JUSTIÇA

Só 2 de 8 empresários bolsonaristas alvos do STF foram citados em investigações prévias

Um documento elaborado pelo gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), mostra que…

Só 2 de 8 empresários bolsonaristas alvos do STF foram citados em investigações prévias (Foto: STF)
Só 2 de 8 empresários bolsonaristas alvos do STF foram citados em investigações prévias (Foto: STF)

Um documento elaborado pelo gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), mostra que apenas 2 dos 8 empresários bolsonaristas alvos de operação no último dia 23 vinham sendo mencionados previamente em inquéritos sobre ataques às instituições e à democracia.

Apesar disso, Moraes determinou contra todos eles medidas como busca e apreensão, bloqueio de contas, quebras de sigilos bancário e telemático, além da derrubada de perfis das redes sociais.

Como revelou a Folha de S. Paulo, a determinação de Moraes teve como única base reportagens jornalísticas divulgadas pelo site Metrópoles sobre conversas de teor golpista dos empresários em um grupo privado de WhatsApp.

As reportagens têm sido tratadas pelo ministro como estopim para a sua decisão, dentro de um contexto que ele considera maior: de risco às instituições e ao próprio Supremo.

De acordo com o documento do gabinete de Moraes, um desses riscos é a proximidade das comemorações do 7 de Setembro, quando são esperados atos de teor golpista e ataques às instituições insuflados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Sua intenção, segundo o mesmo relatório, seria a de cortar o financiamento a eventuais manifestações contrárias à democracia.

No entanto a gravidade das medidas determinadas pelo ministro, sem outras diligências prévias que ele poderia ter ordenado à Polícia Federal, tem sido criticada tanto por advogados criminalistas como por membros do Ministério Público Federal.

A quebra de sigilo bancário e bloqueio de contas nem sequer foi solicitada pela PF ao ministro, mas sim pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), como revelou o jornal O Estado de S. Paulo. Randolfe é um dos principais adversários de Bolsonaro e atual como coordenação da campanha de Lula (PT).

O documento do gabinete de Moraes, assinado pelo juiz instrutor Airton Vieira, foi divulgado pelo Supremo na segunda-feira (29), seis dias após a operação. No mesmo dia, também foi retirado o sigilo da decisão que determinou as medidas.

De forma relatorial, são citadas por Vieira descobertas feitas sobre os chamados “núcleos financeiros” em investigações que estão sob a relatoria de Moraes desde 2019, como os inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos violentos do 7 de Setembro do ano passado.

O texto, no final, atrela as reportagens do Metrópoles ao contexto das investigações anteriores, com a menção aos outros seis empresários que não haviam sido citados.

O documento afirma que as mensagens de texto se somam a “outros fortes indícios que estão sendo analisados nos inquéritos” de participação desde 2019 de empresários para o “financiamento na produção e divulgação de notícias fraudulentas e na organização de atos antidemocráticos.”

Na decisão de Moraes autorizando as buscas e quebras de sigilo, entretanto, não foram citados trechos e informações do relatório do juiz instrutor na decisão daquele dia.

As conversas entre os empresários apresentadas em uma reportagem e que motivaram a decisão estavam em um grupo de WhatsApp chamado “Empresários e Política”. Elas defendiam golpe de Estado caso o ex-presidente Lula (PT) vença Bolsonaro nas eleições.

Após a divulgação das mensagens, os participantes do grupo negaram intenção golpista.

O caráter fechado do grupo de WhatsApp em que se defendeu golpe de Estado é secundário para a análise jurídica da operação policial contra empresários, segundo advogados ouvidos pela Folha de S. Paulo.

Para a maioria deles, as falas dos integrantes do grupo divulgadas até o momento não indicam crime ou incitação ao crime. Se houvesse algum indício nesse sentido, não importaria que tivessem sido ditas em âmbito privado, afirmam.

Dois dos empresários que estavam no grupo e foram alvo de busca e apreensão e quebra de sigilo — Luciano Hang, da Havan, e Afrânio Barreira Filho, do Coco Bambu— já tinham participado de um grupo de mensagens anterior, o “Brasil 200 Empresarial”, que esteve na mira de Moraes em outras investigações.

O gabinete de Moraes vê esse grupo como antecessor do “Empresários e Política”, uma das razões que motivou, segundo o juiz auxiliar Airton Vieira, medidas adotadas contra todos aqueles que escreveram no aplicativo as mensagens citadas pelo Metrópoles.

As medidas determinadas por Moraes geraram questionamentos das defesas dos envolvidos.

“Ainda que se pudesse iniciar a investigação com base em notícias, jamais se poderia desde logo, sem dados mais concretos, impor medidas invasivas como se fez, com busca e apreensão e bloqueio dos ativos financeiros dos investigados”, diz o advogado Alberto Toron, que defende o empresário Meyer Joseph Nigri, da Tecnisa, um dos integrantes do grupo.

“Essa imposição de medidas invasivas foi feita sem indícios mais consistentes”, afirma Toron, acrescentando que “por mais repulsivos que fossem”, não houve crime nos diálogos que seu cliente participou.

Na PGR (Procuradoria-Geral da República), Augusto Aras e seus principais auxiliares avaliam que os diálogos que motivaram a ação policial contra os empresários são conversas privadas; e que, apesar de críticas ao sistema de votação e ao STF, elas não configuram crime.

Argumentam, em conversas reservadas, que os crimes contra o Estado democrático de Direito pressupõem violência ou grave ameaça, situação não identificada no caso.

A cúpula da PGR entende, por exemplo, que o bloqueio de contas bancárias foi medida exagerada para os elementos então disponíveis.

Outra observação feita nos bastidores é quanto ao procedimento no qual foram determinadas as buscas e demais medidas cautelares ocorridas na semana passada.

O inquérito das milícias digitais foi instaurado de ofício por Moraes no ano passado —ou seja, sem pedido da PGR ou da polícia.

Na ocasião, por não identificar elementos para dar continuidade à investigação no STF de autoridades com prerrogativa de foro, a Procuradoria se manifestou pelo arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos de 2020.

Moraes arquivou a apuração, mas, concomitantemente, deu início à nova linha investigativa.

O chefe do MPF e sua equipe têm reclamado do fato de a Procuradoria não ter sido ouvida previamente sobre o pedido feito pela PF, o que, dizem, transgride o sistema acusatório.

Aras já se manifestou junto ao Supremo sobre o tema. Em parecer enviado em maio do ano passado ao tribunal, ele afirmou que, com a Constituição de 1988, buscou-se “superar o então sistema inquisitorial, fazendo clara opção pelo sistema penal acusatório.”

“O modelo, em linhas gerais, impõe a separação orgânica entre as dimensões instrutória, acusatória e decisória, de modo que não se permita à mesma pessoa acumular as funções de investigar/acusar e de julgar”, afirmou.

Ainda segundo o entendimento de Aras, a determinação judicial de medidas cautelares, quando não requeridas pelo Ministério Público, há de ser submetida ao procurador-geral previamente à sua decretação.