EMOÇÃO

Advogado se emociona com absolvição de jovem negro e viraliza na web; vídeo

Um carro em fuga bate próximo a um estacionamento. Dois homens saem do carro e…

Homem foi absolvido graças a imagem de câmera de segurança. Advogado se emociona com absolvição de jovem negro e viraliza na web; vídeo
(Foto: Reprodução Redes Sociais)

Um carro em fuga bate próximo a um estacionamento. Dois homens saem do carro e cada um corre para um lado. De um outro veículo, estacionado, saem três jovens para ver o que estava acontecendo. Nesse momento a polícia chega e dá voz de prisão a um deles. Três anos depois, o jovem negro é absolvido, após seu advogado apresentar como prova a gravação de uma câmera de segurança.

A cena pode até lembrar a série “Olhos que condenam“, da cineasta americana Ava DuVernay, em que cinco adolescentes negros do Harlem, nos EUA, são condenados por um crime que anos depois provam não terem cometido. Mas a história descrita acima é brasileira.

O caso aconteceu no dia 7 de julho de 2019 e foi contado pelo jovem Kaique do Nascimento Mendes, 23, e seu advogado, Ewerton da Silva Carvalho, 30.

A decisão do juiz saiu quase três anos depois, no dia 11 de fevereiro de 2022. Assim que saiu da sala de julgamento, Carvalho gravou um vídeo emocionado comemorando o desfecho, postou nas redes sociais e a gravação viralizou.

“Mano, acabei de inocentar o moleque, mano. Acabei de inocentar o moleque, mano. Estou três anos mais velho brigando nesse processo, tá ligado? Ontem foi o meu aniversário e eu pedi para Deus e os orixás e falei: mano, eu preciso absolver esse moleque amanhã”, disse Carvalho na gravação.

De acordo com o advogado, seu cliente estava no lugar errado e na hora errada. “A pele do Kaique fez com que ele fosse o acusado. Se fosse um jovem branco de olhos azuis ali talvez nem seria pego, o policial passaria correndo na frente dele”, afirmou. Após o episódio, Kaique passou a responder pelo crime de receptação de veículo roubado.

 

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Uma publicação compartilhada por Ewerton Carvalho (@advogadoewerton)

Como descrito no processo, na noite do ocorrido, policiais militares faziam a ronda próximo ao conjunto habitacional onde Kaique mora, na zona norte de São Paulo, quando avistaram o veículo. Ao constatarem no sistema que o automóvel tinha sido roubado na noite anterior, deram sinal para que o motorista parasse, mas a ordem não foi obedecida e o condutor fugiu.

Durante a perseguição, o automóvel bateu em um poste próximo ao estacionamento do conjunto habitacional. O jovem estava naquele momento dentro de outro veículo ouvindo música e comendo uma pizza com seu irmão e um primo. Quando ouviram o barulho da batida, os três saíram para ver o que estava acontecendo e depois retornaram para dentro do carro.

“Os policiais entraram correndo por dentro do prédio. Eles me viram dentro do carro. Passou um policial depois o outro, o terceiro pediu para eu parar, levantar a mão para o alto e deitar no chão”, lembra Kaique.

Neste momento, moradores do prédio, que conheciam o jovem e viram que ele estava no estacionamento antes de tudo acontecer, tentaram interceder, mas sem sucesso. Kaique foi então algemado e levado até a delegacia, onde passou a noite.

“Eu pensei que era uma abordagem normal, mas foi totalmente diferente. Quando eu fui ver já estava preso”, disse o jovem.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que “a referida prisão em flagrante foi feita de acordo com a legislação vigente, sendo ratificada pelo Ministério Público. Na ocasião, foi arbitrada fiança ao autor, mas ela não foi ofertada”.

Procurado, o Ministério Público de São Paulo afirmou que, durante o julgamento, concordou com a absolvição de Kaique.

No dia seguinte, na audiência de custódia, o jovem foi autorizado a responder pelo suposto crime em liberdade, mas passou a enfrentar algumas dificuldades -ninguém queria contratá-lo com carteira assinada, por exemplo, por causa do processo.

Além disso, passou a ter medo de andar na rua à noite, por exemplo, além de sofrer com ansiedade e com o temor de ser preso novamente.

“Eu consegui, graças a Deus e aos orixás, [imagens de] uma câmera de segurança que pega exatamente o momento em que o Kaique está dentro do estacionamento. A câmera também pega o momento exato da batida do carro. Dá para ver o menino correndo para um lado e o outro correndo para dentro, e dá para ver o Kaique já dentro do estacionamento há muito tempo”, afirma Carvalho.

Foi com essas imagens que o advogado conseguiu absolver seu cliente. Segundo ele, se não tivesse a prova material, somente o depoimento das oito testemunhas que eles conseguiram reunir, teria sido muito mais difícil absolver Kaique. Já não cabe mais recurso da decisão.

Segundo Carvalho, nas duas primeiras audiências, o Ministério Público chegou a oferecer a seu cliente o acordo de não persecução penal, quando o acusado assume que cometeu o crime e, por conta dos bons antecedentes, passa a não responder por aquele processo, que é substituído por outras formas de reparação, como serviço comunitário e doação de cesta básica.

Kaique, porém, não aceitou a oferta. “Porque eu não ia aceitar uma coisa que não fiz. [Nessa época] minha mulher estava grávida, eu também trabalho, sempre trabalhei a minha vida inteira, nunca fiz nada errado”, afirma o jovem.

De acordo com Carvalho, há muitos casos em que o acusado aceita o acordo de não persecução penal mesmo sendo inocente. “Porque o sistema é ruim, a Justiça é ruim, então ela condena muitos [inocentes]. As pessoas acham que não, mas não é. O Brasil é um dos países que mais condenam inocentes no mundo”.

Casos envolvendo situações raciais já fazem parte do currículo de Carvalho, que se considera um advogado negro com consciência racial. “Este jovem não tinha ninguém, ele só tinha a mim. A família dele não tinha ninguém. Eles são muito humildes, mas muito mesmo. Então, a gente tem que ter essa consciência que temos que lutar pela coletividade, pelos nossos iguais”, disse.

O advogado afirmou também que está ansioso para que seja disponibilizado o vídeo da audiência do Kaique. “Porque eu vou mostrar como é uma sala de audiência. Um policial tenente branco, um juiz branco, o ministério público branco, todo mundo branco. Réu e advogado negros”.

Segundo ele, isso pesa muito naquele momento. “Porque realmente a gente sabe que, por mais que a pessoa diga que não é racista, o racismo está enraizado”, concluiu.

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