JURISTA

Desembargador extrapolou limites ao visitar lixão de Goiânia com Mabel, diz especialista

Magistrado fez comentários elogiosos

Desembargador extrapolou limites ao visitar lixão de Goiânia com Mabel, diz especialista
Desembargador extrapolou limites ao visitar lixão de Goiânia com Mabel, diz especialista (Foto: Prefeitura de Goiânia)

Durante vistoria ao lixão de Goiânia, guiada pelo prefeito Sandro Mabel (União Brasil), o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), Maurício Porfírio, fez comentários elogiosos ao gestor. O magistrado, que julga um recurso que trata da operação do local, não poderia se manifestar em meios de comunicação em processo que irá analisar, conforme um advogado constitucionalista que preferiu manter o anonimato.

Sobre a fala, o desembargador disse que “nós precisamos nos orgulhar do que fazemos e condenar aquilo que erramos. É importante prestar contas, como o prefeito está fazendo hoje, porque isso melhora a gestão pública e fortalece a confiança da população. Minha admiração vai para os políticos que deixam seus interesses pessoais para servir ao bem comum. Assim como no Judiciário, temos que reconhecer quem realmente trabalha pelo coletivo”.

Conforme o jurista, “a situação descrita do magistrado envolve a intersecção de vários princípios e normas fundamentais para o exercício da função judicial, principalmente os deveres de imparcialidade, prudência e decoro. Ele, inclusive, dividiu a análise em três pontos. No primeiro, a vedação de manifestar opinião sobre processo pendente. “O Art. 36, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman – Lei Complementar nº 35/1979) é claro ao proibir que o magistrado manifeste, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem.”

Para ele, a declaração do magistrado pode ser interpretada como uma opinião positiva sobre a administração do local objeto do recurso que ele próprio irá julgar. “Embora não seja um comentário direto sobre o mérito técnico-jurídico do processo (como a legalidade de uma licença ambiental, por exemplo), é um elogio à gestão de uma das partes envolvidas (o poder público municipal, representado pelo prefeito). Essa manifestação, especialmente em um contexto público, pode ser vista como uma antecipação de juízo de valor favorável a uma das partes, o que a lei busca coibir.”

Em seguida, ele aponta o dever de imparcialidade, que é “a pedra angular da justiça”. “O Código de Ética da Magistratura Nacional, em seu Art. 8º, define que o magistrado imparcial ‘evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito’. Na visia guiada pelo prefeito, que é parte interessada no resultado do julgamento, somada a um elogio público à sua gestão, cria uma percepção de proximidade e favoritismo, conforme o advogado. Ele diz, ainda, que, para a outra parte no processo, a cena pode gerar uma fundada desconfiança sobre a isenção do julgador.

No terceiro ponto, ele destaca “prudência, decoro e dignidade da função. “O Código de Ética também exige que o magistrado se comporte com prudência, dignidade e decoro, mantendo uma conduta irrepreensível na vida pública e particular. O Art. 37 veda procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”, inicia. Sobre isso, ele afirma que “a prudência recomendaria ao desembargador se abster de participar de um evento público com uma das partes de um processo sob sua relatoria. Aceitar o convite e, ainda mais, fazer declarações elogiosas, pode ser considerado um ato imprudente, que expõe a si mesmo e o Poder Judiciário a questionamentos sobre sua integridade e isenção”.

Por fim, ele trata da inspeção judicial contra a visita convidada. Para ele, é importante diferenciar a primeira, que é um ato processual formal previsto em lei, onde o juiz vai a um local para esclarecer fatos do processo (geralmente acompanhado por peritos e pelas partes), de uma visita a convite de uma das partes. “A situação descrita não parece ser uma inspeção judicial formal, mas sim um evento de relações públicas promovido pelo prefeito, o que agrava a questão da parcialidade.” Assim, ele enfatiza que a “a conclusão que podemos chegar é que a conduta do desembargador Maurício Porfírio, ao visitar o aterro sanitário a convite do prefeito e tecer comentários elogiosos à sua gestão, sendo ele o julgador de um recurso sobre a operação do local, representa uma violação dos deveres de imparcialidade, prudência e da vedação de manifestar opinião sobre processo pendente”.

E ainda: “A parte que se sentir prejudicada pela conduta do magistrado pode arguir sua suspeição, que é uma das causas de afastamento do juiz do processo, com base no Art. 145 do Código de Processo Civil. A suspeição ocorre quando há motivos para duvidar da imparcialidade do juiz, como ser ‘amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados’ ou ‘interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes’. O comportamento descrito pode ser usado para fundamentar tal alegação.”

Vale lembrar que, em meados do mês passado, decisão liminar da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual determinou o desbloqueio da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) no Sistema de Manifesto de Transporte de Resíduos de Goiás (MTR-GO), permitindo que a empresa retome a gestão e uso do lixão. A restrição havia sido imposta pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), por meio de seus superintendentes.

Anteriormente, a secretária Andréa Vulcanis disse que ficou impossível reverter o lixão de Goiânia à condição de aterro sanitário, com licença ambiental. Ela também detalhou o relatório de fiscalização concluído em abril por técnicos da Semad no local, que indicou o completo descumprimento de normas ambientais.

Saiba o que ela falou AQUI.