Cinema

Estrelas Além do Tempo: onde nenhuma mulher jamais esteve

Drama sobre as matemáticas negras da Nasa consegue divertir e emocionar na medida certa

Filmes sobre o racismo e o passado segregacionista dos EUA estão se tornando cada vez mais comuns. Não apenas como forma de denúncia para problemas presentes, mas como resgate histórico e cultural de muitas figuras que foram simplesmente apagadas da História com H maiúsculo.

Essa é a premissa principal de Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, EUA, 2016), filme que reconta a história real de três cientistas negras responsáveis diretamente por botar os astronautas no espaço e na Lua.

O filme busca tornar conhecida a trajetória e as dificuldades enfrentadas por Katherine Goble (Taraji P.Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe). Todas as três fazem parte da divisão de computadores humanos da Nasa, uma profissão real que usava matemáticas talentosas para fazer contas complexas em grande velocidade.

Cada uma das três enfrenta um drama pessoal ao longo do filme. Katherine é contratada pela missão que quer botar o primeiro astronauta em órbita e precisa ajudar nos cálculos para que ele não morra no processo. Dorothy, perseguida por uma gerente branca, precisa aprender a programar um gigantesco IBM para que ela e suas funcionárias não sejam substituídas pela máquina. Mary, cansada de ser um reles computador humano, quer se tornar uma engenheira.

O grande mérito do filme é contar a história destas três mulheres com precisão e realismo sem precisar cair no melodrama. O racismo está lá, translúcido, óbvio e chocante, mas você não vai escutar um quarteto de cordas toda vez que um branco fizer algo questionável (para os padrões de hoje e completamente normal para a época).

De fato, um dos pontos fortes é não ter um “branco bonzinho”, clichê constante em filmes sobre etnia. O mais próximo disso é o chefe de Katherine, Al Harrison, vivido com maestria por Kevin Costner. A todo momento fica claro que Al “ajuda” Katherine não porque é contra o sistema, mas porque ele precisa botar um homem no espaço e ela é peça fundamental nisso.

A produção também trabalha bem a paranoia da Guerra Fria sem precisar entrar em detalhes, apenas com acenos. Por exemplo, em uma cena as crianças de Katherine se mostram assustadas por estarem recebendo treinamentos militares na escola. Algo do tipo “o que fazer se sua cidade for bombardeada” e coisas assim, mostrando como a paranoia e ódio aos russos começava logo cedo.

Outro ponto forte que evita o melodrama é a trilha sonora. Misturando músicas modernas com as da época, as escolhas são sempre por trilhas da black music emergente e do funk setentista.

O roteiro é forte e bem escrito: é ele que toma as rédeas da trama, transmitindo sua história chocante sem nunca perder o controle. O filme é tão bem escrito que chega a ser didático: é fácil imaginá-lo sendo transmitido em escolas ou passando na Sessão da Tarde para uma audiência ampla e jovem. Ele encontra uma forma interessante de mostrar a violência do racismo sem precisar falar ou expor, necessariamente, violência física, como no caso do vencedor do Oscar 12 Anos de Escravidão ou o polêmico O Nascimento de uma Nação, lançado em 2016.

Mas todos só conseguem falar de uma coisa: do elenco. De fato, o trio protagonista brilha a cada minuto do filme e a indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante de Octavia Spencer é merecidíssima.

Porém, uma questão a se pensar é que as maiores estrelas do filme são brancas: Kevin Costner, Jim Parsons e Kirsten Dunst. Do lado negro, fora Spencer, talvez a maior estrela seja Mahershala Ali, ator que só apareceu no radar hoollywoodiano nos últimos anos e que acaba de conquistar sua primeira indicação ao Oscar. Ele disputa melhor ator coadjuvante por Moonlight, mas desconfio que seu salário não se compara ao de Costner, Parsons ou Dunst.

Fora isso, é preciso dizer que Estrelas Além do Tempo é um excelente filme, especialmente por conseguir entregar de forma clara um tema espinhoso, que poderia desembocar em um filme fraco ou senão cafona. Da mesma maneira, ele emociona: é difícil não chegar à cena final com lágrimas nos olhos ou não ficar revoltado enquanto as três enfrentam seus inúmeros desafios pela trama.

É um filme que te põe para torcer, comemorar e que cumpre seu papel histórico de garantir que, de agora em diante, estas estrelas e suas contribuições jamais sejam esquecidas.