Número de caçadores é insuficiente para conter avanço de javalis, alerta associação
O animal encontra refúgio em áreas de preservação permanente e reservas legais
O avanço descontrolado do javali (Sus scrofa) no Brasil se tornou uma das maiores ameaças ambientais e sanitárias do país. Segundo Rafael Augusto Salerno, presidente da Associação Aqui Tem Javali, o número atual de caçadores é insuficiente e deveria ser, no mínimo, triplicado para conseguir conter os animais. De acordo com Salerno, aproximadamente 90% das unidades de conservação brasileiras já apresentam a presença do animal, incluindo Goiás.
O animal encontra refúgio em áreas de preservação permanente e reservas legais, ambientes ricos em água e vegetação nativa. O javali não transpira, então depende dessas áreas úmidas para sobreviver ao calor. Durante o dia, ele permanece nesses locais, revirando o solo, destruindo nascentes e alterando completamente o ecossistema, explicou o presidente da associação.
Embora os ataques a lavouras ocorram de forma sazonal, o javali passa a maior parte do tempo consumindo recursos naturais, competindo com espécies nativas e predando animais que fazem ninhos no solo, como aves, répteis e anfíbios. No Cerrado, a espécie tem comprometido a regeneração do buriti, árvore fundamental para a manutenção de brejos e veredas, além de afetar diretamente animais que dependem de seus frutos para alimentação.
Outro exemplo citado é o queixada, espécie ameaçada de extinção que compartilha até 85% da dieta com o javali. Não é necessário que o javali ataque diretamente o queixada. Ele simplesmente consome o alimento e ocupa o espaço. Como se reproduz muito mais rápido, o resultado é a substituição de uma espécie nativa por uma invasora, alerta Salerno.
Burocracia
Em relação ao controle populacional, dados do Sistema Nacional de Manejo de Fauna do Ibama (SISMAS) indicam que cerca de 800 mil javalis foram abatidos oficialmente em 2025. No entanto, a associação estima que o número real seja de cinco a seis vezes maior. Ainda assim, o volume está longe de ser suficiente. “Estima-se que nasçam cerca de 3 mil javalis por dia no Brasil. Cada dia sem autorização para controle significa mais animais se reproduzindo e ampliando o problema”, ressalta.
Segundo Salerno, atrasos na liberação de licenças pelo Ibama e na documentação de armas pela Polícia Federal inviabilizam ações rápidas. “Para ocupar um estado inteiro, cerca de 20 mil javalis já são suficientes. Uma semana sem controle pode reinfestar regiões inteiras, como Goiás”, afirma.
Cada animal abatido custa, em média, mais de R$ 1 mil ao caçador, considerando equipamentos, munições e deslocamento. “Enquanto isso, o Estado não investe e ainda impõe uma das maiores cargas tributárias do mundo sobre armas e munições”, critica.
Transmissão de doenças
Além do dano ambiental, o risco sanitário preocupa. O javali pode transmitir mais de 30 doenças a animais domésticos, como bovinos e suínos, o que poderia comprometer a produção agropecuária e gerar impactos severos no mercado interno e nas exportações. “Já não se trata de saber se haverá uma crise sanitária, mas quando e onde ela ocorrerá”, alerta o presidente da associação.
Salerno também critica a proibição do aproveitamento da carne dos animais abatidos. Mesmo sem registros de doenças relevantes nos javalis controlados em Goiás, a carne não pode ser doada nem comercializada.
Recentemente, Goiás aprovou uma lei estadual que reconhece o controle do javali, mas, segundo a associação, a efetividade ainda depende da atuação do Poder Executivo. Para Salerno, é fundamental que os estados tenham mais autonomia para regulamentar o manejo da fauna. “A legislação federal não tem a velocidade que a realidade exige. Enquanto isso, os javalis seguem avançando”, conclui.