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Roadsec: Goiânia recebe maior evento de segurança digital da América Latina

Hackers. Termo pejorativo, que gera desconfiança, medo. Uma imagem negativa construída nos anos 1980 e…

Hackers. Termo pejorativo, que gera desconfiança, medo. Uma imagem negativa construída nos anos 1980 e 1990 pela mídia e mesmo pela arte, desde Neuromancer a Matrix. O que pouca gente sabe, ou senão ainda não percebeu, é que o setor de segurança digital é um dos mais importantes hoje em dia. Em um mundo cada vez mais conectado, proteger os seus dados, especialmente para empresas, se torna fundamental. E quem cuida disso, inclusive nas maiores corporações do mundo, são os hackers: indivíduos que se interessam e se aprofundam em tecnologias de segurança, como invasão, criptografia e firewall.

A Roadsec, maior evento de hackers e tecnologia de segurança da América Latina, surgiu a partir disso. O principal objetivo do evento é ligar três pontos: os hackers e programadores com os empresários e com a academia universitária, aproximando três pontos fundamentais da tecnologia.

O evento, que acontece apenas neste sábado (18) é focado em universitários e entusiastas da tecnologia e da programação. Além de palestras com diversos especialistas de segurança digital, o evento possui oficinas com drones, robótica e até mesmo lockpicking com cadeados reais e pixel arte usando miçangas.

Já para os mais competitivos também teve duas gincanas hacker: uma envolvendo desafios cada vez maiores de criptografia, a CryptoRace, e outro uma competição e invasão de sistemas com vários níveis de dificuldade, a Hackaflag, botando os participantes para competir.

O idealizador do evento, Anderson Ramos, CTO da empresa Flipside, vê o evento como forma de botar os entusiastas da programação e da tecnologia de segurança com o mercado de trabalho, além um aspecto formativo. Com oito anos de empresa e 20 de carreira, ele conta que a Flipside fazia muitos eventos de cunho corporativo, mas que ficavam longe de um público-alvo muito grande: dos jovens. Outro objetivo era levar o evento para cidades fora do eixo Rio-São Paulo com grandes nomes para palestrar: “O grande desafio era trazer grandes nomes para palestrar em cidades que estão ou estavam fora do grande circuito de tecnologia e ao mesmo tempo cobrar uma entrada barata que fosse acessível aos estudantes”, conta.

Anderson Ramos, idealizador da Roadsec

Segundo Ramos, parte da ideia de fazer um evento móvel, presente em uma cidade diferente a cada ano, veio da percepção de mercado: “Roadsec foi uma combinação de fatores. Queríamos fazer mais barulho sobre o tema, achava o mercado pouco desenvolvido no Brasil, precisava de mais desenvolvimento regional. Uma coisa que a gente reparava muito em São Paulo era a quantidade de profissionais vindos de outros estados e regiões, ou seja, não tinham muita oportunidade nos respectivos estados e São Paulo tá sempre precisando de mais mão-de-obra”.

O evento começou com testes em 2013 e depois realizou uma primeira agenda completa em 2014. Este ano marca a primeira passagem da Roadsec por Goiânia devido a um crescimento na demanda do evento, que já era realizado em Brasília: “é um evento que cresceu muito. Já estamos com o Roadsec Pro, que é o evento voltado para o público corporativo, mais maduro, que não tem ainda em Goiânia, mas tem em Brasília e nas 10 maiores capitais do Brasil”.

Ramos explica que o Roadsec veio atender uma demanda que sempre existiu, mas faltava uma ligação entre a demanda e a oferta: “Dá pra ver um amadurecimento porque o cara que se identifica com a cultura do hacking não precisa ter uma faculdade local ou emprego pra treinar ele e pra ele se interessar pelo tema. É uma questão de identidade. Ele se interessa pelo tema porque é o que quer pra vida dele. Se você chega com uma conferência hacker em qualquer lugar, vai ter gente interessada por esse tema. Não é profissão, é identidade. Público não era problema. A questão era como pegar o potencial dessas pessoas e aproveitar para florescer o mercado local e ligá-lo com mercados mais maduros”.

Conexão é, para ele, a palavra-chave: “A gente é muito focado em conectar, em aproximar, porque acreditamos que a partir disso as coisas começam a naturalmente acontecer. Estamos vendo isso, os nossos números estão aí pra nos mostrar isso. Em 36 meses, mais de 10 mil pessoas passaram pela Roadsec, a galera se engaja muito e toda uma nova geração criou um interesse em segurança digital. A gente não inventou nada, a gente só criou um modelo, um formato que faltava para ligar essas pessoas”.

Agora, ele faz planos grandes para o futuro: “Temos umas 20 cidades na fila pra receber o evento e nossa maior dificuldade é que fazemos no sábado fora de férias e de feriado, então meio que já chegamos num teto e agora estamos começando a treinar uma galera pra começar a ter evento simultâneo em mais de uma cidade. Já vamos começar também a fazer alguns eventos teste fora do Brasil, no Paraguai, na Irlanda, Portugal, já estamos começando a ver se os mesmos problemas que o Roadsec atende o Brasil, se podemos agregar em outros locais”.

E depois de tudo isso, o termo hacker ainda é tabu? “Ainda é, por mais que já tenha mudado muito. É um equívoco que a própria imprensa criou. Não é bandidagem, que é a conotação que se criou. Hoje a mídia se esforça pra imendar isso, mas é difícil. Mas é um passo. É importante a imprensa vir e tentar desfazer esse engano. Vamos continuar trabalhando até essa confusão ser desfeita”, promete.

Participação

Um dos palestrantes, Ighor Augusto Barreto, ficou muito satisfeito com o evento e com a chance de palestrar nele. Ele é CEO da empresa de segurança Intruder e deu uma palestra chamada “A Arte de ser Indetectável”. Ele submeteu seu material pelo site da Roadsec e foi chamado pela conferência: “Achei muito legal ter algo assim em Goiânia. O pessoal entrou em contato comigo e gostou do tema. Passei por uma seleção e agora estou aqui”.

Para ele, a Roadsec em Goiânia é um grande passo, especialmente porque os empresários locais ainda são muito desconfiados em relação à tecnologia. Ou, senão, consideram a área de segurança da informação como algo sem importância, o que pode ser perigoso para eles: “A importância, primeiro, é incentivar as pessoas a estudar mais essa área. A falta de incentivo faz com que Goiás acabe ficando meio esquecido. Estes eventos trazem conhecimento para cá. Já o segundo motivo é mostrar para as empresas a importância de investir em segurança da informação. Eu sei o quanto é difícil vender. Muitas empresas estão vulneráveis e acham que não é importante gastar dinheiro com isso”.

O profissional de TI Júlio Campos não conhecia a Roadsec antes de ela vir para Goiânia. Se inscreveu em novembro e disse ter gostado muito da experiência: “É uma área que é importante para todos da área. Mesmo se você está em uma parte diferente como eu, que sou do desenvolvimento, segurança é fundamental. Se eu for criar um aplicativo, ele não pode ser falho, pois estas falhas serão exploradas”. Ele disse que ter um evento desse porte na cidade é raro, uma oportunidade que deve ser aproveitada: “É muito difícil ver algo assim em Goiânia. O cenário goiano de desenvolvimento tem força, tô achando muito bom e estou empolgado para as oficinas e para as palestras”.

Gabriel Azevedo, do grupo Cora Hacker Club

Já Gabriel Azevedo é do grupo Cora Hacker Clube, um nome bem goiano que atualmente está com 15 pessoas e que estão à procura de um espaço físico próprio. Eles fazem projetos de um hacker space e é um projeto aberto: “O hacker é uma pessoa que entende muito de um assunto. No nosso grupo, fazemos de tudo, estamos abertos a projetos em vários assuntos, embora o assunto segurança seja maior”. Na ativa há dois anos, passaram pela Roadsec para aprender mais e para se conectar com profissionais e entusiastas.

Para ele, a maior importância do evento é derrubar a ignorância. O objetivo do Cora é promover a cultura hacker e a discussão sobre tecnologia: “Você bate na porta de uma empresa em São Paulo e a campainha é mágica: a porta abre e você é bem recebido. Agora fala que você vai abrir aqui um espaço sobre hacking com seus amigos e que quem chegar pode fazer parte, sem você saber o que é. Isso não acontece aqui. Estamos batalhando porque a galera goiana ainda não tem a ideologia hacker. Convidamos todos a acessar nosso projeto, o corahacker.org e se precisar tamo junto”.

Mulheres

Infelizmente, a área de tecnologia e programação ainda é predominantemente masculina. Mesmo na Roadsec, poucas eram as participantes, embora muitas mulheres estivessem no staff do evento. A gravidade da situação fica visível pela própria agenda: nem sequer uma palestrante. Em um auditório cheio, dava para contar nos dedos as mulheres presentes.

É uma área e um espaço tão masculino que chega a ser intimidador: de todas as mulheres que abordamos, apenas uma, a analista de sistemas Raquel Pereira, topou dar entrevista. Ajudou o fato de que Raquel percebe esta carência e está ela mesma envolvida em movimentos para engajar a participação e a presença feminina no meio tecnológico cultural e profissional.

Ela enxergua uma demanda crescente do público de tecnologia e sistemas na cidade: “Eu sempre estou presente em eventos de tecnologia de Goiânia. Aqui sempre teve eventos pequenos na área. O Roadsec é o primeiro daqui desse porte, mas a cidade tem público, tem interesse, acho que cada vez maior. É um marco ter um evento grande assim porque podemos difundir o que é que Goiânia tem”.

Raquel Pereira, do MNT

Sobre a presença feminina nestes eventos, Raquel atua no grupo Mulheres na Tecnologia (MNT), que inclusive irá promover seu quinto encontro nacional por aqui no início de junho. “O grupo nasceu aqui em Goiânia, fazemos um evento anual.Falamos a respeito da participação feminina nestas áreas predominantemente masculina. Hoje, aqui, dá pra ver a baixa quantidade de meninas. Essa área hacker e de segurança ainda tem um longo caminho pela frente, mas já vemos uma presença maior de meninas em alguns eventos, como por exemplo na área de software livre”.