A coluna Descomplicando, da @jornalistaleticianobre, estreia traduzindo temas complexos em informação útil, acessível e conectada à vida real
Dia do Sexo (6/9): da vergonha à liberdade
Tabus recuam e mercado erótico cresce movido pelo público feminino engajado de 25 a 45 anos
A loja é cheia de cor, luzes e um tom de mistério. A cliente entre desconfiada, olhando para os lados, quase se desculpando. Em outras épocas, teria pedido “uma coisinha” com vergonha, talvez falando baixo. Mas as vitrines estão provocativas, as atendentes preparadas para acolher, e o que antes era constrangimento vira riso nervoso — e, com sorte, liberdade. “Ainda tem vergonha, sim. Mas tem também um amadurecimento coletivo”, garante a empreendedora Calianer Paglia.
Ela comanda a Quente Caliente, em Goiânia, um sex shop que virou referência nacional. E não está sozinha. O mercado erótico brasileiro, terceiro maior do mundo, deve crescer 8% ao ano até 2028, movimentando mais de R$ 2 bilhões anuais. Em Goiás, esse avanço ganha rosto, nome e propósito.
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Mas nem sempre foi assim… Calianer criou a loja durante um momento de crise pessoal. “Eu era meu maior preconceito”, admite. Começou sem estrutura, sozinha, mãe solo de dois bebês, sem apoio. Aos poucos, a loja virou comunidade. “Ensinei de forma divertida, mostrei bastidores, respondi perguntas sem tabu. As pessoas começaram a confiar”, comenta.
O (quase) fim da vergonha
Sim, as mulheres são as mais curiosas e engajadas desse mercado. O público feminino entre 25 e 45 anos é o mais engajado, mas há crescimento significativo no uso de brinquedos eróticos por mulheres acima dos 30 anos, especialmente em contextos de autoconhecimento pós-divórcio, maternidade ou transição de vida. “O prazer solo deixou de ser visto como carência e passou a ser entendido como cuidado. Isso é uma virada de chave”, analisa Paula Aguiar, uma das responsáveis pelo Portal Mundo Erótico.
Em pesquisa recente, sobre o consumo de produtos eróticos, 81% de quem respondeu admitiu vergonha ou desconforto ao entrar em sex shops físicos, e que 58% preferem comprar pela internet em busca de discrição. “Esses dados nos dizem muito sobre como o tabu ainda impacta o comportamento. Mesmo com o crescimento do setor, a vergonha ainda comanda muita coisa”, explica a especialista com mais de duas décadas de atuação no mercado nacional.
7 mudanças na sexualidade nos últimos 20 anos
- Do tabu ao prazer consciente: O prazer, especialmente o feminino, deixou de ser tema proibido e passou a ser reconhecido como parte do autocuidado e da saúde.
- Visibilidade LGBTQIA+: O reconhecimento legal e social das diversidades sexuais e de gênero ampliou o debate sobre pluralidade e respeito.
- Sexualidade sem idade: A maturidade passou a ser vista também como tempo de prazer. Há mais abertura para falar sobre sexo na menopausa, andropausa e envelhecimento.
- Popularização dos sex toys: Acessórios eróticos saíram do anonimato e se tornaram parte da rotina de autoconhecimento e intimidade.
- Digitalização da sexualidade: A tecnologia transformou a forma de viver o prazer, com aplicativos, brinquedos conectados e relações virtuais.
- Educação sexual como pauta social: Deixou de ser tabu e passou a ser vista como fundamental para a saúde pública, prevenção de violências e empoderamento.
- Movimento sexo-positivo: As novas gerações trouxeram à tona o diálogo sobre consentimento, diversidade de práticas e liberdade de escolhas.
Muito além dos “brinquedinhos”
O levantamento também indica que os produtos mais procurados seguem uma ordem de preferência bastante clara, com os vibradores liderando o ranking, seguidos por lubrificantes, cosméticos sensuais e, por fim, jogos para casais e lingeries. Mas não só isso. Envolve consultoria, educação sexual, autoestima, terapia.
“O sex shop é só a porta de entrada para algo muito maior: o reencontro com o próprio corpo e com o direito ao prazer”, explica Paula. “Eu comecei porque gostava do assunto e vi um nicho. Mas entendi que o diferencial é o acolhimento. É sobre escutar sem julgamento”, compartilha, relembrando sua trajetória.
Calianer também ampliou sua atuação. Hoje é consultora, palestrante e influenciadora, com mais de 30 mil seguidores no Instagram. E coleciona histórias. “Uma cliente me disse uma vez: ‘Você não me vendeu só um produto, me devolveu a autoestima’. Isso me guia”, lembra. Em outra situação, ouviu de uma cliente que o vibrador salvou seu casamento. “Ela disse que depois de anos tentando reacender a intimidade, só com o produto conseguiu redescobrir o toque, a brincadeira, o desejo. Isso não tem preço.”
Por que 6/9 é o Dia do Sexo?
O Dia do Sexo foi criado como uma estratégia de marketing em 2008 por uma marca de preservativos. A escolha da data — 6/9 — é uma alusão direta à posição sexual 69. A campanha provocativa questionava: ‘se temos Dia das Mães e dos Pais, por que não um Dia do Sexo? Pegou’. Não virou data oficial, mas entrou no calendário do comércio e da cultura pop. No Brasil e nos EUA, virou pretexto para promoções, reflexões e, com sorte, conversas mais honestas sobre prazer e autoconhecimento.
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