Crítica

Westworld: segunda temporada entrega um mundo maior e trama mais complexa

A primeira e excelente temporada de Westworld terminou com um cliffhanger incrível e uma violência quase…

A primeira e excelente temporada de Westworld terminou com um cliffhanger incrível e uma violência quase catártica: Dolores (Evan Rachel Wood), a quem a audiência vira sofrer impotente por quase todos os episódios estava finalmente desperta e querendo vingança.

A segunda temporada trazia consigo não apenas grandes expectativas, mas muita promessa e muito risco: o que fora até ali um programa excelente podia facilmente rolar ladeira abaixo em direção a uma trama perigosamente próxima à de O Exterminador do Futuro, que até foi inovadora para 1984, mas que não daria certo para os anfitriões de Westworld.

Felizmente, a nova temporada evita algumas das arapucas mais óbvias, entregando uma narrativa mais complexa e arcos diversos, envolvendo um maior número de personagens e pontos de vista.  Isso não quer dizer que a série teve uma temporada perfeita: algumas armadilhas narrativas como os constantes flashbacks e o tempo fora de ordem, somadas à algumas derrapadas morro abaixo no melodrama testaram um pouco a paciência da audiência.

O bom

Sendo um drama carésimo produzido pela HBO além de ser o príncipe herdeiro de Game of ThronesWestworld descobriu cedo que a premissa simples de robôs revoltados e ficção-científica não seria o suficiente para segurar a trama e, mais ainda, o expectador.

Desde a primeira temporada a série já flertava superficialmente com temas filosóficos: “você já questionou a natureza do seu mundo?” e o próprio twist envolvendo Bernard e o Labirinto garantiram isso.

Evan Rachel Wood como Dolores (Reprodução/HBO)

Nos novos episódios, mesmo que ainda superficial, o roteiro cavou mais fundo nos temas filosóficos – talvez até fundo demais para o expectador comum. Mortalidade e liberdade estiveram principalmente no centro do palco.

Uma das melhores decisões desta temporada foi explorar o caos do parque através de arcos individuais dos personagens e em grupos separados. Ao longo dos dez episódios, pudemos acompanhar a história fechada de Maeve (Thandie Newton), do Homem de Preto (Ed Harris), Dolores e Bernard (Jeffrey Wright), além de um episódio especial sobre Akecheta (Zahn McClarnon).

Estes arcos individuais, acompanhados por uma boa dose de flashbacks, não apenas ajudaram a desenvolver seus personagens como a expandir significativamente a trama e a mitologia de Westworld: nos foram apresentados outros parques em mal-funcionamento, além de quem de fato foi James Delos e os reais planos escusos de sua companhia para o parque e para os anfitriões.

Talvez com a exceção do arco de Bernard, todos foram muito bem executados e não acredito que estou sozinho a dizer que o ponto alto da temporada foi a jornada de Maeve e o crescimento do seu poder sobre o software que comanda o parque. Somada a ela esteve o arco de Dolores, infelizmente um dos mais fracos, mas que pôde nos oferecer uma terrível jornada de heroína a quase vilã.

Jeffrey Wright como Bernard (Reprodução/HBO)

Tecnicamente a série continua impecável. A trilha sonora de Ramin Djawadi merece destaque especial por continuar excelente. No termo de atuações, enquanto Wright e Wood sofreram com papéis um tanto caricatos nessa temporada, Ed Harris e Sir Anthony Hopkins continuam estelares, roubando a cena sempre em que aparecem.

A narrativa também progrediu bastante bem. Apesar de percalços, a história de Westworld agora é maior, melhor e mais complexa do que quando terminamos a primeira temporada, deixando outra vez um amplo leque de possibilidades para novos episódios. Assim como a primeira, a segunda merece crédito por algumas reviravoltas excelentes, como a volta temporária de um certo personagem ou o seu impactante final.

Por fim, vale destacar a redução drástica de nudez na nova temporada. A primeira temporada foi acusada de ser um “pornô de tortura”, mesma acusação pela qual passou Game of Thrones. A série foi criticada por colocar suas personagens nuas e sofrendo sem nenhum motivo para isso, especialmente Dolores e Maeve.

Nos novos episódios, nenhuma das duas aparece completamente nua em nenhum momento, mesmo quando estão nuas, com o enquadramento se mantendo em seu rosto ou sua nudez sombreada. Tudo indica que a HBO acatou pelo menos algumas críticas.

Ruim

Evan Rachel Wood, ao lado de Sir Anthony Hopkins, era a melhor atriz em cena na primeira temporada. Isso não se repete aqui. Na sua jornada de quase vilã, a personagem permanece excelente, mas nem tanto a performance de Wood, que descamba para o caricato.

Em vários momentos a personagem, na pele de Wood, se deixa levar por monólogos maníacos dignos de vilão de James Bond e por um momento toda a dimensionalidade da personagem se perde. A atuação da atriz foi tão engessada nesses episódios que uma das teorias dos fãs era até a de que a personagem estava sendo controlada por Ford e que Dolores havia realmente morrido.

Outro problema é a linha do tempo bagunçada. Geralmente um ótimo recurso narrativo, contar uma história fora de ordem ajuda a complexificar o mistério, sem entregar tudo de bandeja como seria com uma trama linear.

Mas neste caso, a segunda temporada é apenas confusa. Existem várias linhas do tempo girando ao redor de duas principais, ancoradas em Bernard, e outras que são inseridas e se resolvem ao longo dos 10 episódios, sendo as mais óbvias os flashbacks.

Rodrigo Santoro: quase entra mudo e sai calado de novo (Reprodução/HBO)

O problema é que isto deixou a linha principal da trama um bocado confusa com tanto vem e vai (especialmente quando algumas linhas supostamente no passado se provaram ser no presente e vice-versa). Eu sei que a HBO queria preservar a surpresa além de acrescentar mais reviravoltas, mas o resultado ficou mais próximo de um baralho fora de ordem do que de um truque de mágica bem executado.

A questão final é a do dramalhão. Em dados momentos, tirando vantagem de suas reviravoltas e personagens complexos, a série tenta tirar um feedback emocional máximo dos seus atores, personagens e, é claro, do expectador.

O resultado são cenas que vão um pouco além do respeitável em melodrama, com direito a orquestra bombástica, tomadas do horizonte, slow motion e vozes sussurradas na tela preta. O que devia servir para a imersão de quem assiste funciona como um antídoto e tanto para arrancar o expectador da história ao perceber a chantagem emocional da coisa toda.

O veredito

Westworld conseguiu superar a sua primeira temporada com novos episódios melhores, ótimos personagens e uma trama maior e mais complexa do que o esperado. Tecnicamente incrível e com um bom roteiro, a série continua uma das melhores disponíveis.

Tão boa que consegue ofuscar seus problemas claros com alguns personagens, sua linha do tempo truncada e principalmente com seus momentos de drama além da conta. Enfim, Westworld continua indo muito além de uma simples ficção-científica e é sem dúvida um programa obrigatório de se acompanhar.