MISTÉRIO DA MEDICINA

Jovem sente dores no estômago e descobre que só tinha 16% de coração: ‘Estava parando de funcionar’

Jhonatan De Martine, de 29 anos, tinha uma vida saudável quando descobriu que precisaria fazer um transplante de órgão; processo durou três meses

O publicitário Jhonatan De Martine, de 29 anos, tinha uma vida saudável quando descobriu que precisaria fazer um transplante de coração (Foto: reprodução/Freepik)
O publicitário Jhonatan De Martine, de 29 anos, tinha uma vida saudável quando descobriu que precisaria fazer um transplante de coração (Foto: reprodução/Freepik)

O publicitário Jhonatan De Martine, de 29 anos, tinha uma vida saudável: ele fazia exames de rotina com frequência e praticava exercícios físicos regularmente. Ao testar positivo para Covid-19, em setembro do ano passado, teve sintomas leves e uma recuperação tranquila. E, no momento em que as coisas mudaram, os sinais foram sutis. Por isso mesmo, foi uma surpresa quando descobriu que tinha apenas 16% do coração funcionando.

Morador de São Paulo, ele voltava de uma festa, em janeiro deste ano, quando começou a sentir dores no estômago e dificuldade para respirar. Chegou a ir ao médico, sem desconfiar que o problema era no órgão, tomou remédios e foi para casa. Três dias depois, porém, as dores voltaram, e ele precisou ir mais uma vez ao hospital. Foi quando começou uma jornada de três meses com tratamentos intensivos que terminou com um transplante de coração.

Após a internação, os médicos começaram a tentar identificar o que havia ocasionado a lesão. Quando fizeram uma ressonância magnética, viram que o coração de Martine havia aumentado e cicatrizado desta forma, de modo que não seria capaz de voltar ao normal. Na época com 28 anos, ele foi encaminhado ao Instituto do Coração (Incor) e ouviu que “não havia mais o que fazer”. Já era um caso avançado de transplante – e ninguém sabia a causa.

– Até hoje não sabemos o que aconteceu, é um grande mistério. Sei que foi uma situação rara e grave. O meu coração era saudável, eu não bebia e fumava – disse ele ao GLOBO. – Existem algumas teorias, sendo a principal delas a de que foi uma sequela pós-Covid. Fizeram estudos sobre, mas nada conclusivo. Eu percebia um desespero para me colocar na fila do transplante e não entendia o porquê.

‘Meu coração estava parando de funcionar’

Sem respostas para a causa do problema, Martine passou por alguns testes para descobrir se ficaria bem sem o auxílio das medicações, mas não teve sucesso em nenhum deles. De acordo com ele, bastava retirar ou diminuir os remédios para voltar a apresentar um quadro crítico. Em maio, o paulista entrou na terapia intensiva e precisou utilizar um balão intra-aórtico para ter mais suporte na circulação sanguínea.

– Nesse momento eu melhorei muito e fiquei quase um mês sem sintoma nenhum, mas era uma terapia que eu não podia sentar, porque o balão entra pela virilha. Era muito solitário, eu não via ninguém por causa da pandemia. A forma que encontrei para lidar com isso foi escrever e contar essa história – afirmou ele, que também fez uma pausa para ressaltar: – Mas com bom-humor, porque não queria que as pessoas tivessem dó.

Mais de sete corações foram rejeitados

Além de encontrar nas palavras uma forma de expressar o que sentia, o objetivo do publicitário também era mostrar o dia a dia na UTI. Segundo ele, antes de ter sido internado nunca havia imaginado como era a rotina de uma pessoa que esperava por um coração ou um transplante, de modo geral. Mais novo entre os pacientes, não demorou muito para que ele também passasse a descrever a frustração ao aguardar a cirurgia que definiria sua vida.

– Um transplante de coração tem várias etapas, mas uma delas é que o paciente tem que ter morrido de morte encefálica, o coração deve estar batendo. Depois, é preciso ver o tamanho do coração. Tem que ser alguém com mais ou menos o mesmo peso, altura e tipo sanguíneo. Nessa história, eu tive sete ofertas rejeitadas, sendo a maioria porque os exames já não estavam bons.

Na oitava vez, no entanto, tudo parecia dar certo. Era dia 5 de abril quando ele foi acordado às 7 da manhã e avisado que deveria ligar para a família. Teve o sangue coletado e foi depilado pela equipe médica. Foi só pouco tempo antes de ir para a sala de cirurgia que ele soube da notícia: o hospital de onde vinha o doador não havia feito o teste de Covid-19 no paciente. Ao realizar o procedimento, o resultado positivo mudou todo o rumo da operação.

– Eles falaram que não iam transplantar um coração com Covid em uma pessoa tão jovem, porque ainda não sabiam os efeitos que isso poderia ter. Foi um soco na boca do meu estômago, e, dali para frente, teve toda uma questão psicológica. Eu piorei muito e já estava com todas as doses de remédio no máximo. Quase morri, meu médico conversou comigo e disse que eu estava com uma bactéria hospitalar no corpo.

Uma semana mais tarde, no dia 12, o mesmo preparo ocorreu, mas desta vez ele decidiu não contar para ninguém da família para não dar “falsas esperanças”. A mãe, afirmou, é idosa e também estava na fila de transplante, aguardando por um rim. Mas, ao contrário do que ele havia imaginado, desta vez a operação foi um sucesso, e, posteriormente, a recuperação também. Agora, ele já voltou ao trabalho, aos exercícios e até começou a namorar.

– Era paradoxal, porque eu queria ficar vivo, mas, para isso, eu tinha que torcer para alguém morrer. Um dia, conversando com uma amiga, ela disse que eu não estava torcendo para isso. Na verdade, eu torcia para que a morte não fosse em vão. Não sei quem é o doador, porque o Incor não dá informações, mas, quem quer que seja, essa pessoa mudou a minha vida — disse.

Entre os aprendizados, Martine destaca o “choque de realidade”. Isso porque, antes, ele ainda nutria o sentimento de vida eterna, que definiu como uma “ideia adolescente”. Ao se deparar com a brevidade da vida, porém, repensou o que definia como prioridade. Hoje, uma boa noite de sono e os momentos de contemplação na natureza são, para ele, apreciados como motivos para ser feliz.

– A primeira vez que vi um pôr do sol de novo eu chorei. A cada dia que eu acordava e não estava cheio de tubos e coisas ligadas ao meu corpo, eu olhava pela janela, via pessoas andando na rua e via que o mundo ainda existia. É bonito ver as pessoas dando risada, se abraçando, confraternizando. Ter olhado para a morte de uma maneira tão direta e crua também me fez perceber o como temos que aproveitar cada momento — concluiu.