Memória

Há mais de três décadas, vítimas do Césio 137 sofrem com descaso e falta de auxílio

Completando 31 anos nesta quinta-feira (13), o acidente do Césio 137 deixou milhares de vítimas…

Há mais de três décadas, vítimas do Césio 137 sofrem com descaso e falta de auxílio
Odesson Ferreira mostra como ficaram suas mãos em decorrência do Césio (Foto: Reprodução/Facebook)

Completando 31 anos nesta quinta-feira (13), o acidente do Césio 137 deixou milhares de vítimas e algumas delas ainda sofrem com a falta de assistência dos governo estadual e federal. Sem amparo, muitos têm depressão e necessitam de atendimento psicológico.

Odesson Alves Ferreira, 63 anos, é um dos sobreviventes mais contaminados. Carrega na mão a cicatriz da queimadura causada pelo césio.

“Se não tomarmos cuidado, este acidente pode acontecer em qualquer outra parte do mundo. As autoridades ainda não entenderam o perigo de deixar essas coisas à solta de qualquer forma”, pontua.

Nas redes sociais existem grupos que compartilham casos relacionados ao descaso com as vítimas. Militares que participaram do isolamento das áreas afetadas e na guarda dos depósitos de rejeitos radioativos, contam suas histórias e se reúnem com a intenção de cobrar respostas.

Uma das vítimas, que preferiu não ser identificada, reivindica:

“Prometeram, além da pensão, promover os soldados que trabalharam no caso. Eu fui promovido, mas nunca recebi pensão. Houve casos de militares promovidos, mas que nem estavam na corporação na época do acidente. E outros que trabalharam duro, estão com problemas de saúde relacionados ao césio e nem promovidos foram. É triste e revoltante”, conta.

Há mais de três décadas, vítimas do Césio 137 sofrem com descaso e falta de auxílio

02/10/1987. Técnico da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) mede índice de radioatividade em pessoas contaminadas | Foto: CARLOS COSTA/O POPULAR/AE

Descaso

A principal reclamação dos sobreviventes é a falta de medicamento. Waldeir Moreira, 59 anos, ressalta que o governo deveria fornecer os remédios, mas sempre está em falta.

“Mesmo com as duas pensões, muitas vezes não sobra para pagar todos os medicamentos. A maioria das pessoas que trabalhou na época não é beneficiada com pensão ou assistência médica porque a junta médica do CARA [Centro de Atendimento aos Radioacidentados] rejeitou os processos”, frisa a vítima.

Nos dias que procederam ao acidente, as roupas dos trabalhadores eram lavadas por suas esposas e filhas, sem que dessem conta da dimensão do problema. Hoje essas pessoas padecem de doenças crônicas.

As vítimas diretas do acidente tem o direito de receber uma pensão vitalícia no valor de um salário mínimo. Outra reclamação, é que essa pensão não pode ser transferida aos parentes em caso de morte da vítima.

Criado em 2011 em Goiânia, o C.A.R.A, é uma unidade ambulatorial que atua no diagnóstico precoce e tratamento de doenças dos radioacidentados, e é também o local responsável por avaliar quais vítimas podem receber pensão.

Cerca de 1.345 pessoas ainda realizam tratamentos no local. No site, disponibilizam um passo a passo para a requisição das pensões. Atualmente, o centro atende 1.345 pessoas, das quais cerca de 500 recebem pensão estadual e outras 250 foram contempladas com pensão federal.

Judiciário

Em processo ganho recentemente pelo advogado Paulo Roberto Rodrigues, após decisão da 1° Vara Federal de Goiânia, foi determinado o pagamento de R$ 30 mil em indenização,além de pensão vitalícia da União e Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem) ao filho de um Policial Militar de Goiás exposto, sem proteção, a peças contaminadas em 1987.

O advogado explica que todo o processo judicial leva anos. “Levou cerca de 3 anos para ser proferida a sentença em primeiro grau. Sem contar recursos que com certeza serão opostos. Tudo demorará no mínimo uns 5-6 anos”.

Paulo Roberto expõe que as vítimas têm direito de requerer pensão tanto estadual quanto federal, além de indenização por danos morais. “O valor da pensão gira em torno de um salário mínimo e as indenizações por danos morais, de 30 mil a 100 mil reais” completa.

De acordo com o advogado, a comprovação que a pessoa tem de fazer, alegando que as doenças foram causadas pelo Césio, é burocrática.

“A perícia realizada no processo é feito pelo próprio Estado, e isso torna tendenciosa a negar nexo entre o acidente e as doenças. É tudo muito moroso e complicado. É um absurdo essas pessoas precisarem lutar tanto para conseguirem o mínimo que se espera de uma sociedade evoluída” conclui.

Trabalho de descontaminação feito na época do acidente (Foto: Reprodução /Site MPF)

O Césio

Em 1987, no local que hoje é o Centro de Convenções, dois catadores encontraram um aparelho nas ruínas do antigo Instituto Goiano de Radioterapia, instituição de responsabilidade do Estado.

Os homens levaram a peça para um ferro-velho, e começaram a desmontar a máquina. Uma parte da peça foi levada para o ferro-velho de Devair Ferreira, que abriu a cápsula e encontrou o pó radioativo.

Devair mostrou a novidade para vizinhos, amigos e familiares. Dias depois, as pessoas começaram a ter tontura, vômitos e diarreia, principalmente Devair e sua esposa Maria Gabriela.

Ivo Ferreira, irmão de Devair, levou um pouco do pó para a sua filha, Leide das Neves, de apenas 6 anos. A menina posteriormente foi jantar, ingerindo o Césio por meio da refeição. Maria Gabriela levou a peça até a Vigilância Sanitária, contribuindo com a contaminação de mais pessoas, pois o trajeto foi feito de ônibus.

Apenas em 29 de setembro de 1987 foi dado o alerta que todas essas áreas foram atingidas por radiação.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) pediu para que os moradores fossem transferidos para um esquema de triagem no Estádio Olímpico. Mais de 112 mil pessoas foram colocadas em quarentena e submetidas a intensos banhos para descontaminação.

Há mais de três décadas, vítimas do Césio 137 sofrem com descaso e falta de auxílio

Caixões foram enterrados lacrados e com chumbo. Alguns enterros sofreram com manifestações de pessoas que pensavam que o solo seria contaminado (Foto: Reprodução)

Os técnicos da Cnen, policiais e bombeiros trabalhavam na demolição e remoção de objetos daquelas famílias.

Pelo menos 40 pessoas foram hospitalizadas. Leide das Neves e Maria Gabriela morreram no dia 23 de outubro de 1987. Leide foi enterrada em meio a protestos dos moradores que achavam que o solo seria contaminado com o corpo da menina.

Os funcionários do ferro-velho, Israel Baptista dos Santos, de 22 anos, e Admilson Alves de Souza, de 18 anos, morreram no dia 27 e 28 de outubro, respectivamente. Todos os caixões foram enterrados lacrados com cimento em uma cova que foi coberta com chumbo.

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