STF: Gilmar e Dino votam contra marco temporal de terras indígenas
Supremo já havia derrubado tese em 2023, mas Congresso aprovou lei em reação
Os ministros Gilmar Mendes e Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), votaram contra o marco temporal de terras indígenas, ao analisar a constitucionalidade da lei 14.701/23. Os votos foram apresentados nesta segunda-feira (15), no plenário virtual da Corte, em julgamento que segue aberto até a próxima quinta-feira (18).
Relator das ações, Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade de trechos da lei que reinstauraram o marco temporal — tese segundo a qual só teriam direito à demarcação os povos indígenas que ocupavam as terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Em voto com 228 páginas, o ministro afirmou que a norma aprovada pelo Congresso é desproporcional, não garante segurança jurídica e impõe efeitos retroativos que atingem comunidades indígenas sem documentação formal de ocupação.
Gilmar também propôs que o Supremo fixe um prazo de dez anos para que a União conclua todos os processos de demarcação pendentes no país. Segundo ele, a omissão estatal no tema se arrasta há décadas e precisa ser enfrentada de forma estrutural. “Nossa sociedade não pode conviver com chagas abertas séculos atrás que ainda dependem de solução nos dias de hoje”, afirmou o ministro em seu voto.
O julgamento ocorre no contexto de um embate institucional entre os Poderes. Em 2023, o STF já havia derrubado o marco temporal por 9 votos a 2, em decisão relatada pelo ministro Edson Fachin. Como reação, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei restabelecendo a tese, derrubando vetos presidenciais. A nova lei acabou sendo questionada novamente no Supremo por partidos políticos e entidades representativas dos povos indígenas.
Ao acompanhar o relator, o ministro Flávio Dino também votou contra a aplicação do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Dino, no entanto, apresentou ressalvas pontuais, defendendo a ampliação do rol de dispositivos da lei 14.701/23 considerados inconstitucionais e sugerindo a prorrogação do prazo para o cumprimento das medidas destinadas a superar a omissão da União no processo de demarcação.
Além do marco temporal, Gilmar Mendes analisou dispositivos da lei que tratam do uso econômico das terras indígenas. O texto legal autoriza atividades econômicas, como turismo, desde que realizadas pela própria comunidade e com benefícios coletivos. Segundo o ministro, essas atividades são permitidas desde que respeitem os usos, costumes e tradições dos povos indígenas, sendo possível a celebração de contratos com não indígenas, desde que preservada a autodeterminação das comunidades.
O julgamento ocorre no plenário virtual do STF, modalidade em que os ministros depositam seus votos sem debate presencial. Até o encerramento, os magistrados ainda podem apresentar novos votos, pedir vista (mais tempo para análise) ou solicitar destaque, o que levaria o caso ao plenário físico.
O que está em julgamento no STF?
A ADC 87, apresentada pelos partidos Progressistas, Republicanos e PL, pede que o Supremo reconheça a constitucionalidade integral da lei 14.701/23, especialmente dos dispositivos que haviam sido vetados pelo presidente da República e posteriormente restabelecidos pelo Congresso.
Já as ADIns 7.582, 7.583 e 7.586, propostas por entidades indígenas e partidos políticos, questionam diversos pontos da norma. As ações alegam inconstitucionalidades formais e materiais, violação aos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, afronta à vedação do retrocesso em direitos fundamentais e desrespeito a tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.