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Após ser expulso de casa por ser gay, pastor funda igreja inclusiva no DF: ‘Queremos nosso espaço’

Chlisman Toniazzo é alvo de diversos ataques

Após ser expulso de casa por ser gay, pastor funda igreja inclusiva: 'Queremos nosso espaço' Chlisman Toniazzo

“Deus vai pesar a mão. Ele fez uma revelação de que você irá sofrer um acidente e ficará cadeirante por ser gay”. Esse foi apenas um dos diversos ataques que o pastor Chlisman Toniazzo, agora com 31 anos, recebeu quando revelou sua sexualidade para os fiéis da igreja que frequentava na cidade de Chapecó, em Santa Catarina.

No entanto, antes disso, ele, que foi criado em um lar evangélico, tentou de tudo para negar a própria identidade. Sendo assim, ainda adolescente, Chlisman passou por tratamentos que prometiam uma “cura”. Aos 15 anos, ainda no seminário vinculado à Igreja, o jovem procurou ajuda de um pastor de outra congregação para se submeter uma possível conversão.

— Durante um ano, escondido dos meus pais, eu fiquei em tratamento com um pastor de uma outra igreja. Contei a ele sobre ter ficado com um menino da escola e ele sugeriu que eu fizesse acompanhamento de cura e libertação, que envolvia jejum e orar no topo do monte. Eu passei por uma espécie de retiro com sessões de libertação para tirar “o demônio”. Além disso, fui recomendado a namorar uma moça e começar a ser sexualmente ativo com mulheres, mas eu não conseguia e isso me gerava muitos conflitos emocionais. Eu pensava que por ser gay já ia para o inferno de qualquer forma, então atentei três vezes contra a minha vida — disse Chlisman.

Diante dos esforços em vão para negar a própria natureza, o adolescente decidiu se aceitar e tentar conciliar a religião com a vida amorosa. No entanto, não demorou muito para que os rumores começassem a surgir e ele tivesse a intimidade exposta.

Chlisman tinha 19 anos quando os pais o expulsaram de casa por ser homossexual. A descoberta veio através do pastor da própria igreja que a família participava.

— Eu comecei a fazer um processo de cura psicológica em que eu entendi que o amor de Deus não podia ser aquilo que eu estava experimentando. Quando eu me aceitei, eu comecei a ir para uma igreja que condenava a homossexualidade e, ao mesmo tempo, vivia um relacionamento gay. Porém, meus pais descobriram meu namorado através do nosso pastor e me expulsaram de casa — conta Chlisman.

O sentimento de rejeição fez com que o jovem voltasse a se questionar sobre possivelmente estar “vivendo algo do diabo”. Com isso, Chlisman resolveu levar uma vida sem fé.

— Me questionei diversas vezes o porquê de Deus ser amor e me mandar para o inferno por algo que eu nem tive a oportunidade de escolher. Eu não me encontrava em outras vertentes religiosas, então voltei a frequentar igrejas, mas eu sentia que as pessoas me condenavam. Tudo isso foi gerando um afastamento total que me fez tentar acreditar que Deus não existia — relata Chlisman.

A mudança de pensamento veio por meio de um debate entre pastores transmitido em um programa de TV. Na tentativa de aproximá-lo novamente da fé, um amigo, que sabia dos dilemas do jovem, recomendou que ele assistisse.

Na ocasião, ao entender que se tratava da discussão de ideias entre dois religiosos gays e outros dois conservadores, Chlisman resistiu a dar atenção por achar que seria apenas uma ceita indo contra os preceitos da bíblia. Por fim, ele cedeu e seguiu a dica recebida.

— Por ter acabado de sair de um seminário, eu percebi que aquilo que os pastores gays falavam tinha muita base. Apesar da minha sexualidade não ser aceita, eu sabia do meu chamado, não foi algo que a minha familia me impôs, foi natural. Eu sentia um vazio por pensar em não conseguir exercer minha função na igreja. Assisti o programa e uma chave virou na minha cabeça. Eu comecei a estudar grego e hebraico para entender a bíblia na língua original. Acontece que eu comparei com a tradução para o português e percebi que nela há uma diferença gigantesca, uma manipulação por grupos de interesse — alega Chlisman.

Nesse processo de aprendizado, Chlisman descobriu que existia nos EUA um movimento desde 1960 que se chama teologia inclusiva. Então, ele foi atrás de pessoas no Brasil que tinham essa vivência. Se reerguendo aos poucos, o rapaz viveu, em 2014, a primeira experiência como pastor em Natal, no Rio Grande do Norte, assumindo uma igreja durante um ano e meio, antes de se mudar para Brasília.

O número de fiéis que vinham procurá-lo para falar sobre religião e homossexualidade resultou, em 2019, na criação da Arena Church, uma igreja apostólica afirmativa e inclusiva. O lugar, com sede em Taguatinga, no Distrito Federal, e células em outras capitais, busca acolher pessoas LGBTQIA+, tanto por meio de ações comunitárias, como sendo um refúgio para os cristãos que se identificam com a proposta.

— Começamos do zero na sala da minha casa e hoje já somos cerca de 300 pessoas. Para o gay ser aceito, ele tem que se entender de forma bíblica. Eu provo através de questões teológicas que ser gay não é pecado. A nossa igreja acolhe todas as pessoas, temos cultos às terças-feiras e aos domingos. Funcionamos como qualquer outra congregação, temos encontros em grupo, movimento jovem e ainda contamos com terapia on-line para darmos suporte a quem tem o HIV. Fora isso, ainda abrimos nossas portas para servir a toda comunidade, seja através de um corte de cabelo de graça, ou um dia de exames, já que temos fiéis de todas as áreas — explica Chlisman.

Apesar dos esforços para atender os fiéis como um todo, a igreja é constantemente alvo de ataques. A perseguição vai de ameaças nas redes sociais ao apedrejamento da sede.

— Para o público LGBTQIA+ somos cristãos demais, já para os evangélicos conservadores somos gays demais. Só que a perseguição vem por parte dos fanáticos religiosos. Tivemos a igreja apedrejada, saímos escoltados, vimos pessoas orando na porta para encerrarmos nossos trabalhos definitivamente, recebemos mensagens ameaçando fazer justiça com as próprias mãos em nome de Deus, entre outras coisas. Só queremos nosso espaço para sermos gays, cristãos e termos uma família do nosso jeito — afirma Chlisman.

O trabalho realizado pelo pastor fez com que ele se reaproximasse da família. A mãe, que a princípio julgava a iniciativa do filho, hoje é uma das grandes apoiadoras.

— Minha família começou a rever os próprios conceitos, afinal, meus avós, que foram os que nos incentivaram a frequentar a igreja, não eram a favor desse posicionamento preconceituoso. Quando eu comecei, minha mãe falava que não bastava eu ir para o inferno, eu ainda ia levar os outros comigo, mas a medida que ela foi vendo a seriedade do que eu faço, ela se redimiu e houve um acerto de pensamentos. Hoje a minha mãe é uma benção na minha vida e eu sei que ela me ama — destaca Chlisman.

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