Auxílio Emergencial

Fim do auxílio faz favela perder “luxo” com carne, fogo e gás em Maceió

O fim de ano será marcado por sentimentos distintos para os moradores do conjunto de…

Fim de auxílio emergencial marca aumento das dificuldades de moradores pobres de Maceió (Imagem: Beto Macário/UOL)

O fim de ano será marcado por sentimentos distintos para os moradores do conjunto de favelas Mundaú, na orla lagunar de Maceió. Se por um lado, em 2020 as famílias conviveram com o medo de contraírem covid-19, por outro tiveram acesso a uma renda inédita graças ao valor pago pelo auxílio emergencial.

Caso não haja uma mudança até lá, janeiro vai marcar o retorno dos pagamentos do programa Bolsa Família, e com ele uma triste realidade: diminuem as chances de poder comer carne ou frango todo dia e de cozinhar com gás de cozinha.

“Carne? Só se for de cavalo ou se eu matar um gato desses [soltos na favela]. Vou voltar ao ovo de novo”, conta Lucileide Ferreira, 43, que mora em um barraco no local com quatro filhos e uma neta.

Lucileide Ferreira, 43, prêvê dias dias complicados com o fim do auxílio emergencial (Imagem: Beto Macário/UOL)

Lucileide Ferreira, 43, prêvê dias dias complicados com o fim do auxílio emergencial (Imagem: Beto Macário/UOL)

Lucileide já tem ciência que voltará a receber R$ 325 do Bolsa Família. No último dia 16, ela recebeu a última parcela do auxílio emergência no valor de R$ 600. Até setembro, esse valor era R$ 1.200.

“Até a galinha que estava mais barata agora aumentou, passou para R$ 9 o quilo. Por esse preço sei que não vou poder comprar”, diz.

O programa Bolsa Família atendia, até março, 14 milhões de famílias no país, com um pagamento médio de R$ 190 a cada uma delas. Metade desses beneficiários são famílias que moram no Nordeste. Em abril, essas famílias passaram a receber R$ 600 ou R$ 1.200 de auxílio emergencial, que depois foi cortado pela metade.

O auxílio emergencial é a única renda para 36% das famílias brasileiras que receberam pelo menos uma parcela do benefício neste ano, segundo pesquisa Datafolha realizada de 8 a 10 de dezembro.

“Eu não tenho mais fé em ninguém da política, para ser bem sincera. Sai um ruim, entra um pior. Para mim não vejo futuro. Não acredito que esse presidente vai dar mais”, avalia Lucileide.

Pesca ajuda

Moradores do conjunto de favelas Mundaú em Maceió (Imagem: Beto Macário/UOL)

Na comunidade o que não faltam são histórias de pessoas que melhoraram de vida e agora terão de se readaptar à vida financeira que tinham antes da pandemia.

“Quando o bujão de gás acabar, vou voltar ao fogo à lenha porque não vou ter R$ 80 para pagar um novo”, completa Laura Maria, 22, mãe de dois filhos e que mora em um pequeno barraco.

Laura Maria lembra bem do valor do último Bolsa Família que recebeu em abril: R$ 148. “Não dá pra muita coisa. Com essa redução [de R$ 1.200 para 600, em setembro] eu já tive de parar de comer carne —porque ela aumentou demais— e passei a comer só frango. Agora nem frango vai dar mais, com sorte vai ter salame”, diz.

Por ser na beira da lagoa Mundaú, a favela ainda consegue aliviar a fome comendo peixe ou sururu pescados no local. ONGs também fazem doações no local e ajudam os moradores.

“Agora vai voltar os dias de viver da assistência. Esse valor [do Bolsa] só não dá para sobreviver”, conta.

“Vida decente”

O pescador Cícero Alves dos Anjos, 59, mora só e também lamenta a queda de renda que terá: ele recebia R$ 89 de Bolsa Família e recebeu parcelas de R$ 600 e R$ 300 de abril para cá.

“É muito ruim voltar essa realidade depois de a gente ver que pode ter uma vida decente. Bem que o governo poderia continuar, ajudava demais”, afirma.

Na casa em frente onde Cícero consertava sua rede de pesca, Daniela Santos, 31, descascava o sururu e também diz temer o que virá em 2021.

“Eu ganho R$ 185 de Bolsa Família, e se não derem aumento vai mudar muita coisa. O sururu já está acabando da lagoa, nossa renda extra é muito pequena. Não sei o que será”, explica a mulher, que conseguiu realizar o desejo de comprar uma bicicleta com o valor do auxílio.

Durante a visita à comunidade, foi comum moradores perguntarem à reportagem se haveria chance do pagamento seguir em 2021.

“Para [o auxílio] ficar para sempre, esse aumento depende do presidente, é?”, questiona Mônica Maria da Silva, 41. “Não tenho renda nenhuma, e sem auxílio vou ter de voltar a cozinhar com madeira catada ou álcool”, completa a mulher, que é solteira e mora com os três filhos.

Andréa Fausto Justino, 46, moradora da favela Sururu do Capote em Maceió: “vou cortar muita coisa” (Imagem: Beto Macário/UOL)

Já Andrea Fausto Rufino, 46, comprou um ventilador e uma TV nos últimos meses. “Vou ter de cortar muita coisa, Agora a gente volta a ajudar um ao outro para sofrer menos”, finaliza.

Enquanto o ano novo não chega, o clima de Natal foi de despedida de uma vida menos sofrida.

“Tivemos uma vida de luxo. Eu preparei uma boa galinha no Natal. Agora não sei como será”, diz Lucimar Oliveira, 35.