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Sistema de notas de Goiânia custa R$ 19 mil e tem falhas de transparência
Contrato de 5 anos com Nota Control é incompatível com valores do mercado. Depois de 60 dias, empresa passará a cobrar pela emissão do documento
A promessa era de modernização, mas o que se vê é uma teia de documentos incompletos e versões que não se encaixam: textos diferentes no extrato e sistema de contratos, falta de informações e até ausência do contrato. Desde o dia 1º de outubro, os prestadores de serviço de Goiânia passaram a emitir notas fiscais por meio de uma nova plataforma, a ISS.NET. O sistema é gratuito até 30 de novembro, mas, depois disso, terá custo mensal entre R$ 39,90 e R$ 109,90, pagos diretamente à empresa Nota Control Tecnologia LTDA.
Documentos públicos consultados pela coluna Descomplicando mostram inconsistências na contratação da empresa citada como responsável pelo sistema de gestão tributária que substituiu o antigo modelo gratuito. Entre os indícios estão divergências entre registros oficiais, ausência de documentos essenciais — como o próprio contrato — e um valor que não parece compatível com o serviço prestado.
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Linha do tempo de um contrato nebuloso
O processo começou em 19 de março, quando a Secretaria Municipal da Fazenda abriu o trâmite no Serviço Eletrônico de Informações (SEI). Apesar de o processo ser público, a listagem de movimentações não exibe os documentos anexados, apenas os encaminhamentos entre setores. No dia 7 de maio, o contrato foi assinado por Geraldo Palhano Maiolino, sócio da Nota Control, ao lado do filho Nerone Maiolino Júnior. Um dia depois, o extrato foi emitido e, em 12 de maio, publicado no Diário Oficial do Município (DOM). Somente 12 dias mais tarde, o acordo foi registrado no Sistema de Contratos e Convênios (SCC).
A contratação foi feita por dispensa de licitação, devido ao valor inferior a R$ 50 mil — o que é permitido pela Lei de Licitações. Mas o problema está nos detalhes: o documento completo não foi publicado, e o que está disponível no sistema não corresponde integralmente ao que foi divulgado no Diário Oficial.
O que diz cada documento
No DOM, o extrato informa que o objeto seria a “contratação de empresa especializada em gestão tributária para fornecimento de 100 (cem) licenças de uso e manutenção de um sistema tecnológico destinado à administração e fiscalização dos tributos municipais (ISS, IPTU, ITBI e demais taxas)”, com validade de 60 meses — mas sem valor definido, o que fere a legislação.

Já no SCC, a descrição muda: o contrato passa a ser para “fornecimento da licença de uso e manutenção do sistema de gestão dos tributos municipais (ISSQN, IPTU, ITBI e taxas) para utilização pelos servidores municipais, com tecnologia para recepção dos arquivos XML das notas fiscais de serviços eletrônicas (NFS-e) gerados e enviados pelos contribuintes”, com prazo de 46 meses (até 18/03/2029) e valor de R$ 19 mil. O montante está empenhado desde então, mas ainda não foi pago.

Essas versões diferentes e a falta do documento integral impedem saber exatamente qual serviço foi contratado e como a plataforma passou a operar para os contribuintes. O que deveria ser um exemplo de clareza administrativa acabou se transformando em uma zona cinzenta dentro da gestão fiscal de Goiânia.
Sistema público, domínio privado
Enquanto os registros oficiais se contradizem, o sistema usado pelos contribuintes não está hospedado no domínio da Prefeitura, mas em um endereço privado: notaeletronica.com.br/goiania. O site exibe como contato o e-mail e o telefone da própria Nota Control Tecnologia LTDA, com DDD de Campo Grande (MS), cidade onde está instalada a matriz.
Isso significa que o contribuinte acessa uma plataforma operada por uma empresa privada para cumprir uma obrigação pública. E mais: os dados fiscais de milhares de empresas — incluindo valores, CNPJs e serviços prestados — são processados e armazenados em ambiente privado, fora do controle direto da administração municipal. Sem cláusulas conhecidas sobre segurança, criptografia ou auditoria, não há garantias sobre o destino dessas informações, como exige a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Valor incompatível e responsabilidades difusas
Além da falta de transparência, o valor do contrato chama atenção: R$ 19 mil por cinco anos, o equivalente a R$ 316 por mês. Por esse valor, a empresa deveria fornecer licenças e manutenção de um sistema de gestão tributária, algo que, tecnicamente, seria impossível. Um software desse porte exige servidores dedicados, hospedagem segura, equipe de suporte, atualizações constantes e estrutura de atendimento. Nada disso caberia em um orçamento tão baixo — o que levanta a hipótese de que parte dos custos esteja sendo repassada aos contribuintes, via cobrança mensal pelo uso do sistema. Até o fim de novembro, o acesso à ferramenta da Nota Control é gratuito. Depois disso, quem permanecer no sistema pagará uma mensalidade entre R$ 39,90 e R$ 109,90 — por um serviço que, até pouco tempo atrás, era oferecido gratuitamente pela própria Prefeitura.
Um avanço que voltou a custar caro
Na época do anúncio do novo sistema, a Prefeitura de Goiânia divulgou amplamente que a mudança faz parte do processo de modernização e padronização exigido pela reforma tributária, vigente a partir de 1º de janeiro. Mas, diante de documentos contraditórios, valor incompatível e ausência de contrato publicado, o discurso de modernização soa como eufemismo. O contrato existe, mas seu conteúdo não está acessível.
O sistema funciona, mas não está sob domínio público — e já acumula reclamações no Reclame Aqui. E o contribuinte, que antes tinha um serviço gratuito, agora precisa pagar para cumprir uma obrigação legal. A tecnologia prometia simplificar. Em Goiânia, até agora, parece ter servido apenas para complicar — e cobrar.
Procurada, a empresa Nota Control Tecnologia informou que as informações devem fornecidas pela Prefeitura de Goiânia.
A coluna Descomplicando procurou a Secretaria Municipal da Fazenda questionando as inconsistências e divergências, mas não teve retorno até a publicação dessa coluna. O inteiro teor do contrato foi solicitado para a Ouvidoria da Prefeitura de Goiânia por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Também procuramos o Ministério Público de Goiás, que informou não ter qualquer demanda de investigação sobre essa contratação até o momento. O espaço continua aberto para manifestações.
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