BERÇO DO CORONAVÍRUS

Wuhan faz revisão e aumenta em 50% número de mortos em razão da Covid-19

Mais 1.290 mortes foram anunciadas, elevando o total de 2.579 para 3.869; Pequim diz que não acobertou a extensão real da doença

Wuhan, epicentro da covid-19 na China, não registra novos casos
Morador de Wuhan, na China ( Foto: NOEL CELIS / AFP)

A cidade chinesa de Wuhan, berço da pandemia de Covid-19, revisou nesta sexta-feira o número oficial de vítimas fatais em razão da doença, somando mais 1.290 mortes à contagem inicial, um aumento de 50%. A recontagem, que segundo as autoridades corrige “lapsos” na contagem dos casos no início da pandemia, veio em meio a questionamentos internacionais sobre os dados divulgados pela China e especulações de que poderia tê-los acobertado — algo que Pequim nega com veemência ter feito.

Com os dados retroativos recém-divulgados, o número total de mortos em decorrência da Covid-19 em Wuhan passou de 2.579 para 3.869. Isto fez com que o número de mortes registrado na China continental passasse de 3.346 para 4.636, um aumento de quase 40%. Apesar da inclusão dos óbitos ocorridos no início da epidemia, o país não registrou nenhuma nova morte em razão do coronavírus nas últimas 24 horas.

Em comunicado, o governo local disse que os novos dados devem-se majoritariamente a falhas de contabilização dos casos nos primeiros dias da epidemia, em meio à superlotação inicial dos hospitais e à escassez de testes na cidade na época, já que o surgimento de um vírus até então desconhecido exigiu a produção de testes de diagnóstico específicos. Houve atrasos, casos não computados e diagnóstico contados duas vezes, segundo o governo chinês. A correção levou em conta informações recebidas de fontes múltiplas, incluindo registros de funerárias e prisões — mortes fora dos hospitais, até então, não vinham sendo contabilizadas.

O número de casos em Wuhan também foi revisto e aumentado em 325, chegando a 59.333, sugerindo que diversas vítimas fatais chegaram a ser diagnosticadas com a doença, mas não tiveram suas mortes confirmadas. Os casos na cidade correspondem a 60% do total da China, que chega agora a 82.367. Após mais de dois meses sob quarentena, Wuhan, capital da província de Hubei, foi reaberta no início de abril.

Falta de transparência

A estatística foi atualizada em meio a especulações internacionais e internas sobre o número de mortos na cidade ser maior que aquele que vinha sendo anunciado. Também por causa dessas críticas, a China anunciou no final de março que passaria a incluir nas suas estatísticas os casos assintomáticos.

O governo de Xi Jinping, considerado o mais centralizador líder chinês desde Mao Tsé-tung (morto em 1976), vem buscando capitalizar em cima de seu sucesso no controle da pandemia, transformando-o em uma ferramenta de soft power e oferecendo auxílio técnico e financeiro a diversos países. Teme-se, no entanto, que isso ocorra às custas de um acobertamento da real extensão dos danos.

A subnotificação de casos da Covid-19 é um fenômeno global, já que a testagem em massa tem sido feita em poucos países, entre eles Coreia do Sul e Alemanha. Em parte, as especulações sobre a China derivam do fato de países ocidentais ricos — que são democracias, mas em alguns casos tiveram reações tardias ao novo coronavírus, como os Estados Unidos — terem registrado um maior número de infectados e mortos do que os chineses.

Em entrevista ao Financial Times, o presidente francês, Emmanuel Macron, acusou Pequim de falta de transparência, afirmando que “não podemos ser tão inocentes de acreditar que a China lidou tão melhor com isso”. O chanceler britânico, Dominc Raab, foi ainda mais longe, afirmando que os negócios com os chineses não podem voltar ao normal até que o governo central esclareça melhor como tratou da crise sanitária.

— Vocês realmente acreditam nos números deste país tão vasto chamado China, que eles tem um certo número de casos e um certo número de mortes. Alguém realmente acredita nisso? — disse também o presidente americano, Donald Trump, em entrevista coletiva na última quarta.

‘Sem acobertamentos’

Em resposta, o porta-voz da Chancelaria chinesa, Zhao Lijan, disse que por mais que tenha havido erros na coleta de dados durante os primeiros dias da pandemia, a China tem uma “responsabilidade com a História, com a população e com os mortos” de garantir que os números sejam corretos. Segundo Zhao, “nunca houve um acobertamento e nós não permitimos acobertamentos”.

Não é incomum que o número de casos e mortes seja revisado após autoridades realizarem testes retroativos ou reclassificarem os diagnósticos. As regiões de Madri e Catalunha, as duas mais afetadas pela Covid-19 na Espanha, revisaram nesta semana suas estatísticas, indicando que o número de mortos pela doença no país seria ao menos 42% maior que o atualmente divulgado, passando para mais de 27 mil.

As revisões devem-se a mudanças na metodologia de contagem, que foi alterada para incluir as mortes de idosos em asilos ou casas de repouso com sintomas da doença, mas que nunca foram testados. Com isso, as mortes na Catalunha praticamente dobrariam, ultrapassando 7 mil. Em Madri, passariam de 6,7 mil para mais de 11,5 mil.