‘Ter filhos passou a ser uma decisão planejada’, diz professor sobre queda nos nascimentos em Goiás
Em 2024, Goiás registrou 79.099 nascimentos, o menor número desde o início da série histórica, em 2003
O recuo no número de nascimentos em Goiás e no Brasil, revelado pelos dados divulgados na última quarta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidencia uma transformação profunda no perfil demográfico do país. Em 2024, Goiás registrou 79.099 nascimentos, o menor número desde o início da série histórica, em 2003. O total representa uma queda de 3,3% em relação a 2023, quando foram contabilizados 81.869 registros. No cenário nacional, o Brasil teve pouco mais de 2,38 milhões de nascimentos em 2024, uma redução de 5,8% comparado aos 2,52 milhões do ano anterior, configurando a maior queda dos últimos 20 anos.
Para o professor Paulo Henrique Cirino Araújo, economista, mestre e doutor em Economia Aplicada e coordenador do grupo de pesquisa sobre Envelhecimento Populacional e Políticas Públicas da Universidade Federal de Goiás, os números não devem ser analisados como um fenômeno isolado. Em entrevista ao Mais Goiás, ele explicou que a redução dos nascimentos está inserida em um processo estrutural de longo prazo, conhecido na literatura como transição demográfica. Segundo o pesquisador, esse processo descreve apassagem de um regime de altas taxas de natalidade e mortalidade para outro caracterizado por índices mais baixos, acompanhando mudanças econômicas, sociais e culturais.
Ao analisar especificamente o caso goiano, o professor destaca que o estado alcançou, nas últimas duas décadas, o menor patamar de nascimentos já registrado, com números próximos a 80 mil nascidos vivos. Ele observa que, entre 2015 e 2025, houve uma redução absoluta de cerca de 10 mil nascimentos, o que reforça a consistência da tendência de queda. Apesar disso, Goiás acompanha, em linhas gerais, o movimento observado no restante do país.
“Goiás segue a tendência média do Brasil no que se refere à redução da fecundidade e ao aumento da população com idade acima de 60 anos”, afirma. No entanto, ele chama atenção para o ritmo acelerado dessas mudanças no interior do estado, especialmente em municípios com menos de 10 mil habitantes, onde os impactos sociais e econômicos tendem a ser mais intensos.
Impacto da pandemia de Covid-19
Os dados do IBGE mostram que os anos com maior número de nascimentos em Goiás foram 2003, 2006, 2014 e 2015, quando o estado superou a marca de 89 mil registros. Desde então, a curva passou a declinar, com uma queda mais acentuada durante o período da pandemia. Em 2019, foram registrados 86.203 nascimentos; em 2020, o número caiu para 83.516; em 2021, para 80.809; e, em 2022, para 79.267. Para o professor Paulo Henrique, a pandemia não criou a tendência de queda, mas intensificou um movimento que já estava em curso. “O ambiente de incerteza levou ao adiamento de gestações e a uma postura mais cautelosa das famílias em relação às decisões reprodutivas”, explica.
Segundo ele, os efeitos desse período ainda reverberam no comportamento demográfico atual. A redução de aproximadamente 8% na natalidade entre 2019 e 2022 é considerada elevada para um indicador anual e está associada à ampliação das incertezas econômicas, à instabilidade no mercado de trabalho e às mudanças nos formatos de contratação. Esses fatores comprometeram o planejamento familiar e, em muitos casos, levaram à revisão definitiva de projetos reprodutivos.
“Ter filhos deixou de ser um evento esperado em idades mais jovens”, avalia professor
Além da conjuntura econômica, o professor destaca fatores socioeconômicos e culturais que ajudam a explicar a queda contínua no número de nascimentos. Entre eles estão o aumento do custo de criação dos filhos, a insegurança de renda, a insuficiência de políticas públicas de cuidado e as transformações nas trajetórias conjugais. Ele ressalta ainda a baixa corresponsabilização masculina no trabalho doméstico e no cuidado com os filhos como um elemento que pesa especialmente sobre as mulheres. Nesse contexto, mudanças nos valores sociais também desempenham papel central. “Ter filhos deixou de ser um evento esperado em idades mais jovens. Passou a ser uma decisão planejada, associada à renda, à rotina de trabalho e à existência de apoio familiar ou institucional”, afirma.
No Brasil, a queda de 5,8% nos nascimentos em 2024, a maior em duas décadas, indica um aprofundamento desse comportamento demográfico, após seis anos consecutivos de retração. Para o professor, oscilações pontuais, como o crescimento observado em 2023, não alteram a tendência de longo prazo. Ele explica que processos demográficos não evoluem de forma linear e sofrem influência de ciclos econômicos. Em períodos de maior incerteza, como o pós-pandemia, é comum que decisões relacionadas à formação familiar sejam adiadas.
Crescimento da população idosa em Goiás
Outro ponto destacado pelo pesquisador é o crescimento acelerado da população idosa em Goiás. De acordo com dados do IBGE citados por ele, em 2010 o estado tinha pouco mais de 500 mil pessoas com 60 anos ou mais, número que hoje se aproxima de 1 milhão. “Países desenvolvidos levaram cerca de 100 anos para dobrar a população idosa. Em Goiás, isso ocorreu em aproximadamente uma década”, observa. Essa aceleração impõe desafios significativos ao sistema de saúde, à proteção social e à organização das políticas públicas, especialmente em um contexto marcado por desigualdades socioeconômicas.
Expectativa para os próximos anos
Para os próximos anos, a expectativa, segundo o professor Paulo Henrique Cirino Araújo, é de continuidade da redução da fecundidade e avanço do envelhecimento populacional. Ele defende o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, da atenção primária e das redes de cuidado de longa duração como respostas essenciais a esse novo cenário. O pesquisador também cita iniciativas em andamento, como o Programa Viver Mais Goiás, desenvolvido em parceria com o Conselho Estadual da Pessoa Idosa e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, voltado ao apoio e à qualificação de gestores municipais para o planejamento de políticas públicas destinadas à população idosa.
Na avaliação do professor, o debate sobre os dados do IBGE vai além dos números e exige escolhas coletivas. Para ele, o envelhecimento populacional não é um problema restrito a um grupo específico, mas uma realidade que afetará toda a sociedade. “O envelhecimento é uma fase da vida que todos nós esperamos vivenciar. É fundamental garantir que essa etapa seja vivida com proteção, autonomia e qualidade de vida”, conclui.