CONSEQUÊNCIAS

Zerar tributos federais sobre combustíveis pode custar R$ 130 bi

A intenção do presidente Jair Bolsonaro (PL) de zerar tributos federais sobre combustíveis e energia elétrica pode gerar uma…

Bento Albuquerque não explicou, porém, como medida funcionaria. Ministro diz que governo estuda criar fundo para conter alta de combustíveis
Zerar tributos federais sobre combustíveis pode custar R$ 130 bi (Foto: Jucimar de Sousa/Mais Goiás)

A intenção do presidente Jair Bolsonaro (PL) de zerar tributos federais sobre combustíveis e energia elétrica pode gerar uma fatura de quase R$ 130 bilhões em renúncias de receitas e juros da dívida pública.

O cálculo foi feito pelo economista Gabriel Leal de Barros, sócio da RPS Capital, a pedido da Folha.

Ao abrir mão de arrecadação em um cenário de contas públicas no vermelho, o presidente faz o país se endividar ainda mais para arcar com o custo da política. A emissão dessa dívida seria feita mediante pagamento de juros aos seus investidores.

Sem qualquer redução de tributos, o governo já prevê um rombo de R$ 79,3 bilhões neste ano. O país acumula sucessivos déficits desde 2014.

O corte de tributos faz parte dos planos de Bolsonaro para reduzir o preço dos combustíveis no ano em que buscará a reeleição.

O presidente, seus auxiliares políticos e até integrantes da equipe econômica demonstram preocupação com o risco de a inflação ter um novo pico no terceiro trimestre de 2022 –justamente no auge da campanha eleitoral.

Para poder zerar as alíquotas sem amarras fiscais, a ideia é aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que na prática atropela a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e permite a redução de tributos sem nenhuma compensação pela perda de receitas.

Barros calcula que só a redução dos tributos deve gerar uma renúncia na casa dos R$ 70 bilhões ao ano. A estimativa é próxima da que vem sendo debatida internamente pela área econômica.

Para se endividar nesse montante, o governo brasileiro acabaria pagando, ao longo dos próximos anos, uma fatura adicional de R$ 59,7 bilhões em juros, projeta Barros.

Segundo o economista, o aprofundamento do rombo nas contas devido à renúncia de receitas afeta não só o estoque da dívida, mas as taxas cobradas pelos investidores.

“Além do déficit maior, o juro que incide sobre a dívida também vai aumentar pela maior percepção de risco”, alerta.

O mercado financeiro já deu uma amostra dessa deterioração na última sexta-feira (21). Um dia após se tornarem públicas as discussões sobre a PEC, os juros futuros tiveram alta significativa, antecipando maiores custos para o Tesouro Nacional.

A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) autoriza um rombo de até R$ 170,5 bilhões em 2022. Nessa estatística, só entram as renúncias. A conta de juros, por ser uma despesa financeira, fica de fora.

Embora haja folga em relação à meta, técnicos da área econômica já veem risco de a arrecadação cair até R$ 40 bilhões em relação ao previsto hoje, caso o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) fique em torno de 0,5%, em vez dos 2,1% projetados oficialmente pelo governo.

Nesse contexto, o corte de tributos aprofundaria os riscos de estouro da meta.

Para o economista da RPS Capital, esse será o desfecho se Bolsonaro levar adiante seu plano de reduzir as alíquotas federais sobre combustíveis e eletricidade. Ele calcula um rombo de R$ 209,4 bilhões no ano.

Barros afirma que a PEC cria outro problema para os próximos anos: a baixa credibilidade de regras fiscais, mesmo as previstas na Constituição.

Em três anos de governo Bolsonaro, a o texto constitucional já foi alterado 15 vezes. Três dessas emendas modificaram o teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação e que hoje serve de âncora da política fiscal.

“Muita gente no mercado achava que, pelo fato de o teto estar na Constituição, isso seria uma restrição para alterá-lo. Mas as mudanças sinalizaram que pouco importa se está na Constituição ou não, e isso cria um enorme problema”, afirma.

Agora, a estratégia do governo é aprovar uma nova PEC para afastar a LRF, que é uma lei complementar –instrumento hierarquicamente abaixo de emenda constitucional.

Um dos pais da LRF, o economista José Roberto Afonso critica a medida e também aponta a fragilização das regras.

“Não há risco. É certeza absoluta que se está a deteriorar a institucionalização fiscal”, afirma Afonso.

Para ele, é um paradoxo que isso seja feito por meio da que seria “a mais importante das regras legais”, como é o caso da emenda constitucional.

“Nunca se editou tantas emendas na história brasileira, nenhum país do mundo tem tanta matéria tributária e fiscal no texto constitucional. E o resultado efetivo, na prática, é exatamente o oposto daquele pretendido: quanto mais se constitucionaliza a gestão fiscal, mais se cria insegurança, econômica e até social”, diz.

Afonso afirma ainda que a aprovação de uma PEC para afastar a LRF no caso de redução de tributos sobre combustíveis não muda o cenário de quebra dos pilares da responsabilidade fiscal, segundo os quais seria necessário elevar outros impostos para repor a arrecadação.

“O desrespeito aos princípios fiscais elementares e, sobretudo, a incompetência da gestão não se resolvem no nível legislativo ou jurídico, por maior que seja o status de sua decisão”, diz.