Lançamento

O rock rural cosmopolita do Indústria Orgânica

Tem guitarra, mas também tem bandolim. Tem piano e trombone, mas volta e meia aparece…

Tem guitarra, mas também tem bandolim. Tem piano e trombone, mas volta e meia aparece uma viola caipira. As letras têm pamonha, têm amor, e tem quem argumente que ambos são a mesma coisa. O disco de estreia do Indústria Orgânica ainda nem foi lançado oficialmente, mas o grupo já passou pelos palcos de festivais como o Bananada, Monstro Rocks, Go Rock, Goiânia Noise, Música Consciente e Do Brejo Festival.

O grupo é formado pelo casal Luciana Clímaco (vocal) e Gregory Carvalho (guitarra e vocal), Zé Junqueira (bateria e vocal), Luiz Fernando Clímaco (guitarra) e Carlos Foca (baixo). Com canções dançantes e em português, o álbum mostra o que é rock goiano ao pé da letra, criando uma combinação divertida de ritmos fortes e zumbidos de guitarra com uma pegada que não deixa o cerrado para trás.

Até mesmo a arte da capa, criada pelos artistas Mateus Dutra e Danillo Itty, teve como referência a Serra dos Pirineus. Para toda essa personalidade, a banda autodenomina “rock rural cosmopolita”. Não há por quê discordar.

Leia nossa entrevista com o guitarrista e vocalista Gregory Carvalho:

Mais Goiás: Como foi o processo de surgimento da banda?
Gregory Carvalho: Zé e eu tivemos uma outra banda, a OLHODEPEIXE, que parou em 2008. Luciana (a vocalista) e eu nos casamos, tivemos nossa primeira filha e eu acabei dando um tempo. Mas logo comecei a escrever umas coisas pra Luciana cantar, para que cantássemos em dueto. O Zé chegou em seguida, fazendo bateria, ajudando a definir as levadas, as estruturas e inserindo uma terceira voz. O guitarrista, que é irmão da vocalista. Luiz Fernando Clímaco, veio depois, quando eu já tinha praticamente todas as músicas que entraram no disco. Por último chegou o Carlos Foca, que já tocava com o Luiz Clímaco no Umbando e, junto, ele trouxe uns arranjos que nos deixaram bastante felizes. Tínhamos uma banda.

MG: Pelo nome da banda, imagino que a mistura do rock com elementos interioranos sempre foi uma vontade de vocês. O tema regionalista está presente não só nos instrumentos, mas nas letras das canções também. Por que vocês acharam importante seguir esse caminho e o que isso representa para vocês?
GC: Acredito que é grande a influência do guitarrista Luiz Fernando Clímaco. Ele não faz exatamente música caipira no Umbando ou mesmo no Sertão, tampouco na Pedra 70, mas a mão dele pesa na caracterização de certos elementos; é pesquisador de ritmos regionais e cultura popular, é familiarizado com a viola e seu universo, conhece as afinações e levadas, enfim, o cara saca.

Quando comecei a trabalhar nas músicas da Indústria eu só pensava em me distanciar do que havia feito com a OLHODEPEIXE. Luciana e eu estávamos ouvindo muito alguns dos primeiros discos do Paul McCartney, incluindo o Wild Life do Wings, bastante Quinteto Violado, especialmente o primeiro, homônimo, que tem uma incrível e polêmica capa, e pensávamos em fazer um som mais pra cima ritmicamente e que tivesse guitarras cheias de efeitos e também viola caipira. Nos distanciamos bastante do que havia sido idealizado. Essas coisas acabaram sendo misturadas influenciando nas composições e com a chegada do guitarrista Luiz Clímaco o trem “disandô” no bom sentido. A viola é um elemento que entra em apenas duas canções do disco e tal. E as guitarras não são cheias de efeitos assim. Mas foi para melhor, acredito.

O lance do vocal feminino também era um desejo. Acho que é determinante para a estruturação do estilo, da identidade do trabalho. O timbre e naturalidade da vocalista Luciana Clímaco, as influências que ela traz de outras escolas musicais, como a do samba de raiz e da música brasileira acaba dando uma cara singular para as músicas escancarando, talvez, a fração de música popular brasileira que existe na Indústria Orgânica.

Acho importante a gente ter nossa própria onda, nossos próprios maneirismos, algo latente na nova geração, nessa galera que está fazendo arte em Goiás. Sempre acreditei nisso, nessa necessidade de “invenção de moda”. E a gente já deixou para trás a reprodução. Agora somos referência. Exportamos arte. E acho que foi porque aprendemos, ou estamos em processo de, a cantar nossa aldeia. Goiânia vive um momento muito rico, apesar de toda a onda errada em volta. Não sei se há um regionalismo assim tão visível na Indústria Orgânica. Eu vejo como algo muito misturado. Tem uma “trenhêra” diluída ali. As músicas saíram do mesmo forno. Mas é a soma dos integrantes que dá realmente cara a cada uma delas. Mas procuro não me esquecer de onde vim. Se isso aprece na música, tá tudo muito bem.

MG: Qual é a proposta desse rock rural cosmopolita na cena nacional, e mesmo entre as bandas goianas?
GC: Não sei se existe qualquer lacuna. Mas a gente não fez planos para ocupar um espaço específico, entende? Seria pretensioso. Tem muita gente muito boa fazendo música em Goiânia. E o nível de profissionalismo anda junto com a qualidade dos trabalhos. A gente não sabe bem. Mas estamos seguindo um caminho possível para um bando de macaco véio que têm outras obrigações; algumas não tão nobres quanto fazer música. A ideia inicial era dar vida às canções. Acabou virando banda. Depois o plano era fazer alguns shows. Virou disco. Agora a missão é divulgar, tocar, fazer com que as músicas alcancem o maior número de gente possível. Tipo papo de jogador de futebol: o objetivo é alcançar os três pontos positivos (risos). E aos poucos vai virando: o disco virtual está nas principais plataformas, a distribuição física segue através da Tratore. Só falta o povo ficar sabendo (risos).

MG: Quem é o(a) letrista do grupo? Ou é um trabalho coletivo?
GC: [As letras] São minhas.

MG: Como foi o processo de dar à luz esse álbum e quanto tempo ele levou pra ficar pronto? Ele foi gravado em Pirenópolis mesmo ou só a produção é de lá?
GC: Reforço dizendo que o disco é quase que totalmente inspirado nas minhas filhas, nas gravidezes da Luciana e, especialmente na minha primeira filha, a quem o disco é dedicado como forma de eternizar o amor por ela e dar um grito plutônico de saudade. A exceção fica por conta de “Bastião”, que é uma instrumental e “Histórias de abismos” e “Na última eleição pra síndico”, que tratam outros temas.

A expressão dar à luz é muito apropriada (risos). O disco foi bancado via lei de incentivo à cultura e começamos a gravar antes mesmo de captar os recursos. Mas ele foi feito em um ano. Gravamos bateria e baixo no começo de 2015. Demos um tempo para captação de recursos e para que Luciana parisse a nossa terceira filha. Retomamos uns dois meses depois e, a partir daí, fomos fazendo de acordo com a agenda de cada um.

Indústria Orgânica foi gravado em Pirenópolis e além da produção do Gustavo Vazquez, que assim como eu descende de família natural da cidade, contou com a participação do trombonista e também conterrâneo Gilmar Gomes, que gravou na instrumental “Bastião” e do produtor e multi-instrumentista Henrique Reis, que gravou piano na faixa Ode à preguiça. O disco já está, como mencionado antes, disponível e a gente tá divulgando, vendendo, presenteando. Mas o lançamento oficial deve acontecer no início de julho.

MG: Quais outras bandas e músicos vocês veem como maiores influências no som de vocês neste momento?
GC: Acho que a primeira grande influência, que não é necessariamente musical, é essa molecada que se mexe tão extraordinariamente bem hoje em dia. Claro, falo das bandas goianas, dos artistas daqui. O desejo que dialogar, de vivenciar esse importante momento dessa arte que fervilha no caldo dos festivais, das leis de incentivo – que ainda é menos do que a obrigação desse Estado que tira mais do que acrescenta – e de uma geração que pensa diferente dos Joões Campos da vida.

Cada um carrega uma mala de influências, claro. E isso é determinante para a caracterização do som. O papel do Zé foi crucial na estruturação e na definição do estilo de cada música, pois a abrangência da sua visão musical e versatilidade como baterista levaram as canções a lugares que as composições originais não haviam apontado. O Foca, baixista, que chegou por último e cuidou dos arranjos de baixo separadamente trouxe muita personalidade e botou as músicas pra cima; embelezou a parada com as suas influências, que são bem particulares. E os irmãos Clímaco, cujas características eu já destaquei acima, também imprimiram suas influências no nosso som.

Na minha visão o disco carrega influências de Quinteto Violado, Wings, Clube da Esquina, Pink Floyd, Yes, Mars Volta, Mutantes, Rita Lee, Alice in Chains, Raul Seixas, Qeens of the Stone Age, Depeche Mode, Jack White, Jeff Beck e Eric Clapton. A lista iria longe (risos).

Você pode ouvir gratuitamente o álbum indústria orgânica completo pelo Spotify, iTunes, Google Play, Deezer, Bandcamp e Soundcloud.