Consciência Negra

Homens negros têm o triplo do risco de não negros de morrer por tiro no Brasil

Relatório mostra que 80% das vítimas de homicídio por arma de fogo são negras

Homens negros têm o triplo do risco de não negros de morrer por tiro no Brasil 80% das vítimas de homicídio por arma de fogo são negras
Imagem: Agência Brasil

Homens negros têm 211% mais chance de serem mortos por arma de fogo no Brasil do que homens não negros, aponta uma nova pesquisa do Instituto Sou da Paz, divulgada nesta quinta-feira (20), no Dia da Consciência Negra. O estudo analisa mais de uma década de dados oficiais sobre homicídios e violência armada e revela um padrão que se repete ano após ano: 80% das vítimas são negras, principalmente jovens de 20 a 29 anos, mortos em sua maioria em vias públicas.

A pesquisa utiliza dados do Ministério da Saúde, cruzando registros do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), de 2012 a 2023, e notificações de agressões do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), entre 2012 e 2024. Os números mostram que, enquanto o Nordeste lidera as taxas de homicídios por arma de fogo (55,8 por 100 mil homens), o Sudeste tem o menor índice (15,3), apesar de concentrar 20% dos casos. O Sul é a única região em que a maioria das vítimas é não negra — reflexo direto do perfil demográfico.

Nos números absolutos, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro registraram os maiores volumes de mortes por arma de fogo em 2023. Mas, quando se observa a taxa proporcional, o Amapá lidera o ranking nacional.

Capitais e operações letais

Entre as capitais, Macapá, Salvador, Recife e Maceió apresentam os piores índices de mortalidade masculina por tiros. E em todas elas, sem exceção, homens negros são maioria entre os mortos.

O Rio de Janeiro, terceiro estado com mais homicídios por arma de fogo, viveu em outubro a operação policial considerada a mais letal da história do país, nos complexos do Alemão e da Penha. A ação deixou 121 mortos, segundo dados oficiais. Entre os perfis analisados pela Polícia Civil, todos os 115 civis listados eram homens, a maioria jovens e periféricos — padrão idêntico ao observado nacionalmente. O mais novo tinha apenas 14 anos.

Embora a polícia não informe a raça das vítimas, entidades e pesquisadores afirmam que a operação reflete o mesmo recorte racial que marca a violência no Brasil: a concentração de mortes entre jovens negros em territórios pobres.

Mais de 30 organizações de direitos humanos classificaram a operação como “a maior matança produzida pelo Estado brasileiro”, reforçando que ela segue uma lógica de “guerra às drogas” seletiva e racializada, que define “quem vive e quem morre” nas favelas.

Onde essas mortes acontecem

O levantamento mostra que 49% dos homicídios masculinos ocorrem em vias públicas, como ruas e becos. Residências representam apenas 11,6% dos casos. A exceção está em idosos, cuja vitimização dentro de casa cresce — mas entre jovens, predomina a violência urbana, aberta e relacionada ao território.

Violência armada não letal também é desigual

A desigualdade racial aparece até mesmo nos casos de agressões com arma de fogo que não resultam em morte. Entre 2012 e 2024, o Sinan registrou mais de 58 mil notificações desse tipo contra homens. Depois de anos em queda, o número voltou a subir e chegou a 5.605 registros em 2024 — alta de 59% em apenas três anos.

A maioria das vítimas também é negra: em 2024, 50% eram negras, contra 44% não negras.

Regiões mais afetadas

A disparidade racial é intensa em todas as regiões, mas ainda mais profunda no Nordeste — onde 90% das vítimas são negras — e no Norte, marcado por disputas entre facções, conflitos fundiários e garimpo ilegal.

O estudo reforça que, apesar de avanços pontuais, o Brasil ainda vive uma realidade em que raça continua sendo um dos principais fatores que definem quem tem maior risco de morrer por tiro.