ANIVERSÁRIO DA CAPITAL

Goiânia completa 92 anos em meio a um centro histórico que pede urgência na revitalização

Setor Central ganha fôlego à conta-gotas, mas segue à espera de um renascimento que vá além do discurso

Revitalização do centro segue à passos lentos enquanto Goiânia completa 92 anos (Foto: Jucimar de Sousa)

Ao completar 92 anos nesta sexta-feira (24), Goiânia se depara com um velho dilema: o coração da cidade, onde tudo começou, continua pedindo socorro. O Centro histórico, que já foi símbolo da modernidade e do traço Art Déco, hoje sofre com o esvaziamento, a degradação das fachadas e a ausência de moradores, apesar de esforços sucessivos da gestão municipal, que volta e meia são paralisados seja por falta de articulação política, vontade ou até mesmo interesse.

O prefeito Sandro Mabel (UB) reconhece o problema e tenta transformar o discurso em ação. “Nós precisamos entender que o Centro não é mais Centro. É um bairro abandonado que se chama Centro. Temos de pegar um bairro abandonado e colocar a população de volta. Não existe centro sem gente”, disse ao Mais Goiás.

De acordo com Mabel, a aposta da gestão é estimular a moradia na região em parceria com a iniciativa privada. “Estamos trabalhando junto com as empresas de construção civil para fazer grandes projetos. Já há uma corrida por terrenos. Fizemos pequenas experiências e a EBM veio com dois empreendimentos, outros estão elaborando projetos. Quando tivermos 5, 10 torres, o supermercado vai para lá, a farmácia, o comerciante vê oportunidade”, afirmou.

O prefeito também promete requalificar o espaço urbano e investir em mobilidade. “Nós liberamos a Rua 8, você vê o sucesso que ela está hoje. Agora vamos revitalizar a Anhanguera e todos os canteiros centrais, em parceria com a RMTC. Também vamos trabalhar na Avenida Goiás para trazer lojas, bares e restaurantes”, afirmou, fazendo referência a um projeto da vereadora Aava Santiago (PSDB), que promoveu o fechamento da via aos finais de semana, estimulando a cultura e o lazer.

Comércio resiste e pede apoio

Para o presidente da Associação Comercial e Industrial do Centro, Antônio Filho, o bairro ainda tem vitalidade, mas precisa de políticas que valorizem quem permanece. “O esvaziamento é natural nos centros das grandes cidades, mas Goiânia ainda tem uma grande vantagem: mobilidade e preço acessível. O Eixo Anhanguera e o BRT trazem público, e há uma nova geração de lojistas que entendeu o perfil desse consumidor”, explica ao Mais Goiás.

Ele cita como exemplo o crescimento das lojas de preço único e utilidades. “São negócios que atraem movimento e provaram que o Centro tem cliente e tem potencial. Também há facilidade de acesso, bons restaurantes e salas comerciais com valores competitivos. O Centro é um bom lugar para trabalhar e empreender”, afirma com um olhar otimista diante do futuro.

Mas o dirigente também aponta gargalos. “O problema é a falta de diálogo na área de trânsito. Há uma indústria de multas que desestimula o cliente. O motorista vem uma vez, é multado e não volta. Também precisamos avançar na segurança e na recuperação das fachadas históricas. O Art Déco está escondido atrás de letreiros. É preciso resgatar esse patrimônio”, defende. Mabel tem planos para fazer a lei das fachadas, sancionada há mais de meia década ainda na gestão do ex-prefeito Iris Rezende Machado, mas nunca colocada em prática.

Centro vivo e democrático

Moradoras da região, as vereadoras Aava Santiago (PSDB) e Kátia Maria (PT) têm projetos distintos, mas complementares. Aava propôs o Ocupa o Centro e agora o Calçadão da Rua 8, que pretende transformar o trecho entre a Avenida Anhanguera e a Rua 4 em área prioritária para pedestres e atividades culturais. Já Katia, propôs o Viva o Centro, evento que reúne apresentações artísticas e manifestações populares na região central aos finais de semana.

Aava relembra a época em que o centro era ponto de efervescência cultural. “Eu vivi momentos emblemáticos, como os anos de ouro do Chorinho no Grande Hotel, as noites de jazz no Cine Ouro, os sebos da Rua 4, os sorvetes em frente ao Teatro Goiânia. O Centro tem alma, mas o poder público precisa aprender a escutá-la”, destaca ao Mais Goiás.

Ela propõe um pacto entre poder público e sociedade civil. “A cidade vive uma janela de oportunidade histórica. Precisamos de um esforço coordenado com o Legislativo, o Ministério Público, comerciantes e trabalhadores da cultura. É hora de fazer valer a Lei das Fachadas, garantir segurança, sustentabilidade e transformar o centro num espaço de convivência, e não apenas de passagem.”

Já Kátia Maria reforça ao Mais Goiás que o debate precisa ir além da estética. “Revitalizar o centro não é só pintar fachadas ou promover eventos. É garantir que as pessoas que vivem e trabalham aqui sejam ouvidas. O Centro é o coração da cidade, um espaço de encontros, diversidade e resistência. Revitalizar é garantir cidadania.”

Ela defende que a Prefeitura adote políticas permanentes de habitação, segurança, mobilidade e incentivo à cultura e ao comércio. “Viver aqui em 2025 é ver, todos os dias, o desafio e a beleza de uma cidade que tenta reencontrar sua própria alma. Precisamos olhar para o centro com sensibilidade, planejamento e compromisso social”, afirmou.

Entre planos e realidade

Desde Pedro Wilson, no início dos anos 2000, passando por Paulo Garcia, Iris Rezende e Rogério Cruz, Goiânia já teve sucessivos planos de requalificação. O Centraliza, criado por Cruz, foi o que chegou mais perto de sair do papel, mas acabou engavetado após desentendimentos com a Câmara.

Quando assumiu, Mabel pediu de volta os projetos parados, entre eles o Centraliza, e agora indica que não pretende devolvê-lo. A estratégia é “fatiar” as ações, implementando medidas em etapas menores e com apoio do setor privado.

Enquanto o poder público avança devagar e a sociedade civil resiste com criatividade, o Centro segue tentando reencontrar sua alma. Aos 92 anos, Goiânia ainda deve à sua própria história o resgate do lugar onde nasceu e que, a cada aniversário, continua esperando por uma revitalização que ultrapasse o discurso e chegue ao chão da cidade.