Homenagem

História de irmã que teve vida salva por caçula é contada em voo para NY e faz sucesso nas redes

Ana Clara Assis pediu para comissário de bordo fazer homenagem à Bruna por ter doado medula e salvado sua vida há 16 anos

O milagre de ano novo da consultora de imagem Ana Clara Assis, de 28 anos, aconteceu quando ela era apenas uma menina de 12. Mas a história dela e da irmã, que tem passagens de puro heroísmo, só ficou conhecida no fim deste ano quando as duas decidiram contá-la para o mundo. Na verdade, quem contou, a pedido de Ana Clara, foi o comissário de bordo de um voo da Latam. Ele surpreendeu os passageiros e arrancou algumas lágrimas, entre risos de felicidade, ao dizer que as duas fariam uma viagem a Nova York que seria impossível se, há 16 anos, Bruna não tivesse doado a medula para salvar a irmã. 

O pacto de vida entre Ana Clara e Bruna decolou nas redes sociais. Mas, entre o início de tudo e o final feliz, muita coisa aconteceu. Diagnosticada com anemia aplástica quando criança, doença rara que inibe a produção de componentes do sangue, a consultora tinha pouquíssimas chances de encontrar um doador de medula óssea compatível entre milhões de seres humanos e uma probabilidade de apenas 7% de dar match com a própria irmã. Felizmente, deu certo.

Antes, porém, foi uma sucessão de perrengues até que Bruna se tornasse o remédio definitivo, em 2006. No último mês de novembro, ao desembarcarem na Ilha de Manhattan, juntas, como sonhavam, foi como se as duas deixassem para trás, definitivamente, um ciclo de dor para entrarem em um de “abundância”. 

— Depois da cura, ainda fiquei dois anos sem estudar porque estava zerada de imunidade e qualquer gripe poderia ser fatal. As máscaras da Covid de hoje já eram a minha realidade há uns anos. Por isso, nós duas decidimos que iríamos comemorar esse dia enquanto vivêssemos — diz Ana Clara, contando que foi assim que passaram a comemorar o “aniversário do milagre”. 

O diagnóstico do câncer chegou para Ana Clara aos 9 anos, após uma catapora com sintomas incomuns e extremamente debilitante. A opção mais simples para tentar reverter o quadro foi a quimioterapia. Foi, segundo a jovem, a época mais dolorosa: a falta de plaquetas deixava seus olhos avermelhados, dava muita ânsia de vômito e seus cabelos caíram após uma única sessão de químio. Depois desse período difícil, foram três anos livre da doença. Só que não tinha acabado e Bruna, embora caçula, virou sua protetora. 

— Eu me sentia muito fraca e feia porque sempre fui muito vaidosa. E a Bruna, antes mesmo de ser o meu milagre, já era o meu grude. Ela disse, na época, que iria raspar o cabelo para ficar igual a mim, mas eu falei que não precisava, que eu passava a mão nos fios dela e imaginava que eles estavam em mim — lembra. 

Quando a vida parecia ter voltado ao normal, apesar da ingestão de 80 comprimidos diariamente, o câncer voltou. Aos 12 anos, Ana Clara precisava de um transplante de medula óssea para viver. O desespero foi multiplicado ao saber que encontrar alguém com as mesmas características é tão raro quanto a anemia aplástica. A chance de compatibilidade entre irmãos, por exemplo, é de cerca de 30%. E se não for parente, essa probabilidade cai para uma em 100 mil. 

Para saber se duas pessoas são compatíveis, é feito o HLA (Human Leukocyte Antigen), exame de amostra simples de sangue que detecta a porcentagem da semelhança. O HLA é um dos responsáveis pela produção de proteínas que atuam no sistema imunológico e, por isso, muito importante para quem tem câncer. Com mais de cinco milhões de possíveis doadores, o Brasil tem o terceiro maior banco do mundo, o Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea). Contudo, mesmo com tantas pessoas disponíveis, atualmente, ainda há cerca de 650 brasileiros que esperam encontrar um doador não parente. Ana Clara diz que ouvir que a doença havia voltado foi “devastador”, agravado pela notícia, após os testes, de que a chance de o transplante da irmã dar certo era de apenas 7%: 

— Eu ia ter que passar por tudo de novo e agora com a pressão de encontrar um doador compatível. Meus pais conversaram com os médicos e demos início aos exames para saber se a Bruna poderia me doar. Quando descobrimos que havia poucas chances, minha mãe falou que, se elas fossem de 1%, nós tínhamos que acreditar. 

Sem saber o que a irmã tinha ao certo, Bruna, então com 9 anos, só entendia que precisava se submeter a uma bateria de exames para ajudar Ana Clara. Trabalhando hoje com mídias sociais, a jovem, atualmente com 25 anos, recorda que só queria que a irmã melhorasse para que pudessem brincar juntas de boneca fora de um quarto de hospital. 

— O que eu entendia era que a Ana Clara estava muito mal e precisava de mim. Hoje, existem outras formas de doar medula, mas eu tive que passar por uma cirurgia. Claro que tinha o medo de criança, mas meus pais falavam que seria rapidinho — resume. 

Como todo bom enredo costuma ter fortes emoções, Bruna teve duas paradas respiratórias durante a cirurgia. Atualmente, a medula pode ser transplantada num procedimento mais simples, semelhante a uma transfusão de sangue. O que viveram naquele dia, no entanto, foi de acordo com as irmãs o momento mais delicado de toda a trajetória de cura. Diante dos riscos, o pai foi chamado com urgência pelos médicos e teve que decidir se autorizava ou não que a cirurgia continuasse. Na decisão mais difícil da vida dele, assinou o termo, mesmo sabendo que poderia perder as duas filhas. 

— Eu precisava doar duas bolsas de sangue, mas como era muito pequena, não suportei. Lembro vagamente da correria do médico pedindo para chamar o meu pai porque a anestesia já estava passando. Com isso, só pude doar uma bolsa e meia de sangue, mas, graças a Deus, com medula suficiente para a minha irmã. 

Bruna, após a cirurgia, recebeu sangue da tia para se recuperar. E assim um foi ajudando o outro até que a medula começasse a “gerar vida”, expressão usada por médicos e pacientes quando tudo dá certo, o exato oposto de “a medula não pegou”. Ana Clara ficou 41 dias internada. O dia do renascimento foi 25 de outubro de 2006, quando a família recebeu a notícia dos médicos de que ela estava curada. Desde então, Ana Clara e Bruna, para além de todas as memórias e projetos futuros, passaram a compartilhar o tipo sanguíneo A+. O sangue de uma corre nas veias da outra. 

Para tornar o “aniversário do milagre” ainda mais especial Ana Clara e Bruna viajaram juntas pela primeira vez. Segundo elas, Nova York foi a cidade escolhida porque lá a “vida pulsa”. Enquanto o comissário de bordo lia a mensagem de agradecimento preparada por Ana Clara, passava um filme na cabeça de Bruna. A primeira reação de foi susto, seguida de choro e abraços apertados na irmã. 

— Foi surpresa total. Eu fiquei sem palavras, porque faria tudo de novo. A Ana sempre cuidou de mim, me tirava do berço quando ela tinha três anos para ficar do meu lado. Às vezes, nós falamos a mesma coisa, na mesma hora. Somos gêmeas quase, uma só — diz Bruna. 

Em Nova York, as duas deixaram a vida pulsar em passeios sem fim, patinaram no gelo e voaram de helicóptero. Ana Clara queria retribuir tudo que recebeu da irmã. 

— A repercussão me comoveu muito. Nós recebemos muitas mensagens, algumas tristes de pessoas que não tiveram tempo de salvar um ente querido, mas outras cheias de esperança — diz Ana Clara, que casou e também quer ser fonte de vida, gerando um filho, quem sabe, dentro de dois anos.