Operação Decantação

Dinheiro desviado da Saneago teria pago dívidas de campanha do PSDB de 2014

A deflagração da Operação Decantação na manhã desta quarta-feira (24) resultou, até o momento, na…

A deflagração da Operação Decantação na manhã desta quarta-feira (24) resultou, até o momento, na prisão de 14 pessoas suspeitas de envolvimento em fraudes na Saneago. Entre os detidos estão o presidente da empresa, José Taveira, e o presidente do PSDB em Goiás, Afrêni Gonçalves. A suspeita é que parte dos recursos desviados tenham sido utilizados, inclusive, para custear despesas de campanha de candidatos tucanos em 2014, além de coquetéis na sede do Executivo estadual.

A operação mobilizou órgãos como a Controladoria Geral da União (CGU), a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF). Cerca de 300 policiais foram destacados para cumprirem 120 mandados judiciais, sendo 11 de prisão preventiva, quatro de prisão temporária, 21 de condução coercitiva e 67 de busca e apreensão. Desses, apenas um mandado de prisão não havia sido efetivado até o fim desta manhã.

A expedição dos mandados faz parte das investigações que apuraram que a Saneago teria se tornado o reduto de uma organização criminosa, tanto por meio de sua Comissão Permanente de Licitação (CPL), quanto por seus próprios diretores, que tinham conhecimento dos pormenores das ações ilícitas, que estariam ocorrendo há pelo menos nove anos. “O objetivo das investigações foi identificar questões relacionadas a fraude nas licitações, então constatamos direcionamento, sobrepreço, superfaturamento e a não execução integral do objeto [as obras], que ainda não foi entregue”, afirma o chefe da regional goiana da CGU, Valmir Gomes Dias.

As investigações tiveram início em 2013 depois da constatação de indícios de sobrepreço na aquisição de bombas hidráulicas para o sistema de abastecimento de Luziânia, o Corumbá IV. Segundo Valmir, foi firmado um contrato de repasse com o Ministério das Cidades pela Caixa Econômica Federal em 2007. Com base nesse acordo, a Saneago ficaria responsável por promover licitações para a execução das obras, e os recursos federais, na ordem de R$ 117,3 milhões, seriam liberados ao longo do prazo estabelecido para sua conclusão.

A previsão inicial era que o sistema de abastecimento fosse entregue em 2010, o que não ocorreu. Em 2013 a obra foi auditada e foi apurado que ainda havia apenas uma execução parcial. Novamente, em 2015, foi feito um levantamento que identificou a continuidade do atraso das obras. Por fim, neste ano, a CGU, em nova auditoria, confirmou que as obras permanece inacabadas, além de constatar os diversos atos ilícitos cometidos.

Entre as irregularidades apontadas estão o direcionamento de licitação para empresas que pagavam propina, a alteração de quantitativos sem justificativa e a inclusão desnecessária de equipamentos de alto valor. Em alguns casos, contratos eram rescindidos sem explicação, causando prejuízos à Saneago. Conforme as apurações da Controladoria Geral da União (CGU), houve um rombo efetivo de mais de R$ 1 milhão e a possibilidade de prejuízo de mais R$ 6 milhões caso as operações continuassem da mesma forma.

O aprofundamento das investigações revelou irregularidades também em certames e contratos para a ampliação do sistema de esgotamento de Goiânia, o Meia Ponte. Nesse caso, foi prevista aplicação de R$ 67,4 milhões em recursos. Desse total, foram efetuados pagamentos de R$ 16,7 milhões, dos quais R$ 3,4 foram identificados como prejuízo efetivo e outro R$ 1,7 milhão como prejuízo potencial.

De acordo as apurações do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC), foram constatadas falhas na elaboração da composição de serviços de transporte e descarga de materiais; de formas compensadas para moldagem de concreto armado; de serviços de escavação e carga de material de jazida; além da execução contratual em ritmo lento.

Valmir destaca que a deflagração da operação pode ter impedido que danos ainda maiores fossem cometidos contra a Saneago e os cofres públicos. “Nós analisamos uma amostragem torno de R$ 180 milhões e identificamos prejuízo efetivo de R$ 4,5 milhões e pouco mais de 7 milhões de dano potencial, ou seja, que ainda não foi pago, mas que se a execução desses contratos seguirem dessa mesma forma, poderiam caracterizar prejuízo ao erário”, afirma.

No entanto, ele destaca que o rombo efetivo pode ser muito maior do que o calculado até aqui, já que a amostragem de R$ 180 milhões é apenas uma fração do R$ 1,2 bilhão previsto em contratos com o governo federal.

Dívida de Campanha

Além das irregularidades quanto à efetivação de obras, os órgãos investigadores concluíram que houve também o repasse de recursos para o pagamento de dívidas de campanha do PSDB em Goiás relacionada às eleições de 2014. “Isso ficou evidenciado através de toda a persecução que fizemos, de medidas cautelares e diligências realizadas pelos nossos policiais”, afirmou o delegado responsável pela operação, Rodrigo Teixeira.

Foi constatado, até o momento, o repasse de R$ 400 mil ao partido, mas o valor pode aumentar conforme avançarem as investigações. A PF ainda apura quais seriam os candidatos que tiveram suas campanhas financiadas com os recursos federais.

O procurador da República Mário Lúcio de Avelar pontua que o governador Marconi Perillo não está sendo investigado pela operação. “Em razão de seu cargo o governador tem foro privilegiado. Nós não temos notícia de sua participação e envolvimento, até porque não podemos investigar”, ressalta. Apesar disso, ele declara que os recursos desviados foram utilizados “até para bancar coquetéis” no Palácio das Esmeraldas, conforme revelaram gravações telefônicas.

Outras beneficiadas pelo esquema criminoso são Organizações Sociais (OSs) que atuam em Goiás na gestão de unidades de saúde. Ainda não se sabe, porém, quais seriam essas empresas ou qual foi o valor total que receberam.

Mandados

Os presos na deflagração da operação são os seguintes:

Prisão temporária:
José Taveira Rocha, presidente da Saneago
Robson Borges Salazar
Afrêni Gonçalves Leite, presidente estadual do PSDB-GO
Nilvane Tomas de Sousa Costa

Prisão Preventiva:
Ridávia Matos Azevedo
José Raimundo Alves Gontijo
Emmanuel Domingos Peixoto
José Vicente da Silva
Luiz Humberto Gonçalves
Frederico José Navarrete Lavers
Gilberto Richard de Oliveira
Rafael Santa Ferreira Sá
Charles Humberto de Oliveira
Eduardo Henrique de Deus
Carlos Eduardo Pereira da Costa

Destes, oito são servidores públicos, mas diversos empresários também são alvos de mandados de condução coercitiva e de busca e apreensão. Além de Goiânia, as ações foram desencadeadas também em Aparecida de Goiânia (GO), Formosa (GO), Itumbiara (GO), São Paulo (SP) e Florianópolis (SC).

Todos os oito servidores públicos detidos tiveram o afastamento da função decretado. Também foi determinada a proibição de comunicação entre nove dos investigados. “Foi definida a quebra de sigilo bancário e fiscal de maneira que a gente espera com as provas recolhidas hoje avançar, identificar e individualizar melhor a conduta dos envolvidos”, ressalta Mario.

Os investigados vão responder por peculato, organização criminosa, corrupção ativa, corrupção passiva e fraude em processos licitatórios.

Resposta

Por meio de nota, a Saneago afirmou que “aguarda conclusão da operação da Polícia Federal para tomar ciência dos fatos e, a partir daí, emitir um pronunciamento sobre o caso”. A empresa apenas garantiu que os serviços e abastecimento e esgotamento não devem ser afetados de nenhuma maneira pela operação.

Já o governo do Estado declarou que “apoia as investigações em curso na Polícia Federal e no Ministério Público Federal e está inteiramente à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos”.

A nota divulgada diz que os “procedimentos licitatórios realizados pelos órgãos, autarquias e empresas da administração estadual são pautados pela legalidade e pela transparência” e que o governo “acredita na idoneidade dos diretores e superintendentes da Saneago (Saneamento de Goiás S.A.) e tem a plena certeza de que os fatos apresentados serão plenamente esclarecidos.”

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