Apesar da proibição, 29% admitem palmadas e beliscões em crianças de até 6 anos
17% consideram essas agressões uma estratégia eficaz de disciplina
Mesmo com a prática proibida por lei, 29% das pessoas que cuidam de crianças de até 6 anos admitem que ainda utilizam palmadas, beliscões e apertos como forma de disciplina no dia a dia. Os dados alarmantes fazem parte de uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (4) pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
O estudo, intitulado Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida, mostra que 13% dos entrevistados assumem que usam castigos físicos de forma recorrente. Já 17% consideram essas agressões uma estratégia eficaz de disciplina. Ou seja, uma parcela significativa bate mesmo sabendo que não é o ideal.
- No Brasil, 2.083 crianças de até 4 anos morreram vítimas de agressão em 10 anos
A pesquisa foi feita em parceria com o Instituto Datafolha e ouviu 2.206 pessoas em todo o Brasil, sendo 822 delas responsáveis por crianças de até 6 anos. O levantamento marca o início do Agosto Verde, campanha nacional de valorização da primeira infância.
Lei proíbe castigos físicos
No Brasil, os castigos físicos em crianças são proibidos desde 2014, com a chamada Lei Menino Bernardo (Lei 13.010/2014), também conhecida como Lei da Palmada. A legislação permite que responsáveis que agridem crianças sejam advertidos e encaminhados para programas de orientação.
A lei leva o nome de Bernardo Boldrini, menino de 11 anos assassinado pela madrasta com a conivência do pai, em 2014, no Rio Grande do Sul. O caso teve grande repercussão nacional e impulsionou a aprovação da norma.
Violência não educa, alerta especialista
Para a diretora-executiva da Fundação Maria Cecilia, Mariana Luz, os números revelam a persistência de um padrão cultural ultrapassado.
“A gente ainda ouve frases como ‘apanhei e estou aqui’ ou ‘quem pariu Mateus que o embale’. Isso mostra como a sociedade ainda enxerga a criança como inferior”, disse Mariana à Agência Brasil.
“Palmadas e beliscões não ajudam e não resolvem”, reforça.
A especialista lembra que nenhuma forma de violência é inofensiva e alerta para os impactos negativos: ansiedade, agressividade, depressão, além das marcas físicas e emocionais. A pesquisa mostra que 14% dos cuidadores também admitem gritar e brigar com crianças.
Mesmo com esse cenário, a maioria dos entrevistados afirma que prefere métodos como conversar e explicar o erro (96%) e acalmar a criança ou retirá-la da situação (93%).
Violência deixa marcas duradouras
Apesar disso, 40% dos que praticam castigos físicos acreditam que isso gera mais respeito à autoridade. Por outro lado, 33% reconhecem que a prática gera comportamento agressivo na criança, e 21% admitem que isso contribui para o desenvolvimento de baixa autoestima e falta de confiança.
“A violência é um freio direto no desenvolvimento da criança”, afirma Mariana Luz.
Ela também aponta uma falha na responsabilização social, onde muitas pessoas preferem não intervir quando presenciam agressões. “Um cachorro apanhando na rua gera denúncia. Uma criança apanhando em público, não”, critica.
Falta de informação sobre a primeira infância
Outro dado preocupante é que 84% dos entrevistados não sabem que os seis primeiros anos de vida são os mais importantes para o desenvolvimento humano. Apenas 2% souberam dizer corretamente o que é a primeira infância.
“É nesse período que o cérebro se desenvolve mais intensamente. São cerca de 1 milhão de conexões por segundo”, explica Mariana. Segundo ela, 90% das conexões cerebrais são estabelecidas até os seis anos.
Mesmo com tantas evidências científicas, 41% dos entrevistados ainda acham que o maior desenvolvimento ocorre na vida adulta, e 25% acreditam que é entre 12 e 17 anos.