, Pinkertons, duelo e galopar em direção ao horizonte. Seus sete episódios possuem uma história fechada e um elenco estelar com Jeff Daniels, Sam Waterston e Michelle Dockery.

Escrita e dirigida inteiramente por Scott Frank, conhecido por ser o roteirista do excelente Logan e de Minority Report, a trama acompanha a desavença entre dois fora-da-lei de alto calibre: Frank Griffin (Jeff Daniels) e Roy Goode (Jack O’Connell).

Após um confronto inicial em que ambos ficam extremamente feridos, Goode vai parar na pacata cidade mineira de La Belle, habitada praticamente apenas por viúvas, crianças e velhos desde que uma explosão na mina matou quase todos os homens da cidade.

Por lá ele vai parar no rancho de Alice Fletcher (Michelle Dockery), uma rancheira durona e persona non grata na vila. Enquanto convalesce, Frank revira céus e terra em busca de Goode, prometendo linchar qualquer um que lhe der abrigo. Está armado o cenário para um confronto inevitável e devastador.

O bom

Godless é faroeste até os ossos: ele estabelece logo cedo a trama central do conflito entre Goode e Griffin e leva o seu tempo expandido de sete episódios para esclarecê-lo aos poucos ao mesmo tempo em que desenvolve seus personagens.

Em sua trama central, ninguém tenta reinventar a roda ou se aprofundar demais: Griffin é o clássico vilão de alma negra e motivações deturpadas de tantos bang-bangs assim como Goode faz o bom-ladrão virtuoso a caminho da redenção.

Jack O’Connell como Roy Goode, o bom-ladrão

O que faz a série tão boa é todo o resto e o fato de ter este espaço e sete episódios para se deixar expandir. O que ajuda demais nesta missão é seu elenco de atores e de personagens. Há muita gente interessante com quem se envolver aqui.

Temos o xerife Bill McNue (Scott McNairy) ainda lutando com o luto pela morte da sua esposa e que está ficando secretamente cego; temos Whitey Win (Thomas Brodie-Sangster) seu delegado, um jovenzinho rápido no gatilho que mal pode esperar para matar alguns bandidos; Mary-Agnes (Merritt Wever), a primeira-dama da cidade que lentamente está descobrindo a líder que existe dentro de si ao mesmo tempo em que vive um amor homossexual proibido.

Quase todos os personagens de La Belle possuem uma personalidade e uma história que são reveladas ao longo dos episódios e é difícil não se envolver e preocupar com elas sabendo que o terrível vilão mais cedo ou mais tarde virá acertar as contas.

Jeff Daniels espetacular como o vilão Frank Griffin

Jeff Daniels, inclusive, faz um trabalho espetacular como Griffin. É um vilão visceral, inteligente e profundamente perturbador. O ator consegue transmitir perfeitamente a aura de falsa calmaria e de imprevisibilidade do personagem.

Michelle Dockery também está incrível como Alice. A personagem é durona, fechada e rápida no gatilho. Embora todo o faroeste tenha uma tradição de rancheiras duronas, Dockery faz com que Alice seja uma adição digna e é facilmente uma das personagens mais envolventes.

Por fim, Merritt Wever é incrível como a prefeita Mary-Agnes, uma das personagens mais marcantes e legais do seriado que decide nunca mais depender de um homem para cuidar da sua vida e da sua cidade, custe o que custar.

Vale ressaltar que tecnicamente Godless é um primor com uma fotografia belíssima, ótimos efeitos especiais e cenas de ação. A série é entrecortada por flashbacks que contam muito da história e eles são sempre interessantes por brincarem com a paleta de cor: eles tendem a ser quase sempre em preto e branco, mas com elementos marcantes coloridos, como um vestido amarelo ou as manchas de sangue em uma roupa. É muito bonito de se ver.

O ruim

Um dos maiores problemas de Godless é que a minissérie foi vendida com uma falsa premissa. Se você viu o trailer ou qualquer material publicitário, você deve pensar “ah, é aquela série sobre uma cidade de mulheres”. Isso é mentira.

A história é e sempre foi sobre Griffin e Goode. A cidade de La Belle e suas mulheres possuem sim sua importância, mas nada que interfira no conflito central da trama. Os problemas da cidade, como a aquisição agressiva da mina e outras querelas, nunca ocupam o primeiro plano da trama, funcionando muito mais como um cenário para tudo o que está acontecendo.

Podia ser em qualquer cidadezinha, mas acontece que é em uma que só tem mulheres. Este fator é mais interessante pelos personagens e suas relações, mas isto é tudo subtrama, menores e paralelos em relação ao problema central. Então se for esperando uma minissérie sobre as mulheres de La Belle, vai ficar decepcionado.

Scott McNairy como o xerife Bill McNue

Há muitos elementos e personagens que mesmo com os sete episódios não são tão bem explorados quanto se gostaria e tramas que ficam subdesenvolvidas. Havia, claramente, material para muito mais, mas a série não vai adiante.

O ritmo inicial deixa a desejar: os dois primeiros episódios são bastante sem graça em relação ao que vem depois, o que pode barrar muita gente de insistir em ver no que vai dar.

O veredito

Godless é um excelente faroeste. A minissérie comete seus deslizes e pode não agradar a todos, mas possui todos os elementos clássicos de um bom bang-bang com ótimos personagens, incríveis cenas de ação e uma bela fotografia.

Seu ritmo e alguns dos seus personagens e premissas são subaproveitados, mas no final das contas o que mais faz falta é saber que não teremos mais: a pior parte é quando acaba.