ENTREVISTA

‘Sempre fui inocente e Justiça completa só ocorrerá com reparação’, diz médica inocentada

Bianca lembra também que sofreu um linchamento nas redes sociais. "Fui atacada não como médica, mas como mulher. Passaram a atacar o meu corpo"

'Sempre fui inocente e Justiça completa só ocorrerá com reparação', diz médica inocentada
'Sempre fui inocente e Justiça completa só ocorrerá com reparação', diz médica inocentada (Foto: Reprodução)

Com Felipe Cardoso

A médica Bianca Borges Butterby, inocentada pela Justiça, neste mês, das acusações de exercício ilegal da profissão e propaganda enganosa, em Goiânia, conversou aliviada com o Mais Goiás, nesta sexta-feira (28). “Inocente eu sempre fui e sempre tive a certeza de que eu nunca pratiquei nenhum tipo de ato ilícito. Receber a notícia do arquivamento foi um alívio. Eu lavei a minha alma. Eu estou sentindo que estou realmente conseguindo demonstrar para os outros aquilo que eu tinha certeza, que quem me conhece tinha certeza e falava que era apenas questão de tempo.” Segundo ela, contudo, apesar de estar aliviada, “a Justiça ainda não se fez por completo, porque eu sofri muito com tudo isso que aconteceu e eu acho que é extremamente necessário uma reparação”.

A médica, que chegou a ser presa em 20 de maio, mas foi liberada dias depois, afirma que o sentimento é de que a Justiça começou, mas não foi finalizada. “Eu entendo que, por agora, apenas ficou provado que eu não devo nada, ficou apenas provado que eu sou inocente. Porém, a reparação precisa existir não só por mim, mas por toda uma classe médica que se sentiu atacada. Médicos não só de Goiânia, não só de Goiás, mas do Brasil inteiro. Muitos disseram que iam trabalhar com medo. Se eu fui presa por exercício ilegal da profissão, qualquer um poderia ser”, disse.

Bianca revela que o estresse que viveu teve mal-estar, sendo hospitalizada e ficando algemada ao leito. “Mistura de vergonha com revolta.” Ela afirma que ficou cinco dias presa no leito em um hospital em que já tinha trabalhado, sem privacidade até para ir ao banheiro. “Isolada, sem saber a repercussão do que estava ocorrendo.” Nem mesmo a família poderia visitá-la nesses dias detida. “Meu único elo era com meus advogados.”

A situação gerou uma ansiedade típica de uma pessoa hipertensa, além de taquicardia e outros problemas. “Algo inimaginável de se viver. O transtorno emocional me afetou tanto que um nódulo hepático que tinha se rompeu. Tive pressão arterial de 230 por 150, e naquele momento, comecei a ter quadro de dor abdominal intensa… Tudo consequência do abuso que sofri.”

Ela precisou passar por uma cirurgia de embolização e ficou internada por vários dias. Inclusive, quando saiu o alvará de soltura, ela enfrentava esses problemas de saúde. “Depois que tive alta, comecei a me recuperar, passei a ter consciência da repercussão da história e comecei a desenvolver transtornos psiquiátricos e precisei de atendimento. Desenvolvi síndrome do pânico e síndrome de estresse pós-traumático. Hoje ainda sigo atendimento com psiquiatra e psicólogo. Foram meses com crises e sequer eu consegui pensar em passar na porta da minha clínica, que construí dificuldade e trabalho honesto.” Só recentemente ela conseguiu retornar ao local de trabalho.

A médica acredita que nunca irá se recuperar 100% do que aconteceu. “No momento, estou tendo acompanhamento psicológico, acompanhamento psiquiátrico, acompanhamento médico e o meu quadro de saúde encontra-se estável e me permitiu retornar ao trabalho depois de ter ficado afastada por cinco meses.” O impacto financeiro ela diz ser difícil calcular. “Mas foi intenso.”

Ela afirma que foram gastos com processo, com a fiança (10 salários mínimos), mais a ausência de renda por cinco meses. “Até o momento não retomei 100% minhas atividades habituais. O prejuízo econômico é difícil de calcular. Imagine uma pessoa passar metade do ano sem rendimento, mas mantendo os gastos.”

Bianca
Bianca quer Justiça por todos os médicos (Foto: Arquivo pessoal)

Gordofobia

Bianca lembra também que sofreu um linchamento nas redes sociais. “Fui atacada não como médica, mas como mulher. Passaram a atacar o meu corpo, o meu peso, porque eu sou uma paciente com obesidade. E eu escolhi estudar essa área e trabalhar nessa área justamente em benefício próprio. Inclusive, é algo que os meus pacientes acham de diferencial no meu trabalho: eu entender o lado do paciente obeso por eu também saber das dores do obeso.” Os ataques, segundo ela, querem medir a competência médica por uma balança. “Eu nunca coloquei padrão estético acima da saúde. Sempre prezo pela saúde em primeiro lugar.”

Para ela, colocar a qualidade profissional dela em cheque foi “baixo”. “Isso é explicitamente gordofobia. Quando a gente vai falar de preconceito, esse é um dos preconceitos mais importantes e que não é tão falado, né? Porém, a gordofobia existe e o meu linchamento ali nas redes sociais foi prova viva dessa gordofobia.”

Arquivamento e inocência de Bianca

O juiz Inácio Pereira de Siqueira arquivou, neste mês, o inquérito contra a médica Bianca Borges Butterby. O magistrado seguiu manifestação do Ministério Público de Goiás (MPGO), que apontou atipicidade da conduta e não ofereceu denúncia. Advogado da profissional de saúde, Darô Fernandes afirma que a operação foi marcada por espetáculo e exposição nas redes sociais.

“O delegado Humberto Teófilo expôs tanto ela como a empresa dela, falando que ela se apresentava como nutróloga e endócrina, mas nunca houve isso. Falou que ela aplicava Mounjaro, coisa que ela também nunca fez. Falou que ela fazia propaganda enganosa, que também não fez isso”, lembrou Darô sobre o caso. “Então, nós provamos por A mais B dentro do inquérito. E, mesmo assim, no inquérito, sem o laudo do IML, ela foi indiciada por propaganda enganosa e falsificação de medicamento. Sem o laudo.”

Quando o laudo saiu, foi verificado que isso não procedia, segundo o advogado. Darô, então, entrou com outro parecer defensivo e o Ministério Público acolheu a tese, pedindo o arquivamento do inquérito por atipicidade da conduta. “Ou seja, não houve nenhum crime, tudo que ela faz é regular.” Segundo o jurista, agora eles vão entrar com ações contra o Estado, contra alguns veículos de comunicação que injuriaram, difamaram e caluniaram a honra e imagem da médica e da empresa dela.

Rebateu todas as acusações

Após a prisão, Bianca conversou com o Mais Goiás acerca do caso e esclareceu ponto a ponto as acusações da Polícia Civil, como acerca de seu trabalho, da ausência de alvará e de uma suposta academia clandestina.

Sobre “exercício ilegal da profissão”, ela reforçou que nunca se intitulou nutróloga. Explicou, ainda, que para conseguir o registro de especialista na área de nutrologia (como nas demais) é possível por meio de residência médica ou pós-graduação, com tempo de experiência comprovada, para então fazer a prova de título. “No caso da nutrologia, as vagas são escassas: 15 no País, mas nenhuma em Goiás. Por isso, é tão comum a pós-graduação. Os editais são anuais e variam para a prova, mas, em média, é preciso 4 anos de comprovação clínica médica, além de 4 anos a 6 anos de experiência na nutrologia. Ou seja, é preciso atuar para fazer a prova e eu tenho 6 anos de atuação. Mas nunca disse ser nutróloga. Me apresento como médica”, detalhou.

Ela também apresentou os alvarás que a clínica possui (prefeitura, Vigilância Sanitária e bombeiros). “A clínica tem desde o ano passado e, no caso da Vigilância, foi renovado no começo deste ano.” Já acerca da “academia clandestina”, ela disse se tratar de uma sala no mesmo espaço, em frente à recepção, onde atuam fisioterapeutas e educadores físicos. Por ser do mesmo CNPJ, utiliza a mesma documentação e está regularizado.

Por fim, ela enfatizou que nunca fez contrabando de medicação, pois todos os remédios utilizados na clínica são comprados com nota fiscal de empresas idôneas, com alvarás exigidos pelas autoridades. “Tudo é 100% regularizado”, afirma e garante: “E o Mounjaro nunca entrou na clínica. A caneta é só em farmácia ou via importação, que nunca fiz.”

Caso Bianca Butterby

Bianca chegou a ser presa em flagrante em 20 de maio, mas liberada cinco dias depois. Conforme a denúncia, à época, ela prometia emagrecimento rápido aos seus seguidores. A corporação disse, ainda, que a médica também aplicava monjauro nos pacientes, prática não autorizada.

À época, ao Mais Goiás, a defesa negou as acusações e reforçou que “Bianca é médica regularmente formada pela UFG, inscrita no Cremego, com ampla qualificação técnica e científica. Possui pós-graduação lato sensu em Nutrologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein, prática clínica pelo Giorelli Nutrologia, e certificações da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) em áreas como obesidade, síndrome metabólica e bariátrica”. E ainda: “A profissional atua legalmente em clínica devidamente regularizada, não havendo qualquer indício de prática ilícita ou irregularidade administrativa que justificasse a medida extrema adotada pelas autoridades.”

Conselho Regional de Medicina defendeu a médica

Por meio de nota, também à época da prisão, o Conselho Regional de Medicina (Cremego) afirmou que a profissional e a clínica estavam regularizadas e inscritas no conselho. “Até o momento, não temos qualquer comprovação de divulgação de especialidade médica não registrada no Conselho. Ainda que isso tivesse ocorrido, a apuração ética seria de competência exclusiva do Cremego e jamais justificaria a prisão da médica.”