CRIME ORGANIZADO

MPGO ajuda a frear avanço das facções no coração do país

Goiás é estratégico por compor a chamada “rota caipira”, corredor por onde circula parte da droga proveniente de países como Paraguai, Peru e Bolívia, com destino a outros estados, à Europa e à Ásia

Imagem mostra viaturas da Polícia Militar e Gaeco durante operação
Balanço mais recente do Gaeco/MPGO, mostra uma atuação firme contra faccionados (Foto: Reprodução/MPGO)

Deflagrada em 28 de outubro no Rio de Janeiro, a Operação Contenção reacendeu o debate sobre o poder das facções criminosas no Brasil. Com mais de 120 mortos, a ação mais letal da história do estado dominou o noticiário nacional e internacional, chegando, inclusive, à mesa de debates dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU).

Embora as atenções se concentrem em comunidades cariocas e complexos paulistas, o crime organizado está longe de se restringir a esses centros. Suas ramificações alcançam todo o território brasileiro e estados como Goiás atuam diariamente para conter o avanço de uma estrutura criminosa ampla, articulada e altamente adaptável.

Pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelou que ao menos 28,5 milhões de brasileiros, ou seja, quase 20% da população, convivem diretamente com a influência de facções ou milícias. Goiás, mesmo sem a topografia que favorece a formação desses grupos, como ocorre no Rio e em São Paulo, é considerado estratégico pelos líderes do crime.

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O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Goiás (MPGO) explica que o território goiano está localizado na chamada “rota caipira”, corredor por onde circula parte da droga proveniente de países como Paraguai, Peru e Bolívia, com destino a outros estados, à Europa e à Ásia. Essa posição faz de Goiás um ponto de interesse para o tráfico internacional e demais atividades ilícitas.

Levantamentos do sistema prisional em 2018 apontavam a atuação de pelo menos 11 facções no estado, com mais de 700 integrantes dentro das unidades prisionais. Entre elas estavam as duas mais influentes do país: o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. Também constavam na lista grupos como a Família do Norte (FDN), o Bonde dos 40 (B40) e o Matar, Vingar e Libertar (MVL). À época, o MPGO alertava para a chegada gradual dessas ramificações, que buscavam expandir influência e recrutar integrantes em cidades do interior goiano.

Freando a ameaça, o estado alcançou, de lá para cá, uma redução vertiginosa dos indicadores de presença e atuação do crime. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios em Goiás no ano passado foi de 18,8 por 100 mil habitantes, abaixo da nacional (20,8). Em 2018, mesmo ano em que foi levantado o número de facções em Goiás, a taxa era de 39,3. Além disso, dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP) mostram que, em relação a 2018, houve queda de outros tipos de ocorrência: roubos a transeuntes (-92%), roubos de veículos, (-95%), roubo a comércio (-92%), roubo a residências (-85%), roubos de carga (-98%) e latrocínios (-95%).

Os números têm contribuído para uma projeção nacional significativa. Em muitas regiões do Brasil, Goiás já é visto como estado-modelo no campo da segurança pública. A desarticulação do crime organizado tem relação direta com trabalho coordenado e desenvolvido pelas diferentes forças de segurança e esferas do Poder. Incluindo o Ministério Público goiano.

MPGO ativo

O balanço mais recente do Gaeco/MPGO, referente ao período 2023-2025, mostra uma atuação firme contra faccionados: foram 46 operações deflagradas, 149 mandados de prisão e 329 de busca e apreensão cumpridos, além do bloqueio de R$ 426 milhões, sequestro judicial de imóveis e veículos, mais a apreensão de 59 armas de fogo, 620 mil comprimidos de rebite e 91 quilos de metanfetamina. Ao todo, o grupo apresentou 49 denúncias contra 271 pessoas ligadas a organizações criminosas.

Os desdobramentos dessas investigações têm resultado em condenações-chave, que traduzem o resultado do trabalho investigativo e a solidez das provas reunidas pelos promotores. Em janeiro deste ano, por exemplo, na cidade de São Miguel do Passa Quatro, três integrantes de uma facção foram condenados pelo homicídio de um rival e pela tentativa de assassinato da companheira desse, em crime motivado por disputa pelo tráfico. O caso, ocorrido no final de 2024, mostrou como a rivalidade entre facções ainda é combustível para execuções mesmo em cidades menos populosas.

Meses depois, dessa vez em Caldas Novas, um integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC) foi condenado a mais de 50 anos de prisão por duplo homicídio qualificado. O MPGO demonstrou que o criminoso atuava como líder de setor dentro da facção, sendo responsável por ordenar execuções de desafetos, e chegou a enviar fotos do filho de uma das vítimas como forma de intimidação. A sentença é de julho de 2025.

Para além do combate direto à violência armada, o MPGO atuou na desarticulação de esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro que alimentam a capacidade financeira das organizações criminosas. Em setembro deste ano, o Gaeco ofereceu denúncias contra servidores públicos e empresários investigados na Operação Regra Três, que apurou o desvio sistemático de recursos por meio de fraudes em licitações e empresas de fachada. A operação revelou como o crime organizado, em muitos casos, se infiltra na administração pública para sustentar suas atividades ilegais.

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Em outubro, o MPGO deflagrou a Operação Laço Oculto, em parceria com o Ministério Público do Mato Grosso (MPMT), desmantelando o elo externo de uma facção que utilizava uma advogada como “mensageira” entre presos e comparsas em liberdade. Documentos e celulares apreendidos comprovaram a troca de informações entre o sistema prisional e os criminosos fora das cadeias. A apreensão permitiu novas prisões e o bloqueio de comunicações internas.

Na mesma linha, a Operação Vigília, também em outubro, atingiu diretamente o núcleo prisional do PCC em Goiás. Com apoio da Polícia Penal e do Gaeco Entorno, a investigação descobriu que integrantes do grupo continuavam a comandar crimes de dentro das penitenciárias, mesmo após terem sido transferidos para unidades de segurança máxima. Foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão em presídios de Planaltina, Formosa, Alexânia, Rio Verde e no complexo da Papuda (DF), interrompendo o fluxo de ordens criminosas.

O desmantelamento constante das ações dessas facções em Goiás evidencia que o avanço do crime organizado não se restringe aos grandes centros. Mesmo distante do noticiário nacional sobre confrontos e operações, o estado atua em um cenário de disputa silenciosa, em que investigações, trocas de informação e ações integradas se tornam essenciais para manutenção da segurança entre os goianos. Nesse contexto, o equilíbrio entre repressão qualificada e vigilância constante tem sido o principal desafio das instituições que tentam conter, no centro do país, o poder de redes criminosas que avançam em escala nacional.