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Lançado há 20 anos, ‘Shrek’ teve um caminho espinhoso até o sucesso

Um ogro como herói romântico e a a falta de um príncipe tradicional não foram…

Lançado há 20 anos, ‘Shrek’ teve um caminho espinhoso até o sucesso
(Foto: Divulgação)

Um ogro como herói romântico e a a falta de um príncipe tradicional não foram os únicos obstáculos enfrentados por “Shrek”, a grande aposta do recém-formado estúdio “DreamWorks” em 2001. O filme teve um vai e vem de produtores e diretores, um dos principais papéis teve de ser reformulado e a tecnologia foi um desafio para que os personagens transmitissem os sentimentos necessários. Na verdade, o projeto era visto quase como uma “geladeira” entre entre os funcionários do estúdio.

— Ser designado para ‘Shrek’ era como ir para a Sibéria — lembra a codiretora Vicky Jenson.

Mas quando o filme foi lançado nos EUA, em 18 de maio de 2001 (chegaria ao Brasil em junho), imediatamente assumiu a liderança nas bilheterias, recebeu aclamação da crítica e se tornou o primeiro ganhador do Oscar de melhor animação. Vinte anos depois, “Shrek” ainda é um conto de fadas excêntrico e amado, com personagens e piadas que se tornaram parte da cultura pop, alcançando a novas gerações de fãs.

— Não tínhamos realmente a noção de que seria grande — admite Jenson. — Havia alguns vislumbres, quando alguém comentava “uau, acho que nunca vimos isso antes”, ou “isso é muito engraçado” ou “comovente”.

Estrelas na dublagem

Dirigido por Jenson e Andrew Adamson, o filme é baseado em um livro infantil de William Steig. A sinopse fala sobre um ogro irritado e isolado, que parte em uma jornada épica com seu ajudante Burro, depois que seu pântano é tomado. Sua busca envolve um acordo com um senhor tirânico: resgatar uma princesa, Fiona, com quem o nobre quer se casar, e em troca, Shrek pode ter sua casa de volta.

Uma das chaves para o sucesso do filme foi o trabalho de voz cômico inesquecível feito por um elenco que incluía Mike Myers (Shrek), Eddie Murphy (Burro) e Cameron Diaz (Fiona).

O visual do filme também era surpreendente. Mesmo que a DreamWorks tivesse experiência com animação por computador, graças a “Formiguinhaz” (1998), os desafios de alcance e escala de “Shrek” eram outros. O cenário mágico do filme exige uma renderização complexa, especialmente se a Fiona quisesse se mover com elegância. Esse e outros elementos, como a pele de burro, foram avanços tecnológicos. Na época, o supervisor de efeitos visuais de “Shrek” referiu-se a “um nível de complexidade nunca feito antes”.

Em seus primeiros anos, “Shrek” passou por alguns produtores e cineastas, incluindo Kelly Asbury, que saiu para co-dirigir outro projeto da DreamWorks. Jenson se juntou a “Shrek” em 1997, chegando finalmente a diretora. (Spielberg comprou os direitos do livro que inspirou o filme em 1991 e a produção começou em 1995)

Myers assume após morte de ator

O elenco ainda era um problema quando ela assumiu o cargo. Diaz e Murphy estavam a bordo, mas o personagem-título era uma dúvida. Chris Farley, estrela do  “Saturday Night Live”, foi originalmente escalado e gravou muitas de suas falas antes de morrer, aos 33 anos, em dezembro de 1997.

Jenson e boa parte da equipe eram grandes fãs de “SNL” e pensaram logo em Mike Myers como substituto.

— Foi difícil convencer o estúdio porque ele ainda estava surgindo, não era o grande nome que é hoje — diz ela. (Myers não respondeu aos pedidos de entrevista; Murphy e Diaz se recusaram a comentar para este artigo.)

Enquanto isso, os diretores e a equipe de história trabalhavam, inspirados em filmes como “A princesa prometida”. Os roteiristas merecem o crédito de boa parte do humor ousado pelo qual o filme é conhecido, mas os atores também tiveram espaço para improvisar. Myers deu a Shrek um sotaque escocês que lembrava o de seu pai e trouxe muitas das citações mais memoráveis do filme, incluindo “Melhor fora do que dentro”, após os arrotos de ogro.

— Depois de ter gravado tudo, Mike Myers quis testar uma performance vocal diferente, e foi tão bem-sucedido que Katzenberg (um dos chefes da Dreamworks) decidiu regravar tudo. — diz Rossio. No final, complementa, havia mais de 5 mil páginas em seu disco rígido para um roteiro final de 85 páginas.

Primeiro Oscar de animação

O filme competiu no Festival de Cannes antes de seu lançamento nos cinemas americanos. Estrou em primeiro lugar nos EUA e faturou quase US$ 500 milhões em todo o mundo, com um orçamento de produção de US$ 60 milhões. “Shrek” foi amplamente elogiado pela crítica e acabou ganhando o primeiro Oscar de melhor longa-metragem de animação, derrotando “Monstros S/A”, da Pixar

A própria Jenson só entendeu o sucesso de “Shrek” quando estava jantando em um restaurante japonês em North Hollywood e ouviu duas pessoas comentando: “Você viu ‘Shrek’?”, “Não, não, eu não vejo filmes infantis”, “Não, não, não é para crianças. Você tem que ir ver.”

O sucesso do filme se estendeu para outras áreas, como a música. “All Star”, do Smash Mouth, foi um sucesso dois anos antes, mas “Shrek” deu-lhe uma nova vida, enquanto a versão de “I’m a Believer”, dos Monkees, subiu para o 15º lugar na Billboard. Jenson se lembra de músicos da banda dizendo  anos depois: “Todo mundo pede para tocar essa música. Eu não sei se te abraço ou te odeio.”

O filme teve ainda várias sequências e desdobramentos, como uma atração num parque temático, um show da Broadway e uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood.

Shrek se tornou um personagem-assinatura da DreamWorks, diz Jerry Beck, um historiador da animação, e inspirou o tipo de filmes que o estúdio faria dali para frente: histórias inusitadas que, ao contrário dos contos de fadas da Disney, tinham mais um toque especial.

— Posso me identificar com o Shrek, fico daquele jeito quando acordo cedo — diz Beck — Acho que muita gente se identifica. O filme serve a um duplo propósito, tirando sarro da vida, mas também dessas histórias que todos nós conhecemos.

Quinto Shrek?

Além disso, sua interpretação do amor verdadeiro, auto-aceitação, identidade e amizade, ao mesmo tempo que resiste ao típico tema da donzela em perigo, influenciou as gerações seguintes. Hoje, é difícil percorrer as mídias sociais sem passar por memes de “Shrek”, que se tornaram uma linguagem própria. O ogro serve de exemplo quando uma pessoa se apaixona por alguém pela sua personalidade.

Um quinto filme está supostamente em desenvolvimento e, para comemorar seu 20º aniversário, a Universal Pictures está lançando uma edição especial em Blu-ray e outros formatos este mês.

Um cineasta, Grant Duffrin, até começou um Shrekfest anual. Tudo começou como uma piada da internet em 2014, mas desde então Shrekheads de todo o mundo têm se reunido anualmente em Madison, Wisconsin, embora o evento do ano passado tenha sido virtual.

Uma das principais metáforas do filme, “Ogros são como cebolas”, também pode refletir as camadas de significado que os fãs descobriram na narrativa. Ainda há discussões online sobre se o filme é um comentário sobre gentrificação ou racismo. Mas mesmo em sua superfície, “Shrek” captura a essência de amizades improváveis e romance não superficial, fazendo com que seu final feliz sempre pareça triunfante.

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