CONTRADIÇÕES

Sete PMs são indiciados por morte de quatro pessoas na Chapada dos Veadeiros

A Polícia Civil indiciou sete policiais militares (PMs) por homicídio qualificado contra quatro moradores da…

Sete PMs são indiciados por morte de quatro pessoas na Chapada dos Veadeiros (Foto ilustrativa: Jucimar de Sousa - Mais Goiás)

A Polícia Civil indiciou sete policiais militares (PMs) por homicídio qualificado contra quatro moradores da região da Chapada dos Veadeiros. As informações são do jornal O Popular. O caso ocorreu no dia 20 de janeiro, durante uma ação policial em uma chácara localizada em Colinas do Sul. No boletim registrado pela PM, os militares apreenderam uma plantação de maconha, onde as mortes aconteceram por suposto confronto com os suspeitos, que teriam reagido à abordagem dos militares. A versão, porém, é contestada por familiares dos mortos.

O Ministério Público de Goiás investiga se houve excesso na ação dos policiais. Inquérito só teve início depois que parentes das vítimas denunciaram o caso. A Justiça acatou pedido do órgão ministerial e determinou a prisão de quatro soldados, dois sargentos e um cabo da PM na semana passada.

Entre os mortos estão: Salviano Souza Conceição, de 63 anos; Ozanir Batista da Silva, o Jacaré, de 46; Alan Pereira Soares, de 28; e Antônio Fernandes da Cunha, o Chico Calunga, de 35.

O que indica a investigação?

De acordo com a investigação da Polícia Civil à qual o Popular teve acesso, os PMs fizeram uma emboscada em que as vítimas foram rendidas antes de serem mortas. Com isso, acredita-se que os policiais dificultaram e impediram a defesa dos alvejados.

Ao todo, sabe-se que os policiais efetuaram 58 disparos com quatro fuzis, duas pistolas e um revólver. Destes, pelo menos 10 projéteis atingiram as vítimas.

As evidências reunidas pela Polícia Civil indicam ainda que os homens foram rendidos na chácara onde estavam com a droga, que supostamente pertencia a Salviano. Os corpos, porém, foram encontrados em uma propriedade rural vizinha, que pertencia a Ozanir.

Testemunhas afirmam que os policiais ficaram cerca de 1h30 no local antes dos primeiros disparos serem deflagrados.

Além disso, a investigação afirma que a forma como os PMs dizem ter encontrado a chácara de Salviano, com base em supostas denúncias, seria praticamente impossível.

Outro agravante do caso, segundo os investigadores, é que Alan (vítima), que mora em Niquelândia, teria sido ameaçado por um dos sargentos e pelo cabo da PM, dias antes da ocorrência fatal.

Uma familiar de Salviano disse que o mencionado sargento, inclusive, o conhecia, já tendo inclusive visitado a chácara em outra ocasião. Em depoimento, um dos soldados admitiu que conhecia Alan, mas alegou que era porque o havia abordado durante o serviço em outra circunstância.

Maconha apreendida durante apuração que custou a vida de quatro pessoas (Foto: Divulgação – PM)

Versão da PM

Na versão inicial dos PMs, envolvidos alegam ter recebido denúncias de que havia uma plantação de maconha em uma zona rural entre Colinas do Sul e Cavalcante, sem precisar exatamente o local. Além disso, eles afirmam que, após uma incursão pela mata, encontraram “uma grande quantidade de pés de maconha”. Só depois de questionados informaram que se tratava de mais de 500 pés da planta.

Ainda na primeira versão, os PMs disseram que viram sete indivíduos em uma área coberta e que esses suspeitos teriam reagido à abordagem, atirando contra as equipes policiais, fazendo com que estes revidassem.

No final, três desses indivíduos conseguiram fugir. Como não havia sinal de celular na chácara, os policiais afirmam que colocaram os quatro atingidos na viatura para encaminha-los ao hospital de Colinas do Sul, a 35 quilômetros.

O inquérito da Polícia Civil avalia uma série de contradições nas versões apresentadas pelos PMs e as denunciadas dos familiares das vítimas. (Foto: Reprodução – Polícia Civil)

Contradições

O inquérito da Polícia Civil acessado pelo jornal O Popular, avalia uma série de contradições entre versões apresentadas pelos PMs e familiares das vítimas.

Primeiro, os policiais foram vistos nas chácaras de Salviano e Ozanir por uma hora antes dos disparos. Testemunhas viram também as vítimas caminhando com os policiais até a propriedade de Salviano, além de revelarem ordens dos policiais para que todos se deitassem.

Pela apuração, os PMs foram separados em duas equipes até a chácara de Salviano. Uma delas teve de ficar a pé a partir do Rio Preto, porque a viatura não atravessava o manancial.

A equipe que chegou na chácara viu que os suspeitos não estavam no local. Assim, partiram até a propriedade de Ozanir, onde renderam os quatro e ficaram lá por 40 minutos.

Um dos policiais saiu com a viatura e 20 minutos depois voltou com os militares que estavam a pé. Mais 40 minutos se passaram até que os disparos tiveram início. Houve um intervalo de 10 minutos e mais tiros foram ouvidos.

Os policiais ainda teriam ficado no local por mais uma hora antes de decidirem levar os corpos na viatura até Colinas do Sul. As vítimas chegaram mortas na unidade de saúde.

Perícia aponta divergência em versão dos policiais

O jornal O Popular teve acesso a um relatório feito pela Polícia Técnico-Científica o qual indica que as quatro pessoas mortas não se deslocaram após terem sido atingidas e que pelo menos uma delas foi atingida por um disparo de trajetória descendente.

Segundo o documento, os peritos também encontraram uma pequena quantidade de maconha em uma bacia e em cachimbos na chácara. Ao todo a quantidade de maconha espalhada não chegou a 37g. Nas duas fogueiras feitas pelos policiais, foram encontrados apenas quatro pés de cannabis e outros 38 pés, cujas plantas não se conseguiu identificar.

Na análise, a Polícia Técnico-Científica apontou que o local onde as vítimas foram mortas encontrava-se violado e que “muitos dos vestígios que seriam importantes para uma correta interpretação da dinâmica do evento tinham sido “alterados ou recolhidos”.

Um outro relatório acessado por reportagem de O Popular aponta que a chácara de Salviano é de “dificílima localização, não sendo possível encontra-la apenas por descrição da denúncia. Mesmo com o apontamento exato do local, esta equipe necessitou ser guiada por testemunha que conhecia a região há mais de 20 anos”, afirmam os agentes no documento.

Os peritos também constataram que não havia “espaço hábil” para plantação de dois mil pés de maconha, como alegado inicialmente pelos policiais militares a partir das supostas denúncias. Segundo a perícia, local também não comportaria os 500 pés de maconha informados pelos detidos após a abordagem.

Nova versão da PM

Durante um novo depoimento, após terem sido presos na última quinta-feira (3), os PMs reafirmaram a versão de que os quatro homens foram mortos após terem atirado primeiro contra as duas equipes. Porém, acrescentaram algumas informações antes não mencionadas.

O que todos tinham dito que é as vítimas atiraram primeiro, quando ouviram o sargento gritar “Policia!”. Contudo, desta vez, acrescentaram que o sargento primeiro entrou na chácara de Salviano e que lá abordou inicialmente a esposa de Alan, que está grávida.

A mulher teria negado que conhecesse qualquer um dos mortos. A Polícia Civil acredita que ela só foi deixada viva por estar grávida de 3 meses.

Um outro policial disse que a ordem de queimar os pés de maconha partiu do sargento – que segundo ele não é uma ação comum da PM neste tipo de ocorrência. Ele garantiu que havia entre 500 e 600 pés da planta no local.

Um outro alegou que optaram por queimar a plantação por esta não caber na caçamba da viatura.

Apesar de não ficar claro na transcrição dos depoimentos, os PMs dão a entender que duas das vítimas foram baleadas em
um local e as outras mais adiante após tentarem fugir.

O Mais Goiás tenta obter acesso ao inquérito e ao relatório pericial, mas nenhuma das demandas foi atendida pela Polícia Civil ou Secretaria de Segurança Pública. O Portal também fez contato com a PM, que não deu retorno até o fechamento do texto. A redação não conseguiu falar com o advogado que representa os PMs no caso.

*Essa matéria usou informações apuradas pelo jornal O Popular