"SURREAL"

MPF diz que governo não tem intenção de combater garimpos e critica Salles

Ministro do Meio ambiente se reuniu com garimpeiros em Jacareacanga (PA), município onde ocorriam as operações de fiscalização no Pará

MPF diz que governo não tem intenção de combater garimpos e critica Salles
Eduardo Bim foi o responsável por liberar a exportação de madeira de origem nativa, sem a necessidade de uma autorização específica (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

O Ministério Público Federal no Pará criticou suspensão das operações de combate a garimpos ilegais na Terra Indígena Munduruku, no Oeste do Pará, anunciada nesta quinta-feira pelo Ministério da Defesa após protestos de garimpeiros ontem. Em documento obtido pelo GLOBO, o MPF classificou a situação como “surreal” e ainda criticou a reunião entre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com garimpeiros em Jacareacanga (PA), município onde ocorriam as operações.

A suspensão das operações foi anunciada um dia após um grupo de garimpeiros protestar e pedir ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que elas fossem suspensas. Salles esteve na quarta-feira em Jacareacanga fazendo sobrevoos na região em que fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) atuavam.

Os garimpeiros invadiram o aeroporto da cidade e impediram a decolagem de uma aeronave militar que dava suporte à operação. Um dia depois, o Ministério da Defesa, que coordena a operação Verde Brasil 2, disse que as operações na TI Munduruku haviam sido suspensas porque as atividades estavam em “reavaliação” e que traria uma comitiva de representantes da região para uma reunião em Brasília.

Em um trecho do documento, os procuradores dizem que a postura da União revela que ela não tem “interesse” em coibir os garimpos.

“A postura da União, por meio de seus agentes, demonstra que não há interesse em coibir, voluntariamente, a prática da garimpagem ilegal e inconstitucional na Terra Indígena Munduruku”, diz a manifestação.

Em um trecho da manifestação, os procuradores classificam a suspensão das operações de combate a garimpos na TI Munduruku como uma situação “surreal”.

“Por mais incrível e surreal que pareça, a União, que tem o dever de preservar o meio ambiente, após o encontro do Ministro com os indígenas, interrompeu a Operação Verde Brasil 2 na TI Munduruku e ainda levou os infratores confessos em seu avião para Brasília, onde participarão de reunião para discutir a possibilidade de realização de prática vedada na Constituição Federal”, diz a manifestação.

O documento ao qual O GLOBO teve acesso é uma manifestação feita pelo MPF e entregue à Justiça Federal do Pará durante a realização de uma audiência de conciliação. Uma decisão judicial obrigou o governo a realizar ações de combate a garimpos ilegais em diversas terras indígenas, entre elas a Munduruku.

Após a notícia da suspensão das operações, os procuradores classificaram a audiência marcada para hoje como “inócua”.

Críticas a Salles

Os procuradores também criticaram a postura de Salles durante sua viagem a Jacareacanga, na quarta-feira. Ele sobrevoou as clareiras abertas pelos garimpos ilegais e, ao chegar à cidade, foi recebido por um grupo de garimpeiros que pediram a suspensão da operação. No local, ele defendeu que a mineração em terras indígenas fosse discutida “de forma aberta”.

Na avaliação dos procuradores do MPF no Pará, a reunião de Salles com os garimpeiros aconteceu ao “arrepio das leis”.

“No encontro, o representante máximo do órgão ambiental realizou articulação política, ao arrepio das leis ambientais e da Constituição Federal, com os garimpeiros acerca da possibilidade de exercício da atividade garimpeira em Terras Indígenas”, diz um trecho do documento enviado à Justiça Federal.

“Após ouvir o discurso que reconhece a prática de infrações ambientais, o Ministro do Meio Ambiente manifestou-se em apoio aos infratores”, diz outro trecho documento, mencionando a declaração de Salles na ocasião.

— Esse debate, essa discussão precisa ser feita. A vantagem de você tá aqui no meio de televisão, de jornais etc., é poder falar diretamente pras pessoas, pessoas de outras regiões do Brasil e de outros países do mundo, que querem saber do povo indígena, afinal de contas, tão impondo a vocês essa questão do garimpo ou são vocês mesmos que querem — disse Salles

Na avaliação dos procuradores, a ida de Salles a Jacareacanga não teve o objetivo de combater os garimpos na região, mas apenas o de passar uma imagem positiva à opinião pública nacional e internacional.

“A ida do Ministro Ricardo Salles à região não teve por objetivo combater a prática do garimpo ilegal, mas apenas passar a imagem de que estão sendo tomadas medidas para proteção da Amazônia, como forma de resposta à pressão econômica nacional e internacional de investidores e ambientalistas”, diz o documento.

A reportagem pediu posicionamentos sobre as críticas feitas pelo MPF ao Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Defesa e ao vice-presidente Hamiltou Mourão, que preside o Conselho da Amazônia. Até o momento, nenhuma resposta foi enviada.