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Pastora acusada de escravizar criança indígena em Goiânia é absolvida pela Justiça Federal

Uma pastora, moradora da cidade de Goiânia, foi absolvida pela Justiça Federal da acusação de…

Uma pastora, moradora da cidade de Goiânia, foi absolvida pela Justiça Federal da acusação de utilizar o trabalho escravo de uma criança indígena. O juiz responsável pela decisão, Alderico Rocha Santos, entendeu que não havia provas suficientes para a condenação da ré.

No processo movido pelo Ministério Público Federal (MPF), consta que entre maio de 2009 e novembro de 2010, a menor, abrigada na casa da ré aos 11 anos, era obrigada a realizar trabalhos domésticos forçados, degradantes e com jornada excessiva. Ela seria obrigada a cumprir tarefas como cozinhar, passar roupas e lavar banheiros (utilizando materiais perigosos para sua idade), o que teria prejudicado sua frequência e desempenho escolar.

Além das tarefas domésticas, consta que a menina também foi obrigada a entregar panfletos da igreja onde a ré trabalhava, mesmo debaixo de chuva. A acusação apontou também que a vítima não tinha autorização para períodos de descanso ou de lazer, que era tratada pejorativamente como “mucama” e que, frequentemente, era vista com hematomas pelo corpo.

O caso chegou à tona do MPF por meio das professoras da indígena, que teriam percebido que ela sempre aparentava cansaço e indisposição. Foram elas, também, quem notaram os sinais de agressão a que ela estaria sendo submetida, que incluíam cintadas, beliscões e puxões de orelha.

Ao analisar o caso, o juiz considerou que não havia provas suficientes para a condenação da pastora. Para sua decisão, ele baseou-se em depoimento da própria menina, que afirmou em juízo que não realizava serviços domésticos aos fins de semana e que a ré costumava levá-la para passear.

A garota declarou também que não havia privação de comida, sendo que ela costumava se alimentar junto à família que a abrigava. Além disso, ela disse que as filhas da pastora também costumavam realizar tarefas domésticas e que a mais velha delas permitia que ela usasse seu computador.

Sobre os castigos aplicados à menina, que incluiriam surras com um “cinto ungido”, Alderico alegou que “ainda que questionáveis quanto ao critério de correção”, não é possível concluir que as agressões “tenham sido fatores de submissão total ou, ainda, que constituíram limitação à liberdade de locomoção e de trabalho da menor”.

Para o juiz, ao afirmar que ia à escola mesmo contra uma suposta ordem da acusada, como mencionou em Juízo, a menina “demonstrou também que não se encontrava em situação de total sujeição, como imputado na denúncia”. Ele também apontou que documentos apresentados demonstraram que, no período em que esteve sob a guarda da ré, a indígena teria faltado somente no mês de agosto.

Alderico interpretou as ausências como reflexo da tristeza e da saudade que a menor afirmou sentir depois de ter sido obrigada pelo pai a voltar para a casa da acusada após o período de férias. “Se a menor foi obrigada a retornar para a casa da acusada para terminar os estudos, este pode ter sido também um fator determinante para sua desmotivação nas aulas do mês de agosto/2010”, disse o juiz.

Conforme a mãe da vítima, menor foi acolhida na casa da acusada, a pedido do pai, para que pudesse “estudar e aprender sobre religião”.

Alderico acrescentou que “as informações apresentadas pela mãe da menor, sobre como é a realidade da criança indígena, esclarecem por que a menor não teria se habituado às atividades comezinhas de uma vida urbana”. O juiz salientou que a própria criança pontuou que “quando ela ficava quieta, sem fazer nada, ela [a acusada] ficava brava”. “Sobreleva considerar que, para uma pessoa que não tenha o trabalho por hábito, qualquer atividade que se lhe imponha, mesmo que para a conservação da própria higiene, será um fardo”, consta na decisão.

Por fim, o juiz ressaltou que “a realidade da menor no próprio contexto indígena é que pode tê-la levado a uma vida adulta prematura, pois, conforme informação apresentada pela mãe, Eugenia retornou para a tribo e, com idade de 13 (treze) anos, já se encontrava casada e ‘com criancinha'”.