Coluna do João Bosco Bittencourt

Pirenópolis: Justiça revoga decisão e trava votação do Plano Diretor

Tramitação do processo havia sido liberada na primeira infância instância

A disputa judicial se arrasta na Justiça e ganha novo capítulo agora. A tramitação do Plano Diretor de Pirenópolis, município a cerca de 130 km de Goiânia, está sub-júdice. Mandado de segurança impetrado pela vereadora Ynaê Siqueira (UB) suspendeu a votação da matéria na Câmara Municipal.

Em seguida, a juíza Renata Farias revogou a própria decisão que tinha barrado na Câmara de Vereadores a votação do novo Plano Diretor de Pirenópolis. Com a revogação, a matéria vai ser votada no legislativo pirenopolino e deve abrir caminho para novos empreendimentos imobiliários na cidade.

Agora, a tramitação está travada, de novo. A decisão pode ser contestada em recurso à 3ª Câmara Cível, composta por três desembargadores.

Histórico

Em 12 de janeiro, a vereadora protocolou na Câmara Municipal de Pirenópolis, os ofícios nº 01/2023 e 02/2023 dirigidos ao presidente da Câmara e ao presidente das Comissões Permanentes, requerendo a realização de audiência pública sobre a elaboração do Plano Diretor. Ela diz que não obteve resposta.

A vereadora ainda denunciou a ausência de anexos do projeto, que apenas eram citados no texto e não estavam apensos à matéria; alertou para ausência de estudos técnicos o que inviabilizariam a proposta.

Confira nota da vereadora:

Mesmo a Câmara Municipal não tendo realizado o devido processo legislativo, o projeto de lei completar 02/2022, foi colocado em pauta de ordem do dia, para ser votado em Plenário na data de 15/02/2023, às 18:30 na sede da Câmara Municipal de Pirenópolis.

O pedido para a realização das Audiências Públicas por parte da Vereadora se deu antes da decisão que concedeu o pedido de cumprimento de sentença nos autos da Ação Popular nº 0160527-85, com o objetivo de levar ao conhecimento da População de Pirenópolis o debate que se faz necessário e principalmente apresentar aos cidadãos todos os vícios contidos no procedimento até aquele momento, o que inclusive já havia sido encaminhado ao conhecimento do Juízo de primeiro grau.

Quando o projeto ainda estava na fase de propositura pelo Poder Executivo Municipal, a Vereadora apresentou o Pedido de cumprimento de sentença na Ação Popular nº 0160527-85 (nº 201501605270), mas infelizmente seu deferimento só ocorreu após as Audiências Públicas viciadas terem ocorrido e o Projeto ter sido encaminhado para a Câmara de Vereadores.

Após a decisão nos autos da Ação Popular nº 0160527-85 (nº 201501605270) que suspendeu a realização de qualquer audiência pública relacionada ao Plano Diretor de Pirenópolis, a Vereadora na noite de 13/02/2023 durante sessão plenária fez uso da palavra no expediente legislativo, alertando o Presidente da Câmara sobre os efeitos da decisão, e que a casa legislativa não poderia simplesmente ignorar a decisão judicial, e que o projeto deveria ser suspenso não podendo ser pautado para votação, considerando todos vícios tanto dos atos do Poder Executivo quando os do Poder legislativo.

Durante a discussão do recurso ao Projeto do Plano Diretor em pauta, a Vereadora com amparo regimental no art. 133, § 6º, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Pirenópolis, pediu que a matéria discutida fosse retirada de pauta, considerando a decisão judicial nos autos da Ação Popular nº 0160527-85 e todos os vícios relacionados ao projeto de lei completar 01/2022. O Presidente da Câmara contrariando o Regimento Interno, simplesmente ignorou o pedido que é direito garantido a Vereadora enquanto parlamentar.

A Vereadora então apresentou “Questão de Ordem” com amparo legal no art. 228 do RI, pela flagrante ilegalidade da atuação do Presidente em relação ao pedido supracitado e mais uma vez o Presidente ignorou a parlamentar.

Os vícios apontados na Ação Popular, bem como em seu Pedido de Cumprimento de Sentença, não foram sanados, o que gerou o Parecer Ministerial recomendando a suspenção das Audiência Públicas ainda no momento em que o Projeto do “Novo Plano Diretor” corria perante o Poder Executivo, levando assim ao deferimento o pedido da Vereadora na referida Ação!

Ato continuo, em razão de todas as irregularidades apresentadas não restou outra alternativa a Vereadora, em defesa de seu Direito Subjetivo como parlamentar daquele município, que acabou ingressando com Mandado de Segurança Nomodinâmico Preventivo, requerendo em sede de Tutela Antecipada – que impusesse ao Presidente da Câmara a obrigação de não-fazer, no sentido de não incluir na pauta do dia 15/02/2023, a deliberação o Projeto de Lei complementar nº 01/2022, da Revisão do Plano Diretor do Município de Pirenópolis.

A Juíza de Primeiro Grau DEFERIU o pedido de TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DE NATUREZA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARTE determinando que a Câmara de Vereadores promovesse o imediato cancelamento da deliberação do Projeto de Lei complementar nº 01/2022.

Interessante mencionar que dia 22/02/2022 o Município de Pirenópolis – que não era a parte Impetrada no Madamus, e sim a Câmara de Vereadores – interpôs Agravo de Instrumento buscando anular a Tutela Antecipada deferida.

O Desembargador Relator do Agravo de Instrumento indeferiu o pedido de liminar do Município de Pirenópolis que requeria a suspensão do pedido da decisão recorrida.

O processo seguiu seu trâmite normal até que no dia 04 de abril de 2023, às 16 horas, 22 minutos e 32 segundos, no último dia da Magistrada respondendo pela Comarca de Pirenópolis, a mesma proferiu sentença de mérito no Mandado de Segurança, bem como na Ação Popular e cassou todas as decisões liminares, tanto no Mandado de Segurança apresentado pela Vereadora Ynaê Siqueira Curado, como na Ação Popular Proposta pelo Advogado Doutor Thales Jayme, e executado pela própria Vereadora.

Importante salientar que em nenhum momento em sua decisão a Nobre Magistrada manifestou que os vícios apontados pela Vereadora tanto na Ação Popular quanto no presente Mandado de Segurança foram devidamente e definitivamente corrigidos/sanados!

Tomar uma decisão, de forma abrupta/repentina, em suas últimas horas respondendo como juíza na Comarca de Pirenópolis, em Ações de tamanho impacto (Financeiro, Urbanístico, Ambiental e Histórico), realmente levou a uma indignação de toda a comunidade Pirenopolina, sendo objeto de reportagem no âmbito nacional de grandes veículos de comunicação!

O IPHAN produziu uma nota técnica analisando a proposta do Novo Plano Diretor de Pirenópolis, apontando as convergências, alertas e divergências em relação às diretrizes de preservação do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico, Paisagístico e Histórico de Pirenópolis, conforme os valores culturais reconhecidos no processo de Tombamento e normativas da Portaria Regional nº 02/1995.

O documento tecnicamente é completo e robusto contendo 17 (dezessete) paginas com um parecer minucioso (https://sei.iphan.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?9LibXMqGnN7gSpLFOOgUQFziRouBJ5VnVL5b7-UrE5S8sJErwajmv6HDUrKRqaOph_nqf8yEDWRGxwiDzaj85CuAFYO8VcAVBn1Cma5JeChxB4WX9qyUha9iliAylkUO).

É fato que a nota técnica aponta diversos pontos positivos quanto ao Novo Plano Diretor de Pirenópolis. Contudo os pontos negativos – que impactam diretamente e talvez de forma irreversível sobre o Conjunto Arquitetônico, Urbanístico, Paisagístico e Histórico de Pirenópolis – se sobressaem em grande número aos pontos positivos.

Ao final, o IPHAN aponta 12 (doze) pontos o quais o Município de Pirenópolis e a Câmara Municipal deve revisar, adequar e reformular no projeto do Novo Plano Diretor.

Desta forma, não resta dúvidas que o projeto precisa ser suspenso principalmente para que haja a realização das audiências públicas – obrigatórias e não realizadas – no âmbito do Poder Legislativo, onde serão discutidas as recomendações trazidas pelo IPHAN.

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás também emitiu Nota Técnica apontando os vícios do Plano Diretor (https://www.caugo.gov.br/cau-go-alerta-para-risco-aos-patrimonios-historico-e-ambiental-em-pirenopolis-com-plano-diretor/).

Nesse sentido a sentença não realizou a verdadeira justiça, e, por acreditar que se tratar de sentença injusta, é que foi interposto um Recurso de Apelação para que a sentença seja REFORMADA em todo, com o devido pedido de Tutela Recursal, pedido ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás a suspensão dos efeitos da sentença de Primeiro Grau, para que assim os efeitos da decisão liminar fossem mantidos até o julgamento final do referido Recurso de Apelação.

O Mandado de Segurança se presta a garantir a segurança de um cidadão em face do erro ou abuso da autoridade, não para eximir alguma ilegalidade abstrata, ou, mais ainda, de projeto de Lei, mas sim um controle preventivo por vícios formais, sendo esse um direito da Parlamentar. A presente ação constitucional visou garantir o direito líquido e certo da Vereadora, de não ser obrigada a votar um projeto de Lei que seja manifestamente inconstitucional, violando o direito público subjetivo de um processo legislativo escorreito. É dessa forma a única possibilidade admitida pelo ordenamento de controle judicial preventivo de Constitucionalidade.

A referida proposta não segue o rito básico do devido processo legislativo e afronta diretamente à Constituição, tendo sido votada em primeira votação pelo Plenário após a sentença ora atacada, sem ter sido realizadas as Audiências Públicas pelo Casa Legislativa, sem ter sido devidamente apreciada por nenhuma Comissão e sem o necessário e aprofundado debate.

No ímpeto de realizar o trabalho de forma célere, visando atingir o desvio de finalidade abstrato, o Presidente da Câmara Municipal de Pirenópolis não respeitou o devido processo legislativo constitucional, sendo patentes as seguintes afrontas ao texto constitucional:

i) A Constituição, reconhecendo a complexidade da aprovação de um Plano Diretor, impede que se imprima o rito acelerado do mesmo. É a Constituição quem dá ao Plano Diretor natureza especial diante da complexidade e do impacto que seus textos trazem para a sociedade, conforme Art. 182, §§1º e 4º, nesse sentido o rito próprio que deve ser observado pelas Comissões da Casa de Leis, foi totalmente ignorado;

ii) com todo o acatamento, está-se diante de uma hipótese de desvio de finalidade legislativa desde o princípio da tramitação, pois inicialmente o Poder Executivo Municipal promoveu as audiências públicas sem apresentar o mínimo de documentação exigida, conforme foi constatado na Ação Popular nº 0160527-85 (nº 201501605270), cuja a Sentença e o Pedido de Cumprimento de Sentença vem sendo violados, bem como, agora com o pedido de realização de Audiências Públicas pelo Poder Legislativo (pedido formulado pela Recorrente que ocorreu antes do deferimento da Liminar na Ação Popular), e que está previsto em Lei Federal (Estatuto das Cidades), simplesmente foi ignorado pela Mesa Diretora, bem como, pelo Presidente da Câmara – aqui apontado como autoridade coatora Apelado; e

iii) os vícios apontados na Ação Popular nº 201501605270, bem como em seu Pedido de Cumprimento de Sentença não foram sanados!

A Mesa Diretora, através do seu Presidente, não entendeu, ou não quis entender a gravidade dos fatos apresentados pela Vereadora e deliberadamente assume o risco de aprovar um novo Plano Diretor desrespeitando uma decisão judicial, o que inclusive poderia invocar o que está estabelecido no art. 35, IV da Constituição Federal.

Dessa forma, as regras contidas na Constituição Federal, no Regimento Interno da Casa Legislativa, e nas demais Normas Federais aplicadas ao caso concreto, precisam funcionar como proteção contra os abusos que estão ocorrendo na elaboração desse diploma normativo (Novo Plano Diretor).

Com o advento da Sentença de 1° grau, rapidamente, no dia 10/04/2023 a Câmara Municipal de Pirenópolis, pautou para 1º votação em plenário do Projeto de Lei do novo Plano Diretor de Pirenópolis. A Vereadora Ynaê Siqueira Curado ao tomar ciência da pauta, pediu com amparo no art. 84 do Regimento Interno da Câmara Municipal, que os vereadores: Ana Abadia Feliciana Triers, Carlston Aurélio Rodrigues Aires e Floriano De Sousa Lobo, fossem afastados da votação, por terem interesse pessoal na deliberação do Projeto de Lei Complementar nº 001/2022.

O art. 84 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Pirenópolis é claro ao dispor:

Art. 84 O Vereador que tiver intense pessoal na deliberação da matéria não poderá votar, sob pena de nulidade de votação.
Parágrafo único. A presidência, constatando a ocorrência do disposto neste artigo, colocará à apreciação do Plenário e, se este opinar pelo acolhimento, o Vereador ficará isento da votação. (Grifo nosso)

A Vereadora Ana Abadia Feliciana Triers, é a mãe do Secretário de Meio Ambiente e Urbanismo, Sr. César Augusto Feliciano Triers. A pasta do secretário foi a responsável pela elaboração do Projeto de Lei Complementar nº 001/2022. Vale destacar que antes do Senhor César Augusto Feliciano Triers ser secretário, ele era advogado e tinha clientes com problemas de licenciamento ambiental e imobiliários no município, problemas esses, que serão resolvidos com a expansão urbana proposta no projeto de lei do novo plano diretor. E agora um dos votos para aprovação do projeto, é o da sua mãe, a Vereadora Ana Abadia Feliciana Triers.

O Vereador Carlston Aurélio Rodrigues Aires, é Servidor Efetivo da Prefeitura de Pirenópolis e está lotado na secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, subordinado ao Secretário César Augusto Feliciano Triers. O Vereador Carlston Aurélio Rodrigues Aires participou de toda a elaboração interna do Plano Diretor no Poder Executivo, defendendo a expansão urbana, de modo a atender os interesses particulares do secretário, e da Vereadora Ana Abadia Feliciana Triers, e agora no legislativo, um dos votos para aprovação do projeto, é o do Vereador Carlston Aurélio Rodrigues Aires, que por tudo narrado é incapaz de analisar o projeto de forma imparcial.

O Vereador Floriano de Sousa Lobo tem um cunhado com intenção de realizar um condomínio no município de Pirenópolis, na tentativa de conseguir a licença, a mesma sempre foi negada, visto que a área proposta se encontra na zona rural. O vereador Floriano é ex-secretario do município de Pirenópolis e há tempos acompanha essa situação do seu cunhado. Agora com as tentativas de se aprovar o novo plano diretor, a área do cunhado do Vereador Floriano De Sousa Lobo, foi incluída como área de outorga onerosa, que poderá ter a alteração de uso de solo mediante contrapartida ao município.

Mesmo com todos esses fatos sendo notórios, de conhecimento da Presidência da Casa e da População Pirenopolia, (fatos esses que serão objetos de ação autônoma), o Presidente negou o pedido de afastamento dos vereadores da votação e o Projeto de lei nº 001/2022 foi aprovado em primeira votação por 9 votos favoráveis e 2 votos contrários.

Nesse contexto o Recurso de Apelação (5261714-70.2023.8.09.0126) foi protocolizado e o pedido de tutela recursal de efeito suspensivo foi deferida na data de hoje (29/04/2023), suspendendo novamente o tramite do Projeto de Lei Complementar 01/2022 com a ementa: “Dispõe sobre o Plano Diretor de Pirenópolis e dá outras providencias”, que tramita na Câmara Municipal De Pirenópolis, até o julgamento final do Recurso de Apelação.