CONCLUSÃO

Apesar da pressão de Trump, agências de espionagem americanas acreditam que novo coronavírus não surgiu em laboratório chinês

As agências de espionagem americanas acreditam que o Sars-CoV-2, nome oficial do novo coronavírus, se…

Apesar da pressão de Trump, agências de espionagem americanas acreditam que novo coronavírus não surgiu em laboratório chinês
Presidente Donald Trump (reprodução/internet)

As agências de espionagem americanas acreditam que o Sars-CoV-2, nome oficial do novo coronavírus, se originou na China, mas que não foi criado pelo homem nem geneticamente modificado. É o que anunciou nesta quinta-feira o Escritório do Diretor de Inteligência Nacional (DNI, na sigla em inglês), que supervisiona as operações de espionagem de Washington. A conclusão vai ao encontro de estudos científicos do mês passado que já descartavam a hipótese de o vírus ter sido criado em laboratório.

“A comunidade de Inteligência também concorda com o amplo consenso científico de que o vírus da Covid-19 não foi fabricado pelo homem nem geneticamente modificado”, afirmou o DNI em comunicado, nesta quinta-feira.

O órgão acrescentou, porém, que as agências de espionagem dos EUA “continuarão examinando rigorosamente as informações e dados da inteligência para determinar se o surto começou através do contato com animais infectados ou foi o resultado de um acidente de laboratório em Wuhan“, cidade chinesa onde os primeiros casos da doença foram relatados, mas que vem retomando as atividades após dar alta a todos os pacientes.

Desde o início da pandemia, o presidente americano, Donald Trump, tem culpado a China pela disseminação do vírus. Há duas semanas, ele e outras autoridades do seu governo, como o secretário de Estado Mike Pompeo, vêm alimentando a teoria de que o novo coronavírus teria “escapado” do Instituto de Virologia de Wuhan, um laboratório de segurança máxima criado em 2004 com apoio da França que estuda vírus transmitidos de animais para humanos.

Segundo uma reportagem publicada nesta quinta-feira pelo New York Times, autoridades da Casa Branca têm pressionado as agências de espionagem dos EUA para procurar evidências que liguem o surgimento do Sars-CoV-2 ao instituto de Wuhan. De acordo com o jornal, analistas da inteligência americana temem que a pressão do governo distorça as avaliações sobre o vírus, e que isso possa ser usado como arma política contra a China

Acusações de republicanos

Os assessores de Trump e republicanos no Congresso tentam culpar a China pela pandemia, em parte para desviar as críticas ao desempenho do governo no combate à doença no país, o mais afetado pela Covid-19 até o momento, com mais de um milhão de casos e mais de 60 mil mortos. O secretário Pompeo, ex-diretor da CIA e um dos principais críticos do gigante asiático, assumiu a dianteira na pressão sobre as agências de inteligência, de acordo com o NYT.

Já o vice- conselheiro de Segurança Nacional Matthew Pottinger,que noticiou o surto de Sars quando era jornalista na China, pressiona as agências de inteligência desde janeiro para reunir dados que possam apoiar qualquer teoria que ligue a origem do vírus a um laboratório. E o encarregado de armas de destruição em massa no Conselho de Segurança Nacional, Anthony Ruggiero, expressou frustração durante uma videoconferência em janeiro pelo fato de a CIA ter sido incapaz de concluir qualquer hipótese sobre onde e como o vírus surgiu. Os analistas da agência responderam que simplesmente não tinham evidências para afirmar algo do tipo, segundo informaram fontes familiarizadas com a situação.

A avaliação da CIA foi baseada em parte no fato de que não havia sinais de que o surto viesse de um laboratório. Pequim também negou veementemente que o vírus tivesse escapado de algum centro de pesquisa chinês.

Cientistas e especialistas descartam origem em laboratório

Durante meses, cientistas, espiões e funcionários do governo americano elaboraram várias teorias sobre como a pandemia começou. Tanto os especialistas do governo quanto acadêmicos descartaram a hipótese de que ela tenha sido inventada como uma arma biológica. Eles concordam que o novo patógeno começou como um vírus de morcego que evoluiu naturalmente, provavelmente em outro mamífero, e se aperfeiçoou para infectar seres humanos.

Alguns especialistas veteranos em segurança nacional chegaram a apontar um histórico de acidentes de laboratório para sugerir que isso poderia ter acontecido no caso atual, mas muitos cientistas descartaram essa teoria. “Não acreditamos que qualquer tipo de cenário laboratorial seja plausível”, escreveram cinco cientistas em um artigo publicado em março na revista Nature Medicine.

Trump contra a China

Trump falou diversas vezes sobre as “investigações muito sérias” do governo sobre a origem do vírus e que a China era culpada pela pandemia. Essas investigações ganharam uma nova urgência no final de março, quando agentes da inteligência apresentaram informações à Casa Branca que levaram alguns funcionários de carreira a reconsiderar a teoria do laboratório. A natureza precisa das informações, baseada em parte nas comunicações interceptadas entre autoridades chinesas, não é clara.

Os atuais e ex-funcionários não disseram se Trump, que demonstrou pouca consideração por avaliações independentes dos agentes de inteligência e policiais federais, pressionou as agências de inteligência pessoalmente. Mas o presidente quer que qualquer informação que apoie a teoria do laboratório prepare o cenário para ele responsabilizar a China, disseram duas fontes ao New York Times.

Ele manifestou interesse em uma ideia apresentada por Michael Pillsbury, consultor informal sobre China na Casa Branca, de que Pequim poderia ser processada por danos, com os Estados Unidos buscando US $ 10 milhões por cada morte. Em uma entrevista coletiva nesta semana, Trump disse que o governo está discutindo uma reivindicação de reparação “muito substancial” contra o gigante asiático — uma ideia que Pequim já rebateu.

Ainda na linha de transferir responsabilidades para o gigante asiático, Trump afirmou em uma entrevista na última quarta-feira que a China também está fazendo o possível para que ele seja derrotado na disputa pela Casa Branca, em novembro, quando é candidato à reeleição.