Literatura

Harry Potter está de volta, mas não como você imagina

O livro mal tinha esfriado da impressão e fãs de todo o mundo já o…

O livro mal tinha esfriado da impressão e fãs de todo o mundo já o devoravam com uma ânsia que só quem esperou nove anos por notícias do mundo bruxo sabe como é. No mesmo dia em que a peça teatral Harry Potter and The Cursed Child (Harry Potter e a Criança Amaldiçoada) – escrita a seis mãos pela autora original, J. K. Rowling, Jack Thorne e John Tiffany – fez sua estreia no palco do Palace Theatre, em Londres, seu roteiro ganhou um lançamento, bem, digno de Harry Potter. Não há outra série que possa explicar o fenômeno de livrarias abertas à meia-noite, com filas na porta fazendo contagem regressiva, abertura dramática das caixas e chapéus pontudos esperando apreensivamente por seu exemplar. Neste domingo (31), data escolhida a dedo por ser aniversário de Rowling e do Menino Que Sobreviveu, quem agarrou seu livro e acreditou na contracapa, que alardeava a publicação do oitavo livro da saga, se decepcionou profundamente.

Antes de se aventurar pelas páginas, é necessário repetir como um mantra que não se trata, nem mesmo remotamente, de uma continuação. Sim, o livro começa no mesmo ponto em que Harry Potter e as Relíquias da Morte parou em 2007 – o trio de ouro agora é um quarteto, com a adição de Gina, a caçula dos Weasley e esposa de Harry, e está na Plataforma 9 ¾ levando seus filhos para embarcar no Expresso de Hogwarts. No entanto, a estrutura do texto deixa claro se tratar de uma obra inteiramente diferente. Não é apenas o formato teatral, com diálogos e orientação para os atores, sem as descrições perspicazes de Rowling, que quebra a magia mantida desde a Pedra Filosofal, de 1997.

A apresentação é mastigada, em alguns pontos em excesso, para facilitar a compreensão do texto que deve ocorrer em um palco, como estava destinada desde o início. O gênero também forçou uma apresentação muito mais rasa dos personagens, por vezes até mesmo caricaturizada, que fez muitos potterheads torcerem o nariz. Esses detalhes, porém, poderiam ter sido ignorados se a narrativa não tivesse dado uma guinada tão brusca no universo potteriano. A sensação ao final é que estamos lendo uma grande fanfiction, um texto escrito por fãs. E o pior: nem mesmo é uma boa fanfiction.

Harry Potter and The Cursed Child é uma história sobre pai e filho. Quando Voldemort, a representação do mal supremo e a maior ameaça que este planeta já viu é derrotado, desta vez definitivamente, Harry precisa seguir com sua vida. Seu filho mais novo, Albus Severus, cresce à sombra dos feitos do pai e do que ele acredita ser um favoritismo pelos irmãos James Sirius e Lily Luna. Não são as condições ideais de criação, e tudo parece piorar quando, ao entrar em Hogwarts, ele é sorteado pelo Chapéu Seletor para a casa Sonserina – toda sua família é tradicionalmente Grifinória. Sentindo-se perdido, encontra um bom amigo em Scorpius, filho único de Draco Malfoy, que também não é o mais popular da escola de magia.

Juntos, eles aprontam confusões dignas de Sessão da Tarde. Verdade seja dita: não é um livro ruim. É um Harry Potter ruim, que apenas não alcançou a qualidade a que todos estávamos acostumados. Crianças, especialmente, vão apreciar a leitura, leve, fácil, e cheia de reviravoltas. E uma questão permanece aberta para debate: quem é a criança amaldiçoada? Os quatro personagens centrais do livro se encaixam na descrição, cada um ao seu modo. O mais importante, talvez, seja como cada uma delas moldará um futuro a partir de seu infortúnio.