Disputa

MPF recorre de sentença para permitir que psicólogos ofereçam “cura” a pessoas trans

Após publicação de sentença contrária ao pedido de que o Conselho Federal de Psicologia (CFP)…

Após publicação de sentença contrária ao pedido de que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) deixe de aplicar sanções a profissionais que utilizam a ciência para reforçar preconceitos, ofereçam “cura”, ou que favoreçam a patologização de pessoas transexuais e travestis – ação vedada pela resolução 1/2018 da entidade -, o Ministério Público Federal (MPF) em Goiás adiciona mais um capítulo à disputa judicial. Agora, por meio do procurador Ailton Benedito, o órgão protocolou apelação ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.

A justificativa, segundo o documento, é a não concordância com a sentença da 4ª Vara da Justiça Federal em Goiás, a qual considerou que não houve “exorbitância de poder regulamentar” na edição da norma mencionada. O magistrado Juliano Taveira Bernardes, declarou ainda que apenas o Congresso Nacional poderia “sustar o ato normativo” [resolução], enquanto reforçou que “Ação Civil Pública (ACP) é instrumento processual inadequado para veicular as pretensões formuladas” pelo MPF e extinguiu o processo.

Na apelação, o procurador pede que o tribunal casse a referida sentença, de modo a determinar a retomada do processo. Assim, conforme expôs a ACP em abril deste ano, o MPF torna a pedir que a entidade seja proibida de aplicar sanções a profissionais que queiram oferecer tratamentos vedados pela norma 1/2018. Ainda, pede a aplicação de multa diária de R$ 200 mil ao CFP e de R$ 50 mil aos agentes públicos que concorram, de qualquer forma, para o descumprimento de eventual decisão judicial que conceda os pedidos.

O regulamento, segundo o procurador, atenta contra o direito fundamental relativo ao livre exercício da profissão, previsto no artigo 5° da Constituição Federal. “Regulamentos não podem, sem respaldo legal, conter a atividade profissional propriamente dita, como, por exemplo, impor aos psicólogos um modelo único de pensamento ou impedir o uso de terapias psicológicas, pois o dever-poder de regulamentar do CFP não é absoluto, capaz de, por si, predefinir a interpretação e os métodos adotados”, alega Ailton.

O Mais Goiás aguarda novos posicionamentos do Conselho Federal de Psicologia e também da seção regional da entidade.

O caso

O caso iniciado pelo MPF tem andamento praticamente mensal. A movimentação teve início com a Ação Civil Pública publicada em 5 de abril deste ano. Após a sentença desfavorável ao órgão, ocorrida no dia 3 de maio, Ailton protocolou apelação no dia 29 de junho.

Em abril, a presidente do Conselho Regional de Psicologia, Ionara Rabelo, afirmou que a ação causava “estranhamento” e, em caso de uma sentença favorável ao MPF, a profissão acumularia uma “perda terrível”.

Segundo ela, o uso da profissão para promover “cura” da transsexualidade é vedado porque não existem bases científicas para orientação de nenhum trabalho semelhante.

“A ciência, inclusive, oferece elementos contra. Pesquisas realizadas nos EUA sobre esse aspecto revelaram que tratamentos foram ineficazes ou causaram mais danos às pessoas. Alguns tentaram suicídio, ficaram depressivos e ansiosos. Então, cientificamente, o que a gente constata é o aumento do sofrimento. Inúmeros estudos reforçam nossa atuação no sentido de não utilizar a psicologia com essa finalidade”, destacou à época.

Também na ocasião, o CFP lembrou que a resolução possui afinidade com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e também do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, o STF vedou toda e qualquer forma de patologização e discriminação das identidades transexuais e transgêneros ao autorizar a mudança de nome social sem a realização de cirurgia de mudança de sexo e sem precisar passar por avaliação médica ou psicológica”, arguiu.