Cidades

Ela bateu no carro estacionado ao meu lado e queria fugir

A mulher raspou no carro estacionado ao lado do meu e queria dar no pé sem arcar com o prejuízo que causou

Preso teria praticado diversos furtos de peças de carro de luxo em um shopping localizado no Setor Alto da Glória
Preso suspeito de furtar peças de carro em estacionamentos de shopping de Goiânia (Foto: Reprodução/FreePik)

Quem tem filhos sabe que uma das funções mais chatas da paternidade/maternidade é o serviço de Uber que todos prestamos à prole. Buscar e levar nas atividades diárias e de lazer são o ápice do estorvo, mas fazemos com a resignação de um santo católico dizendo não às tentações carnais. O problema é que esse trabalho é ainda pior que o dos motoristas de aplicativo. Estes ao menos deixam as pessoas no local e já recebem a próxima chamada, seguem adiante nesse rolê de levar gente aos seus destinos aguentando papos chatos e recebendo eventuais gorjetas. Pais e mães não gozam dessa mamata. Na maioria das vezes ficamos esperando a atividade do filho dentro do carro, tal qual motoristas de madame, vendo a vida passar por longos períodos.

Pois assim eu estava na tarde da última terça-feira. Chovia a píncaros, como está rolando em Goiânia por esses dias. E eu no carro esperando minha caçula terminar a aula de inglês no estacionamento da galeria onde a escola fica. Além da school, ali também tem açougue, empório, estúdio de pilates, pet shop, salão de beleza, um barzinho e nas terças rola uma feira, o que aumenta bastante o fluxo e diminui o número de vagas.

Ah, as vagas… Aqui vale um parágrafo. Não sei que engenheiro de merda dimensiona as vagas de estacionamento dos estabelecimentos de hoje. É tudo tão apertado que parece que você não tem que abrir a porta pra sair do carro. Todos saem pelo teto solar, só pode.

Uma vaga ficaria ociosa ao meu lado. A única de todo estacionamento. Enquanto a motorista enchia o porta-malas de legumes da feira, outra já sinalizou com a seta que queria aquele  espaço que em instantes ficaria livre. 

Com tudo muito apertado e alguém querendo sua vaga, foram necessárias algumas manobras pra tirar o carro. A que esperava não perdeu tempo e entrou de frente com tudo e… CRAAAN. Um barulhão da raspada gigante no carro que estava do outro lado do meu. 

Tudo empurrava para esse acidente: espaço apertadíssimo, chuva, concorrência pelas vagas, pressa, imperícia… E para piorar, pra ela, tinha eu como um repórter Esso de testemunha ocular da história. Não tinha como ela simplesmente sair como se nada tivesse acontecido. Eu vi tudo.

Ela desceu super constrangida, molhando de chuva e perguntou se eu sabia de quem era o carro. Respondi que não, pois quando parei aquele automóvel já estava por ali. A senhora disse então que iria procurar pela vítima. 

Passados poucos minutos, ela voltou com dois cachorrinhos lulu-da-pomerânia escovados no colo. Os colocou no banco de trás e me disse que iria tentar achar o proprietário. De fato, ela conversou no caixa do empório, com o atendente do açougue e sumiu do meu campo de visão. E eu ali como o DJ Jamaika (descanse em paz) só observando.

Ela volta, me diz que não conseguiu achar e se sentou no banco do motorista. Ficou ali hesitante sobre o que fazer por longos minutos. Ela queria fugir, mas tinha vergonha de mim. Vivia o dilema entre ser virtuoso e mostrar seu pior pra alguém que tudo observa.

Até que ela criou coragem e saiu. Foi embora. Claro que julguei, né? Fiz uma foto da placa dela para o caso do dono me perguntar. Não passou nem cinco minutos e a dona do carro com a lataria danificada apareceu com duas sacolas de feira nas mãos. Antes de abrir a porta, já falou: “Bateram aqui no meu carro!”. 

Eu estava pronto para meu momento de glória. Cheio de ímpeto cidadão e disponível para fazer um retrato falado da suposta criminosa fugitiva, fui chama-la mas nem deu tempo.

Antes que eu falasse algo, a senhora que bateu apareceu do nada e disse:

– Estava mesmo procurando você. Me desculpe pelo acidente. Pegue meu telefone e vamos combinar o reparo…

E a conversa seguiu. Rápida, gentil e resolutiva.

Eu pensando que a mulher era uma picareta e não era o caso. Ela tirou o carro para facilitar na procura da vítima. Confesso que não esperava isso.

Olha, acho que ainda dá para confiar no ser humano… Será?

@pablokossa/Mais Goiás | Foto ilustrativa: Reprodução/FreePik