Violência de Gênero

“Precisa de favor sexual para vencer?”: Pesquisadora da UFG denuncia perseguição em processo institucional; vídeo

"Se fosse um homem no meu lugar, isso jamais seria perguntado”, respondeu Monize

Imagem da pesquisadora durante a oitiva
Monize Ramos, visualmente desconfortável durante os questionamentos sobre sua vida pessoal na oitiva (Foto: reprodução)

Uma pesquisadora e servidora da Universidade Federal de Goiás (UFG) denunciou um caso de sexismo e suposta perseguição ocorrido durante processo interno que avalia diversas denúncias sobre favorecimentos dentro da instituição. O caso foi exposto nas redes sociais pela própria investigada, Monize Ramos do Nascimento, que se indignou com um questionamento feito pela banca nesta quinta-feira (26/6). “A senhora já teve algum relacionamento sexual com [um dos professores que concedeu sua aprovação]?”, perguntou uma integrante da comissão. Na sequência, Monize, que nega a acusação, afirma que a produção é fruto do próprio trabalho. “Uma mulher não pode vencer sozinha, precisa de favor sexual? Eu construí a minha história”, respondeu.

A comissão responsável pela apuração, composta majoritariamente por mulheres, é acusada de ter adotado uma postura sexista ao desviar o foco do processo — que trata de lançamento de notas — para questões de cunho pessoal e sexual. “Se fosse um homem no meu lugar, isso jamais seria perguntado”, completou Monize durante a audiência.

O episódio gerou forte reação também da defesa de Monize. O advogado Sérgio Merola conversou com o Mais Goiás e afirmou que a comissão desrespeitou não apenas os direitos legais da servidora, mas também sua dignidade, “Foi extremamente constrangedor. A pergunta, segundo eles, era no sentido de que a eventual aprovação da Monize e a concessão de notas se deram em razão de favores sexuais. Isso é absolutamente chocante.”

Em carta aberta, Monize afirma que resolveu tornar pública a situação após anos de sofrimento silencioso: “Peço socorro. Peço justiça. Não posso mais suportar calada a dor de ser sistematicamente deslegitimada. Quantas outras mulheres já foram ou estão sendo tratadas assim dentro da nossa universidade?”

Procurada pela reportagem, a Universidade Federal de Goiás disse que os procedimentos relativos à Comissão de Processos Administrativos (CPDA) são sigilosos e que não irá se manifestar no decorrer do trâmite, em conformidade com as orientações legais. “Todas as providências foram, e seguirão sendo tomadas de acordo com a legislação pertinente de manifestação, zelando pela proteção de dados pessoais.”

A institutição destacou, ainda, que a Ouvidoria recebe denúncias de assédio moral e/ou sexual e as encaminha para apuração, acompanhando todo o procedimento desde a fase de apresentação e instrução, bem como informando todos os envolvidos acerca dos andamentos processuais, preservando o anonimato destes.

Processo e contexto

Monize responde a um processo administrativo disciplinar (PAD) instaurado pela UFG sob alegação de irregularidades no lançamento de notas. A servidora contesta as acusações e denuncia que é vítima de uma perseguição sistemática iniciada por um colega de trabalho, responsável por mais de 40 ‘denúncias caluniosas’, a maioria arquivada por falta de provas, segundo sua defesa.

Para o advogado, o processo tem sido conduzido com parcialidade e desprezo pelos méritos acadêmicos de sua cliente, “A Monize fez Doutorado na UnB, foi considerada a melhor aluna do programa. Ela tem um histórico de aprovações em concursos públicos, sempre pautada por muito estudo e dedicação, e isso está sendo ignorado pela comissão.”

Pergunta insistente

Durante a oitiva realizada no dia 23 de junho, uma nova pergunta semelhante foi feita: “A senhora já teve relação sexual com outro professor?”, referindo-se ao orientador de mestrado de Monize. A servidora reagiu imediatamente, denunciando o teor machista da abordagem. “O processo é sobre lançamento de notas. Vocês chegam aqui hoje e perguntam se eu tenho alguma relação sexual. É desrespeitoso a um nível que eu não sei dizer. Me respeitem, que eu não sou esse tipo de mulher.”

O advogado afirma que esse tipo de conduta foi recorrente nas oitivas, inclusive com outro professor, homossexual assumido, que também foi questionado se teria tido relações sexuais com a pesquisadora. “No interrogatório do professor, eles perguntaram se ele já teve relação sexual com a Monize. É completamente absurdo e sem qualquer relação com o objeto do processo”, afirmou Merola.

Reclamação na CGU

Segundo a defesa, não foi feita análise técnica aprofundada dos trabalhos acadêmicos da servidora nem das avaliações atribuídas por seus colegas, tampouco se considerou o conteúdo do doutorado feito na Universidade de Brasília (UnB). “Eles fizeram uma avaliação superficial, para ser muito sincero, acho que nem fizeram. A comissão simplesmente ignorou tudo que nos é favorável.”

Morela ainda relatou um fato considerado grave: poucas horas após o encerramento da oitiva de Monize, ele já havia recebido o termo de indiciação para a defesa, documento que normalmente leva dias para ser elaborado, segundo o manual da CGU (Controladoria Geral da União).

“O manual exige que se apresente um relatório completo, com todos os elementos, favoráveis e contrários. A comissão ignorou as oitivas positivas, focou em um único trecho de uma testemunha que nem deveria ter sido ouvida. Isso contraria os princípios do contraditório e da ampla defesa.”

Diante dos fatos, a defesa já protocolou uma reclamação na ouvidoria da Controladoria-Geral da União (CGU), solicitando investigação da condução do processo e das possíveis violações cometidas pela comissão. “A comissão não é livre. Ela tem que seguir o que está previsto na lei. Estamos pedindo que isso seja apurado de forma rigorosa.”

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