Televisão

Os Defensores: indefensáveis

Expectativas são sempre um problema. Da mesma forma que Vingadores: A Era de Ultron decepcionou em…

Expectativas são sempre um problema. Da mesma forma que Vingadores: A Era de Ultron decepcionou em comparação ao filme anterior e anos de hype, Os Defensores nunca consegue realmente chegar lá, não entregando o clímax prometido após cinco temporadas com os heróis Marvel na Netflix.

Os oito episódios não chegam a ser propriamente ruins, mas não conseguem sair da mediocridade. Um roteiro fraco, esburacado e superficial é seu maior problema, mas que leva a outros como direção inconsistente, problemas de coreografia e até mesmo cenas mal-iluminadas.

Nem tudo deixa a desejar e a força do seriado está, novamente, em seus personagens, inclusive nos coadjuvantes. Infelizmente, no fim muita coisa acaba subaproveitada ou  mal-explorada.

O bom

Desde a primeira temporada de Demolidor nós esperamos a hesitante reunião entre os quatro heróis urbanos da Netflix. A trama da minissérie e seu objetivo é finalmente dar fim ao arco do Tentáculo, vilões que sequestraram inteiramente o enredo da primeira temporada de Punho de Ferro e pelo menos metade da segunda temporada de Demolidor.

Com exceção do Punho, que vê derrotar o Tentáculo como seu destino, nenhum dos outros heróis quer se envolver com o cartel de ninjas imortais, mas as circunstâncias – ou o destino – acaba obrigando os quatro a trabalhar juntos para derrotar os vilões e sua chefe, Alexandra, vivida por uma extremamente subaproveitada e no automático Sigourney Weaver.

Não é só isso, mas o Tentáculo trouxe de volta Elektra, agora a encarnação da arma suprema Céu Negro, quase uma versão ninja e acrobata do Exterminador do Futuro.

A melhor coisa da minissérie é, na verdade, ver o quanto sentimos falta de ver o Demolidor e Jessica Jones na televisão. Os dois personagens continuam excelentes e possuem os melhores e mais coerentes diálogos dos oito episódios – o que não é dizer muito.

Krysten Ritter e Charlie Cox se destacam como esses personagens que novamente vestem como uma luva. O Demolidor ao longo dos oito episódios parece finalmente vencer os seus demônios entre ser um advogado comum e ser um vigilante e Jessica está sempre lá para entregar piadas com ótimo timing além de também evoluir como personagem, percebendo a importância do seu trabalho.

Agora, Luke Cage e Danny Rand meio que só estão lá. O herói do Harlem é o mais deslocado, e parece que caiu de paraquedas na trama. Mike Colter, porém, entrega uma boa performance, mesmo com o personagem estando de modo geral fora do seu ambiente.

Já Finn Jones e o Punho de Ferro são outros quinhentos…

A série possui bons momentos de interação entre os quatro personagens, mas os braços corruptos do Tentáculo se espalham sobre tudo, inclusive sobre a diversão.

Vale mencionar as personagens Colleen Wing, Misty Knight e Claire. Além da sempre presente enfermeira vivida por Rosario Dawson, Wing, de Punho de Ferro, e Knight, de Luke Cage, possuem papéis grandes na minissérie e acabam fazendo muito mais do que alguns dos personagens principais *cof* Punho de Ferro *cof*.

O ruim

Grosso modo, todos sabem como contar uma história deve funcionar. Livros foram escritos sobre isso. Há o herói, sua hesitação, um impedimento, um conflito, etc. Até mesmo o Livro do Mestre de Dungeons & Dragons traz a jornada do herói detalhada e dicas de como criar uma boa história.

Os Defensores não falha exatamente neste quesito estrutural, mas é tão superficial, simplista, básico e à risca que toda a trama, central e paralela, se parece com uma aventura má escrita de D&D feita por um Mestre iniciante. O enredo da minissérie é tão superficial e mal-elaborado que beira o amador.

Veja bem, ninguém está falando de realismo. É uma minissérie de super-herói e todos estamos nessa pra ver Luke Cage jogar bandidos através de paredes enquanto solta uma frase de efeito. Mas o mínimo que se espera é verossimilhança: isto é, que os fatos narrados em cena sejam plausíveis de acordo ao menos com uma lógica interna.

Pense no Super-homem e como existe uma lógica interna para o personagem: seus poderes vem do sol, seu inabalável senso de justiça, etc, etc. Se o personagem rompe com isso, a história perde o sentido. Eis, inclusive, a grande polêmica sobre o final de O Homem de Aço.

Isso não acontece no roteiro de Os Defensores. A maior parte do tempo as coisas acontecem porque elas precisam acontecer para que o enredo avance. Em mais de um momento os personagens simplesmente estão no lugar certo na hora certa, além de ter buracos enormes. É preguiçoso na melhor das hipóteses e burro na pior.

E os diálogos! Oh meu Deus! Os diálogos! Fica claro muito rápido como a Marvel investiu pesado em retratar o Tentáculo como um inimigo sério e perigosíssimo. Porém quase o tempo todo em que os vilões estão em cena a audiência é punida com diálogos e monólogos extensos e vilanescos que tentam ser profundos, cheios de papos sobre a vida, o cosmos e a existência que fazem a coisa toda parecer um filme ruim de kung fu produzido em um galpão de Hong Kong em 1988.

Mesmo no finale, os diálogos finais entre os vilões e os heróis são dolorosamente ruins. Junto do roteiro péssimo, eles tentam obrigar situações que não fazem sentido. Um personagem precisa mudar de posição? Vamos gastar cinco minutos com um diálogo existencial e pronto, ele vai mudar tudo o que acreditava há cinco segundos atrás. Colocamos os heróis em um beco sem saída? Simples, vamos fingir que um deles serve de isca e os outros conseguem pegar os caras maus de surpresa, embora isso seja impossível. O roteiro faz mágicas assim o tempo todo.

E, por fim, temos o Punho de Ferro e o Tentáculo. A culpa provavelmente não é de Finn Jones, mas após a primeira temporada fraquíssima de Punho de FerroOs Defensores é quase uma segunda temporada igualmente ruim. O personagem continua péssimo e patético, inclusive sendo tirado e resgatado pelos outros heróis o tempo todo. Até mesmo sua sidekick, Colleen, tem mais participação – e impacto – na trama do que o Imortal Punho de Ferro.

Para os fãs de HQs e do personagem é doloroso ver que agora boa parte do grande público vai ver um grande herói Marvel como um menino mimado e um incompetente. Há também problemas técnicos: alguns episódios, especialmente os dois últimos, são mal editados, mal dirigidos e mal iluminados. Em dados momentos é impossível saber o que está acontecendo na tela.

O mesmo vale para o Tentáculo. Após dois anos pintando a organização criminosa como imbatível, a queda dos vilões é, novamente, medíocre, burra e mal escrita. Todos os chefes do Tentáculo, imortais e mestres em combate, encontram seu destino de maneiras estúpidas ao longo da minissérie. No final, além de ser extremamente anticlimático, os bandidos parecem muito mais os Três Patetas do que uma organização temível.

O veredito

Os Defensores conseguiu tomar o lugar de Punho de Ferro de pior série Marvel na Netflix. A minissérie é inchada, medíocre e mal escrita. Tudo o que se esperava dela não é entregue. O temível Tentáculo tem o impacto e o final dignos de um episódio de Power Rangers.

É possível sim se divertir assistindo, especialmente graças à Jessica Jones e ao Demolidor. Mas o que podia ser “Os Vingadores da televisão” é só uma bagunça que ao invés de oito episódios podia muito bem ter tido seis ou talvez até cinco. A única coisa realmente boa é que, quem sabe, a Marvel na Netflix nunca mais fale do Tentáculo: depois de três temporadas dessa enrolação para ter um final estúpido, acho que já deu.