Literatura

Um livro que não é livro

A Nega Lilu editora se prepara para lançar mais uma obra: Prepiscianas. A obra é…

A Nega Lilu editora se prepara para lançar mais uma obra: Prepiscianas. A obra é conceitual e experimental. Não é livro, não é HQ, não é zine. A obra é composta por várias lâminas de papel que mostram o diálogo de dez personagens mulheres através de um aplicativo de mensagem instantânea, como o WhatsApp ou o Telegram. Através destes diálogos, o leitor é convidado a montar e interpretar a narrativa, a investigar, ligando os pontos e desvendando a vida de cada uma das personagens. A obra é uma co-autoria de Larissa Mundim, criadora da editora e escritora veterana de Sem Palavras, Agora eu te amo e Operação Kamikaze, e da advogada, atriz e autora estreante Carol Schmid. O projeto será o primeiro auto-financiado da editora, sem ser publicado via edital e testando as águas da impressão por demanda.

“O Carlos Sena, nosso produtor gráfico, ele foi a pessoa que me falou pela primeira vez o que é a impressão por demanda. Levei o Sem Palavras pra ele em 2014 e ele disse ‘quantos desse você fez?’ e eu disse que foi mil porque a lei exige. Aí ele disse que isso é coisa dos editais, mas que se a gente trabalha em uma proposta de um grande grupo você pode trabalhar com menos que isso. Na época eu ainda pensava ‘se fiz tudo isso, um trabalho complicado de edição, vou fazer só 200? E depois vou ter que fazer mais?'”, conta Larissa Mundim. Sena plantou a semente, mas a ideia de testar algo 100% independente foi amadurecendo com o tempo. A ideia ganhou corpo após uma visita à Feira Plana, maior evento de arte e publicações independentes do Brasil: “Outra influência que sofri foi em visita à Feira Plana, em janeiro, lá em São Paulo, mas antes eu já havia conhecido a Bia Bittencourt que é a pessoa que elaborou a ideia e executa a feira e ela veio à Goiânia pela Fake Fake Ilustraciones. Ela conheceu o trabalho da editora e eu falei pra ela sobre o nosso desejo de criar alternativas para a circulação da obra. Ela disse que eu precisava migrar para um território completamente independente para ser viabilizado à despeito de tudo, algo punk mesmo, talvez asim essa ideia pudesse se consolidar. Aí na Plana eu vi lá pessoas saírem com urgência para fazer mais tiragem. A Garota Siririca da Lovelove6, eu nunca tive a oportunidade de ter um exemplar porque a Gabriela fez 500 e acabou imediatamente, mas aí ela fez um print de mais 500 pra Plana que também se esgotou. Então, essa possibilidade de auto financiamento a partir de uma pequena tiragem da venda, custeio e pequeno lucro ou re-investimento chamou a minha atenção e me deu o desejo de experimentar a produção independente. Nada desconectado do que a gente tava fazendo, só uma evolução natural”.

 

O novo projeto também veio da vontade de não ficar parada e de testar algo novo: “Como meu próximo livro, que é o Faz RS, deve sair só no final do ano e à despeito da editora ter quatro livros para ser publicados antes dele, fiquei com vontade de fazer alguma coisa pro primeiro semeste. Não tinha mais nenhuma linha escrita e isso me cutucava um pouco. Vi nessa parceria criativa com a Carol uma ótima oportunidade. O Prepiscianas abre uma trilha para uma nova linha de experimentos editoriais que eu estou chamando de experimentos gráfico-literários. Não são livros, não são HQs, não são zines, mas são dessa família. É um desejo meu de produzir um projeto gráfico, editorial que fosse desclassificado que não fosse formalmente rotulado que as pessoas não possam dizer que ele é o que ele é”.

 

Porém, você não vai encontrar o nome de Larissa e Carol na capa, e sim de Leris e Kshmira, pseudônimos das duas. Por dentro, são dez retratos das Prepiscianas desenvolvidos com exclusividade para o projeto pelo artista Vinícius Vargas. São a mistura da foto de três pessoas que compõem a imagem de uma outra, híbrida. Não existe ordem de leitura: “A gente quer que o leitor se aproprie realmente do projeto. Ele pode colocar na ordem em que ele quiser, fazer a ligação que quiser para os diálogos. Algumas personagens se repetem, a Lúcia tem quatro diálogos, você pode quase ver uma linha narrativa dela através desse trabalho investigativo”, conta Carol.

prepiscianas

As autoras

Sobre os pseudônimos, Mundim conta que queria criar uma persona diferente para o experimento: “Larissa Mundim é autora dos livros de ficção e aí Prepiscianas são férias, é fazer algo divertido pra sair dos livros de ficção, é fazer um experimento descontraído e quis criar uma persona aí assinei como Leris pra não misturar as coisas, mas pra não fazer segredo”. Já Carol, meio que só entrou na brincadeira: “Eu não tenho livro de ficção publicado, mas pensei, se ela vai ter um pseudônimo, resolvi criar também e fez algo em cima do meu nome, Kshmira tem o ‘shmi’ nele”.

 

A parceria das duas surgiu a partir da conversas, quase algo de fã e mentor, com exceção do fato de que Larissa se tornou fã de Carol na mesma medida em que Carol já admirava Larissa. Carol conta: “Olha, eu conheci a Larissa através do Mina Escriba que é um coletivo de mulheres escritoras do qual eu faço parte. Ele existe há nove meses mais ou menos, ministramos algumas oficinas de escrita coletiva, umas poucas, umas quatro ou cinco. A primeira atitude do coletivo foi procurar a Larissa porque ela é referência e aí a gente começou a se aproximar. Fiz um vídeo também o Hoje eu Recebi Flores em que eu interpreto uma mulher vítima de violência doméstica e aí a Larissa veio conversar comigo sobre esse vídeo e conversamos sobre vários projetos e aí surgiu Prepiscianas. Isso foi em novembro do ano passado”.

 

Em termos de formato, Larissa explica que escolher as mensagens instantâneas foi apenas uma extensão do livro inteiramente escrito em emails que foi Sem Palavras: “Se você for olhar a trajetória do meu trabalho ele já começa com uma narrativa construída no ciberespaço. Aí eu venho em um exercício de síntese. Quando fiz o Agora eu Te Amo, eu saio efetivamente de 320 páginas para 144, criando um romance que é construído em cima do desejo de um discurso mais rápido”. Além disso, a autora é fascinada pelo meio semiótico da comunicação mediada pelo ciberespaço e pela cibercultura: “O Prepiscianas é apenas um passo adiante nesse processo enquanto produção literária da observação da forma como as pessoas se comunicam hoje que contempla a Comunicação como cultura. Quem convive com outras pessoas numa relação mediada por aplicativos vai desenvolvendo códigos de comunicação. É a comunicação cada vez mais urgente e muito intuitiva”.

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Diva, um dos retratos criados por Vargas

Carol conta que a construção das personagens, algo que às vezes é turbulento mesmo para autores solo, foi tranquila entre as duas. Uma anedota é que a imaginação de cada uma deu características particulares às personagens. Então, quando chegou a hora de escolher os retratos criados por Vargas, houve controvérsia: “a gente já tinha criado as personagens e os diálogos, mas não tínhamos os rostos para elas. Aí quando chegaram os retratos, eu tinha uma imagem na cabeça e a Larissa outra para algumas personagens. Foi muito divertido! Eu tinha uma Lúcia e a Larissa outra Lúcia. A Diva foi uma que foi unanimidade, a gente bateu o olho e soubemos: essa é a Diva! Foi um processo que a gente identificava essas personagens por coisas nada a ver”, conta Carol. Mas a narrativa das duas não se limita aos diálogos e às personagens: cada conversa possui um fundo de dela que diz muito sobre quem fala e com quem se fala. Outra informação importante são os horários em cada postagem. Todo mundo que usa um aplicativo desses sabe quando a outra pessoa se importa e quando você está sendo sumariamente ignorado, levando um gelo ou quando o outro está irritado. Tudo isso fica aberto à interpretação do leitor.

Sobre porque as protagonistas são mulheres, Carol é categórica: “Todas são mulheres porque mulheres são tão mais interessantes quando se vai trabalhar Literatura… Acho que foi uma construção natural, a gente não cogitou em nenhum momento fazer protagonistas masculinos. A questão nem chegou a passar por nossa cabeça”. Larissa elabora: “A Carol, a partir do Mina Escriba, é muito mais envolvida em um ambiente feminista do que eu, embora eu também esteja inserida nesse contexto. Quando começamos a conversar a gente passou a falar do papel da mulher na Literatura e de empoderamento feminino o tempo inteiro”. Param Larissa, essa construção é uma forma de quebrar um paradigma estabelecido na Arte, no Cinema e na Literatura: “O perfil da Literatura brasileira é dominado por autores homens, brancos e heteros e os principais personagens são homens, brancos e heteros. A missão nossa no mínimo é bagunçar um pouco as coisas e ampliar a paridade”.

Como tudo está aberto à interpretação, isso também vale para o título que é um neologismo criado pelas duas: “É um curinga. Ontem eu estava triste andando pela rua, vi uma prepisciana e agora estou feliz. Ah, fui diagnosticada com prepisciana e agora vou precisar tomar remédio. É uma palavra que você põe onde quiser. Preciso tomar três prepiscianas geladas hoje”, explica Carol. Outro detalhe importante é que o livro é o volume 1: “A gente gostou tanto de fazer isso que não vamos admitir parar no primeiro, queremos volume 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7″, disse Carol. Larissa é mais contida: Pra fazer, o meu coração tem que pedir, mas a Carol tá pronta. Pra ela, a gente pode fazer a qualquer momento (risos)”.

 

SERVIÇO
Lançamento: Prepiscianas – vol. 1
18 de maio (quarta), 19h
Onde: Espaço Culturama (Avenida T-8 com a Mutirão, Setor Bueno)
Bate-papo, passa o rodo + food truck
Entrada franca
Preço da publicação: R$ 20,00