Crítica

Warcraft: aventura com dois toques de nostalgia

Me lembro como se fosse hoje. Foi em uma tarde de 2003. Eu e meus…

Me lembro como se fosse hoje. Foi em uma tarde de 2003. Eu e meus amigos, incluindo meu vizinho e melhor amigo, o Pedro, fomos para uma há muito fechada lan house na Praça Tamandaré, uma das únicas três que existiam na cidade. Entediados de jogar Counter-Strike, abrimos por curiosidade um outro título: Warcraft III – Reign of Chaos. Dali em diante, é difícil lembrar quando nós jogamos outra coisa. O ano foi muito significativo: a Fantasia havia acabado de sair do armário e estava na crista da onda: Harry Potter era um sucesso absoluto e O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei ia entrar pra história vencendo 11 Oscars. Jogar Warcraft é uma experiência envolvente que acumula fãs fiéis há 20 anos. Aí estava o maior desafio de Warcraft – O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos: como agradar tanto quem cresceu com os jogos e quem nunca ouviu falar neles ao mesmo tempo?

Para tentar resolver este problema, a Blizzard Entertainment e a Legendary Pictures colocaram a bronca nas mãos de um fã: o diretor Duncan Jones. O processo de levar Warcraft para telona se arrasta desde 2006, encabeçado por Sam Raimi, então colhendo os louros do sucesso esmagador de Homem-Aranha 1 e 2. Anos se passaram até Raimi abandonar o projeto definitivamente e Jones assumir no final de 2011 após fazer seus dois primeiros filmes (Lunar de 2009 e Contra o Tempo, de 2011). Expectativas estavam altas: poderia este filme finalmente romper a sina das adaptações ruins de video game, maldição que nem mesmo a toda-poderosa Disney conseguiu romper com Príncipe da Pérsia?

A resposta vai depender do referencial. Como fã e após um temporal de críticas ruins e péssimas nos EUA, eu esperava um filme muito ruim. Medíocre em alguns pontos, o filme acerta em cheio em outros. Warcraft é uma aventura muito divertida, com um enredo simples e superficial, mas decente para o que se propõe, com efeitos especiais de ponta e uma direção de arte espetacular. Mas vamos por partes. A trama do filme acompanha a invasão dos orcs de Draenor em Azeroth liderados pelo bruxo Gul’dan (Daniel Wu) que usa magia negra conhecida como Vileza para controlar e fortalecer seus compatriotas. Entre eles está o clã Lobos de Gelo e seu chefe Durotan (Toby Kebbell), seu segundo em comando Orgrim Martelo da Perdição (Rob Kazinsky) e sua esposa grávida Draka (Anna Galvin).

Draenor está morrendo e os orcs precisam de um novo lar, mas conforme os invasores destróem e pilham Azeroth, Durotan passa a ter dúvidas da legitimidade e transparência das intenções de Gul’dan. Em contrapartida, o cavaleiro Anduin Lothar (Travis Fimmel) é o responsável por tentar organizar a defesa dos humanos de Azeroth contra os invasores. Logo, ele e Durotan encontram um impasse: botar as suas diferenças de lado e tentar a paz ou seguir cegamente as regras e permitir um banho de sangue?

A ponte entre eles é a meio-orc e meio-humana Garona (Paula Patton), uma das personagens mais fortes da trama. Os personagens acabam fazendo alguma diferença porque o enredo como um todo é apenas uma série de clichês completamente previsíveis em que uma ação acontece logo após à outra com a regularidade de um pêndulo. É uma receita testada e batida, sim, mas você não vê as pessoas reclamando quando a Marvel ou os X-men fazem exatamente a mesma coisa: as pessoas estão ali pela aventura, não pela profundidade do roteiro.

E nisto, Warcraft acerta em cheio. A ação é muito boa e fluida e os orcs são espetaculares. Os efeitos especiais de última geração surpreendentemente se mesclam bem com os efeitos, personagens e cenários práticos e nunca se tornam saturados ou incômodos como em O Hobbit, por exemplo, ou em Vingadores – Era de Ultron em que às vezes parecia que o CGI era a estrela do filme. A melhor parte dos efeitos com a ação se junta nos orcs: eles são grandes, pesados e extremamente detalhados. Embora o CGI não seja um problema, mais efeitos práticos não matariam ninguém e Mad Max: Estrada da Fúria, nos mostrou o quanto eles podem fazer falta. Nas cenas de combate, Jones conseguiu passar visualmente o desespero dos humanos ao serem emboscados por criaturas estranhas maiores, mais fortes e mais assustadoras.

Para tanto, ele deu primor técnico aos orcs: embora eles sejam muito realistas, há algo de sobrehumano e inumano neles, em seu peso, movimentação e sons. Durante os combates, isso ficou claro no cinema. A cada golpe de um orc – pesado, barulhento, com um estrondo de impacto – pessoas no cinema se contraíam ou gemiam ou comentavam (ai, que dor!). Um único problema neste ponto é que o filme talvez tenha muita ação e pouco desenvolvimento: uma grande sequência às vezes parece se emendar à outra separadas apenas por um corte seco, sem dar ao expectador tempo de respirar e de absorver parte das informações. Mais cortes e um ritmo mais equilibrado teriam feito bem ao filme.

Voltando a falar em efeitos especiais, Warcraft é um forte candidato a prêmios técnicos. É a melhor mistura de CGI com efeitos práticos desde Avatar e os anos de tecnologia entre eles se fez sentir: os Na’Vi parecem bonecos azuis perto dos orcs. A qualidade de expressão das criaturas é tão realista que chega a ser perturbador, uma evolução muito grande desde o Gollum de Andy Serkis em 2002. Os efeitos acabam se combinando organicamente com outro desafio do filme: a estética de Warcraft. São 20 anos de game design e arte conceitual a ser levado em consideração e Jones se saiu muito bem nesse departamento. A direção de arte do filme é impecável, mesclando algumas assinaturas do jogo (armaduras com ombreiras gigantes) com adaptações e toques próprios (como tons mais escuros e formatos mais anatômicos de outras peças). O resultado é quase uma adaptação ao pé da letra, como se a arte cartunesca da Blizzard e suas cores vivas tivessem ganhado vida. Como não poderia faltar, há algumas referências diretas aos video games que são rápidas e geniais, breves piscadelas que vão arrancar risadas dos jogadores na plateia.

Da mesma forma como o roteiro é raso como uma folha de papel, as atuações também deixam a desejar. Travis Fimmel está no automático, reprisando uma versão menos maníaca de Ragnar Lodbrok, seu personagem no seriado Vikings. Em sua defesa, Anduin Lothar não possuía muita profundidade mesmo, mas Fimmel parece nem tentar. Pior ainda é Dominic Cooper como o rei Llane Wrynn, completamente esquecível. Com uma certa surpresa, os atores que tiveram que atuar usando captura de movimento conseguem ser muito mais expressivos e convincentes do que os que não precisaram. Dos humanos, apenas Ruth Negga, Paula Patton e Ben Foster chamam a atenção. Negga interpreta a rainha, Lady Taria, mas possui poucas falas e tempo de tela, o que é um pecado. Paula Patton como a mestiça Garona tinha que convencer a audiência que era meio-orc sem uma tonelada de efeitos especiais, e conseguiu. Já a atuação mais estranha e cômica é de Ben Foster como o mago Medivh. Acredito que ele deveria passar uma aura sábia e ameaçadora, mas na verdade Foster parece um velho hippie de rua alterado do último porre, o que tira toda a gravidade do seu personagem, com uma atuação tão forçada e canastrona que beira o ridículo.

De longe, o melhor ator de Warcraft é Daniel Wu como Gul’dan. O ator acumula acertos no filme se expressando com sua voz e com seu movimento melhor do que os outros, conseguindo conferir um carisma e um terror real ao bruxo da Horda. O Durotan de Tobby Kebbell e Draka de Anna Galvin ficam logo atrás. Suas atuações são convincentes e sentidas mesmo sob camadas de animação e efeitos, nunca parecendo um robozinho igual a Dominic Cooper. Por fim, o maior defeito do filme é um certo romance forçado goela abaixo do público durante a trama que é forçado de todas as maneiras imagináveis e que não tem a menor graça, é o ponto mais problemático do roteiro já bastante raso.

Enfim, Warcraft é um filme muito divertido, decente e competente em seus objetivos. Pipocão mesmo e sem vergonha de sê-lo. O erro de muita gente provavelmente era esperar algo que fosse redefinir o gênero, como um “novo Senhor dos Anéis”, mas ele nunca se propôs a isso. Seu roteiro é fraco e muitos dos seus atores deixam a desejar, mas isto é compensado com uma aventura pacote completo, com lutas e reviravoltas envolventes, por mais que sejam batidas. O que o filme realmente queria era trazer de volta a diversão leve e meio cômica que eu tive pela primeira vez em julho de 2003, e isso eles conseguiram.