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Imagens religiosas de ato bolsonarista feitas por IA são ‘fantasia autoritária’, diz especialista

Reportagem ouviu Eugenio Bucci, um dos principais pesquisadores de comunicação do País

Imagens religiosas de ato bolsonarista feitas por IA são 'fantasia autoritária', diz especialista Reportagem ouviu Eugenio Bucci
Foto: Twitter

VIA ESTADÃO – Antes das redes sociais começarem a repercutir as primeiras fotos dos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) na Paulista, imagens de uma avenida tomada de verde e amarelo já circulavam na manhã deste domingo (25). Além da multidão, entretanto, também estavam representados anjos iluminados descendo do céu e uma figura mítica do que parece ser um cavaleiro em uma armadura, com asas abertas e empunhando uma espada.

As figuras, míticas ou religiosas, sempre no topo. O povo, abaixo. A posição hierárquica não é coincidência, segundo Eugenio Bucci, professor da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores pesquisadores de comunicação do País e colunista do Estadão.

“Existe uma espécie de nostalgia do autoritarismo, que tem a ver com ressentimento, com ódio direcionado contra o sistema político, com uma ideia de que a violência é mais eficiente na gestão dos assuntos públicos. Tudo isso se combina na produção dessas imagens”, disse o professor.

Apesar de criadas por IA, as imagens retomam um imaginário que há muito é evocado na história do País, explica o professor. “Muita gente fala que esses movimentos evocam uma certa nostalgia da ditadura militar, mas, algumas vezes, são ordens autoritárias já anteriores”, disse Bucci, que aponta similaridades entre as imagens bolsonaristas e o que chama de “soluções de poder” preconizadas por passagens bíblicas do Velho Testamento e utilizadas também por Getúlio Vargas durante o Estado Novo.

Para o especialista, não é a tecnologia que preocupa, mas, sim, “o que aparece como sintoma”. “Essa aproximação da força com o sagrado, da batina com a farda e do quartel com a igreja não é nada nova, é uma fantasia infantil e retrógrada”. Segundo Bucci, o que se expressa nesse “desejo coletivo” é a ideia de um povo que quer receber ordens ou “uma massa sedenta de servidão”.

“É importante ter em mente que a tirania, para funcionar, precisa de obediência, e a democracia, de dissidência. A democracia é mais forte quanto mais as ideias se diversificam e se testam entre si.” Para Bucci, as imagens remontam “massas obedientes e felizes”, altamente hierarquizadas e padronizadas, submissas a um líder, uma figura “paterna” que as “abençoa” e que isso provoca um peso no imaginário social coletivo.

“São movimentos que, quando contestam a ordem, o fazem reivindicando uma autoridade ainda mais truculenta, que foi o que vimos no 8 de Janeiro: um movimento que quebra os Palácios para contestar a fraqueza dos Palácios”, afirmou.

Tecnologias dão brecha para divulgação de ‘fantasias’
Segundo Bucci, o acesso facilitado à tecnologia não é necessariamente o que causa esse tipo de clamor traduzido em imagens, uma vez que as mais antigas eram ilustrações desenhadas à mão. “A brecha da tecnologia deixa escapar o que já está aí, o saudosismo a esse passado autocrático, monocrático e teocrático”.

O professor acredita, contudo, que a produção de conteúdos visuais por IA vão ter papel determinante no processo político nas eleições municipais de outubro. “O debate será menos racional e mais passional. A construção dessas imagens de fantasia terão um peso grande, muitas vezes se valendo de mentiras.”

Para o doutor em Direito pela USP e diretor-executivo do InternetLab, uma das principais entidades de pesquisa em Direito e Tecnologia, Francisco Brito Cruz, existem certos tipos de “travas” nas ferramentas mais famosas de geração de imagens contra o uso político ou com imagens de pessoas reais. Porém, a limitação se torna mais difícil com direcionamentos menos específicos para a IA.

“Você pode até limitar prompts (‘ordem’ para a IA executar uma tarefa) que falem explicitamente para colocar o Bolsonaro ou o Lula na imagem, mas uma imagem como essa, se você ler o prompt, você só entende que é profundamente político se souber o contexto do dia do Brasil e mais algumas coisas”, explicou Cruz.

Por esse motivo, segundo o especialista, limitar o “uso político” dessas plataformas é muito mais complexo do que parece.

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