Por que o peru é o prato típico de Natal em vários países? Confira
Resposta passa por história, religião e até literatura
Quando pensamos nas festas de fim de ano, uma pergunta curiosa sempre aparece: por que o peru é o prato típico de Natal em vários países e acabou se tornando símbolo da data? A resposta passa por história, religião, mudanças sociais e até literatura — e está longe de ser simples.
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Antes do peru, havia banquetes ainda mais extravagantes
Em 25 de dezembro de 1406, muito antes de o peru ganhar espaço nas mesas natalinas, o bispo de Salisbury, no Reino Unido, Richard Mitford, celebrou o Natal com um banquete que mais parecia um zoológico. Apesar de considerar a refeição “modesta”, apenas 97 pessoas foram convidadas.
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O cardápio incluía metade de uma vaca, carneiros, porco, javali, coelhos, cisnes, patos, galinhas-d’água, capões, marrecos e até aves hoje pouco conhecidas. Como o Natal caiu em um sábado — dia religioso que exigia abstinência de carne — também foram servidos peixes, enguias, ostras e caracóis.
Na época, não existiam garfos nem pratos individuais. Os alimentos eram cortados e colocados sobre grandes fatias de pão chamadas trenchers. “Era uma grande cerimônia. Alimentos nobres sendo exibidos”, explica Chris Woolgar, professor emérito de história da Universidade de Southampton.
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Curiosamente, em meio a tanta variedade, não havia peru assado. Isso porque a ave ainda não fazia parte da alimentação europeia.

O impacto da Peste Negra na alimentação
Segundo Woolgar, antes da Grande Peste, no século 14, a maioria da população vivia à base de cereais, pães e mingaus. Carne era rara e reservada aos mais ricos. A pandemia, porém, matou entre 30% e 40% da população mundial, mas não dizimou os animais.
“O equilíbrio mudou completamente. Havia mais comida disponível”, explica o historiador. Com isso, o consumo de carne aumentou, especialmente em datas comemorativas como o Natal, quando todos queriam comer como nobres.
A chegada do peru à Europa
O peru, originário da América Central, chegou à Inglaterra por volta de 1526, trazido por William Strickland, um jovem proprietário de terras que teria comprado aves de comerciantes nativos americanos. Décadas depois, o rei Eduardo 6º permitiu que Strickland incluísse um peru no brasão da família — a primeira representação da ave no mundo ocidental.
Escavações arqueológicas em Exeter, no sul da Inglaterra, reforçam essa história. Ossos de peru encontrados ao lado de cerâmicas sofisticadas indicam que a ave era consumida em banquetes da elite já entre 1520 e 1550.
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Inicialmente, o peru era um artigo de luxo, apreciado por ser exótico, grande e ideal para alimentar muitas pessoas — características perfeitas para celebrações.
A associação do peru com o Natal
A ligação do peru com o Natal aconteceu quase naturalmente. A ave atinge o tamanho adulto no outono e costuma ser abatida no inverno no hemisfério norte. Registros indicam que o rei Henrique 8º já comia peru nas festas natalinas pouco depois de sua introdução no país.
Mesmo assim, por séculos, o prato principal mais comum no Natal europeu foi o ganso assado. O peru só ganharia protagonismo mais tarde.

Charles Dickens e a popularização do prato
O ponto de virada veio com o escritor Charles Dickens. Em Um Conto de Natal, publicado em 1843, o personagem Ebenezer Scrooge se redime ao comprar um enorme peru para presentear seu funcionário no dia de Natal.
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A obra teve enorme impacto cultural e ajudou a consolidar a imagem do peru como símbolo de generosidade, fartura e espírito natalino. A partir daí, a ave passou a ser cada vez mais associada às festas de fim de ano.
Produção em massa e acesso popular
Apesar da fama, o peru só se tornou acessível ao grande público no século 20. A partir da década de 1920, avanços na agroindústria reduziram custos e aceleraram a criação das aves, que passaram a crescer mais rápido e atingir tamanhos maiores.
Nos anos 1930, o peru superou outros assados e se consolidou como o prato típico de Natal em vários países, inclusive fora da Europa, como nos Estados Unidos e no Brasil.
O futuro do peru no Natal
Hoje, o peru de Natal ainda reina soberano, mas esse cenário pode mudar. Em algumas partes do mundo, a ave começa a ser vista como animal de estimação, conhecida por ser sociável, carinhosa e até “brincalhona”. Celebridades já defendem a adoção em vez do consumo.
Assim como as mesas medievais repletas de carnes exóticas ficaram no passado, o reinado do peru pode não ser eterno. Por enquanto, porém, ele segue firme como o grande símbolo da ceia de Natal em diversos países.